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A vingança

Carlito Peixoto Lima 17/08/2025
A vingança
Carlito Peixoto - Foto: Assessoria



João Pedro cavalgava seu alazão rumo à Fazenda Dois Riachos quando avistou, ao longe, um pequeno carro estacionando no acostamento. Desceu uma mulher olhando para o pneu traseiro murcho. A senhora iniciou uma série de inúteis pontapés no pneu furado. João Pedro parou seu carro, gentilmente a acudiu.


Ela chutava o pneu, e chorava. João Pedro pediu calma, estava ali para ajudar. A distinta respirou fundo, voltando a si como se estivesse em transe.


Ele levantou o carro com o macaco, retirou o pneu furado, colocou o estepe. Enquanto realizava a troca, a madame não deu uma palavra. Agradeceu, pediu desculpas, estava com a cabeça cheia de problemas e com ódio no coração. Que ele perdoasse. Apresentou-se, Fátima.


- Prazer, João Pedro. Minha amiga, o ódio não vale a pena.


- Minha raiva é grande. Vontade de matar. De qualquer maneira, desculpe e muito obrigado. Respondeu a morena com a alma infeliz.


João Pedro logo chegou à fazenda. Almoçou, descansou, deu algumas ordens. Ao entardecer foi dirigindo seu carro branco até a pequena cidade de Dois Riachos, onde a grande jogadora de futebol, Marta, nasceu. Entrou no Restaurante Chapéu de Couro para uma cerveja e ver se encontrava amigos. Percebeu que a senhora do carro, a irada Fátima estava sozinha em uma mesa tomando uísque.


Ao sentar pediu ao garçom uma cerveja, quando sentiu uma pessoa encostar à sua frente. João Pedro levantou a cabeça, era a moça, sorrindo. Perguntou se podia acompanhar, ato contínuo ela sentou-se elegante e iniciaram conversa.


- Pensei no que você falou. É verdade, raiva mata, deixa o coração ferido. E a vida é uma só. Vou tentar superar a bordoada que recebi. Agora conte sua vida. Quem é você? Cavalheiro gentil do cavalo alazão?


João Pedro resumiu sua vida. Era de Maceió, toda sexta-feira ele fiscalizava uma pequena fazenda, fazia pagamento e retornava para a capital no sábado.


Enquanto falava, João Pedro analisou a amiga acidental no restaurante. Devia ter entre 35 a 40 anos, pele bem cuidada, morena. O braço parecia porcelana. Rosto redondo, cabelos pretos escorridos, bem tratados. Olhos negros vivos como se estivessem acesos, penetrantes, por cima de um nariz levemente achatado. Exalava sensualidade e mistério. Sentiu que havia um grande problema em sua alma, daí esse rancor. Notou uma marca de aliança na mão esquerda. Seria casada?


Continuaram naquela mesa por mais de duas horas em conversa descontraída, alegre, com o acompanhamento do velho uísque. De repente, Fátima olhou nos olhos de João Pedro, pegou-o pela cabeça, puxou-o, deu-lhe um beijo na boca. Correspondida, ficaram a chupar línguas. De repente ela pediu sorrindo.


- Quero ir pra cama com você, agora! Tem que ser agora, antes que desista, não quero desistir.


Rápido ele pagou a conta. Sem esperar pelo troco saíram. Entraram no carro de João Pedro, partiram para um motel à beira da estrada. Fátima durante o percurso beijava seu pescoço, alisava-o, não se falaram.


Ao entrar no quarto do hotel, ela pediu, “Beije aqui meu amor!” João Pedro obedeceu, fizeram amor até mais tarde.


Depois do êxtase, corpos separados, enquanto ele olhava para o teto, sentiu que Fátima chorava, aumentando o choro. Estava histérica, lamentando-se, pedindo desculpas como se outra pessoa estivesse presente.


- Seu bosta! Você foi o culpado, você me traiu!


João Pedro conseguiu acalmá-la. Fátima contou sua vida.


Era casada, dois filhos já rapazes, morava no Recife. No dia anterior, ao entrar no escritório, flagrou o marido transando com a secretária no tapete. Uma prima, que implorou um emprego. Em casa o marido tentou justificar. Fátima não conseguiu dormir. Pela manhã pegou alguma roupa e partiu no seu carro rumo à casa de uma amiga em Piranhas, sertão de Alagoas. Ninguém sabia onde ela estava. Desligou celular e partiu, com toda raiva, ódio no coração. Estava planejando matá-lo, entretanto, percebeu que não era a solução. No restaurante, bebendo, preferiu outro tipo de vingança. Foi o ódio que impeliu fazer amor com João Pedro. Estava arrependida, com sentimento de culpa, mas a raiva não havia passado.


Ele ouviu com atenção enquanto trocava de roupa, e admirava aquele belo espécime de mulher. Já vestidos, ele abraçou-a, deu um cheiro nos cabelos.


- Agora vá dormir no hotel. Amanhã visite sua amiga, depois volte para sua família, você é uma pessoa especial. Não se sinta culpada pelo que aconteceu. A raiva é uma emoção cruel, muito forte, você agiu impulsionada pelo sentimento de vingança. O que aconteceu foi melhor que matá-lo, tenho certeza. O segredo é nosso, ninguém precisa saber o que houve entre nós. Eu amei essa noite, jamais esquecerei.


Saíram do motel até o carro de Fátima. Ela alisou a cabeça de João Pedro, deu-lhe um beijo na boca. Olhou em seus olhos e cochichou: “Amei lhe conhecer, essa noite marcou minha vida.” Abriu a porta do carro, sem olhar para trás, caminhou lentamente em direção a seu carro. Meia bêbada foi dormir no único hotel da cidade.