Cidades
FPI do Rio São Francisco discute dignidade e políticas públicas com comunidade quilombola Cacimba do Barro, no alto sertão

Eles resistem. De geração em geração, os quilombolas carregam no sangue a força de seus ancestrais, que transformaram opressão em luta e exclusão em comunidade. No Alto Sertão de Alagoas, em São José da Tapera, essa resistência continua na comunidade Cacimba do Barro, mas marcada por um cotidiano de desafios: a falta de saneamento básico, as dificuldades no acesso à saúde e à educação. E é nesse cenário que a Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do Rio São Francisco chega, trazendo consigo uma rede de órgãos públicos e entidades que unem esforços para levar dignidade e cidadania a quem, há muito tempo, convive com a ausência do Estado.
“Eu nasci aqui, há mais de 70 anos, e tinha o sonho de ver minha família, meus filhos estudando, mas isso não durou muito tempo porque fecharam a escola. Aqui a gente luta todos os dias, mas parece que quase ninguém olha pra gente”, conta seu Adelmo Bezerra, líder da Cacimba do Barro, reconhecida como comunidade Quilombola desde 2009, e que vê na chegada da FPI uma nova esperança.
A Fiscalização, que reúne 30 instituições das mais diversas áreas e esferas de poder, faz mais do que fiscalizar, seu objetivo maior é transformar realidades, e esse foi o compromisso assumido com os moradores do povoado. Na visita desta segunda-feira (18), a escuta envolveu a acolhida de reivindicações, encaminhamentos sobre atividade associativa, distribuição de material didático a respeito da cultura africana, dentre outras deliberações envolvendo uma diversidade de políticas públicas que podem mudar o dia a dia das mais de 100 famílias que ali residem.
“Nosso trabalho é garantir que comunidades historicamente esquecidas sejam vistas e respeitadas. O povo quilombola é símbolo de resistência e merece viver com dignidade”, afirmou Eliabe Soares da Silva, procurador da República do Ministério Público Federal (MPF) que integra a equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural.
“Com sua atuação interinstitucional, a FPI quer mostrar que a integração de esforços é capaz de gerar resultados concretos e mudar essa realidade. Queremos trabalhar para mudar esse cenário, a começar pela saúde e educação. Vamos provocar e conceder prazo a estado e município para que medidas efetivas sejam aplicadas”, acrescentou o procurador da República.
Posto da saúde e escola fechados
O fechamento da escola, há um ano, e do posto de saúde que não funciona há mais de duas décadas, na comunidade quilombola trouxe impactos profundos aos moradores da Cacimba de Barro. Sem acesso à educação no povoado, crianças e adolescentes são privados de oportunidades de aprendizagem, forçados a enfrentar distâncias para estudar ou, muitas vezes, a abandonar os estudos por completo.
Já a ausência do posto de saúde deixa famílias inteiras desassistidas, sem acompanhamento médico básico, sem vacinação regular e sem atendimento emergencial. O resultado é o agravamento das condições de vulnerabilidade: aumento da evasão escolar, maior risco de doenças não tratadas e a perpetuação de um ciclo de exclusão social que compromete o futuro da comunidade.
“Uma coisa que a gente observa de maneira recorrente nas visitas às comunidades quilombolas é o abandono praticamente completo do poder público, que deveria estar fazendo assistências básicas que são direitos fundamentais. Eu chamo a atenção, por exemplo, aqui nesta localidade, sobre a ausência de regularidade da própria associação de moradores, que é fundamental, porque só ela permite que quilombolas acessem programas que envolvem questões territoriais e de agricultura familiar promovidas pelo Cadastro Nacional da Agricultura Familiar, para além de tantos outros. Mais uma situação grave é o prédio do posto de saúde que um dia funcionou aqui, há cerca de 20 anos. É preciso urgentemente transformar essa realidade, e vamos começar a fazer isso”, enfatizou o antropólogo Ivan Farias, do MPF, coordenador da equipe.
Para os quilombolas de São José da Tapera, a chegada da FPI significa mais que serviços e ações pontuais. A Fiscalização representa a chance de enxergar um futuro em que cidadania não seja apenas promessa, mas realidade. “Um futuro em que resistir não seja apenas sobreviver, mas também viver com dignidade, respeito e direitos assegurados”, disse Jannayna Bastos, quilombola da Cacimba do Barro.
História da África
Já a Fundação Cultural Palmares distribuiu livros, cadernos de pintura e histórias em quadrinhos entre os quilombolas. “Estudar a história da África dentro de uma comunidade quilombola vai muito além das salas de aula, é um ato de resistência, de resgate da identidade e de fortalecimento coletivo. Conhecer as raízes africanas significa compreender as origens de saberes, tradições e lutas que ainda hoje ecoam no cotidiano quilombola. E, especialmente para os jovens, esse contato com a história ancestral é essencial na construção do orgulho de pertencer, na valorização da própria cultura e na quebra de estigmas que, por séculos tentaram apagar a contribuição do povo negro para a formação do Brasil”, defendeu Balbino Praxedes, representante do órgão.
A equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural é formada pelo Ministério Público Federal, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Fundação Cultural Palmares, Secretarias de Estado de Direitos Humanos e de Meio Ambiente Recursos Hídricos e , Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais e a ONG Agendar.
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