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Entre Fronteiras: artistas imigrantes falam sobre recomeços, pertencimento e criação no Brasil

Eles vieram do México, Índia, Peru e Luxemburgo. Têm trajetórias distintas, mas compartilham um ponto em comum: escolheram o Brasil como solo fértil para desenvolver suas carreiras artísticas. Em tempos de crise migratória global, discursos xenofóbicos e precarização do trabalho, ser um artista imigrante é um ato de resistência, reinvenção e afirmação. Conversamos com quatro nomes que vivem esse “entre-lugar” todos os dias para entender os desafios, as estratégias e as potências que atravessam suas jornadas.
Recomeçar é verbo constante
A trajetória de cada artista é marcada por recomeços — alguns planejados, outros atravessados por urgência ou imprevistos. “Cheguei ao Brasil em 2010, mas só consegui me estabelecer em 2012. Vim por sobrevivência, mas permanecer foi escolha. Criar música me faz sentir vivo”, conta o peruano Renzo Perales, radicado em São Paulo.
Já Adriana Santhi, nascida em Luxemburgo e criada na Bélgica, decidiu vir ao Brasil aos 30 anos após uma pausa forçada por problemas de saúde. “Foi o impulso que faltava pra investir no meu sonho de infância: a música. Recomeçar aqui foi bonito, mas também solitário no início. Só depois consegui, de fato, me sentir ancorada.”
Adriana Santhi por Angelo Pontes
Essa sensação de deslocamento constante atravessa também a história de Mateo, integrante da banda Francisco, el Hombre, que cresceu entre México, Brasil, Chile e EUA. “Eu sempre sou o que não é daqui. Falo vários idiomas, mas nenhum me ‘firma’ num lugar. A única casa fixa é o corpo — e a arte.”
Para além do fazer artístico, os desafios são estruturais: burocracias migratórias, ausência de redes, dificuldades econômicas, e, sobretudo, barreiras invisíveis de pertencimento. “A informalidade das relações no Brasil foi um baque no início”, relata Adriana. “E, mesmo me sentindo quase totalmente em casa, aqui ninguém me enxerga como brasileira.”
Renzo acrescenta: “Me sinto parte de uma grande comunidade que mistura culturas, mas isso não me dá relevância nas curadorias. Quem nasce aqui tem mais acesso. Eu ainda tô no fim da fila.”
Mateo traz outro ponto sensível: “Cantar em espanhol no Brasil é um nicho menor. O mercado não valoriza tanto o que vem do resto da América Latina — apesar de sermos todos parte da mesma história.”
Quando a mistura vira potência
Anirudh / Divulgação
Apesar dos obstáculos, os quatro artistas falam com brilho nos olhos sobre o Brasil. “A cultura brasileira me ensinou a fazer um corpo dançar e uma carreira existir”, diz Mateo. “A percussão daqui expandiu minha mente.”
O indiano Anirudh, fundador do projeto Slippery Handfish, diz que foi a arte brasileira que reacendeu seu desejo de voltar a criar. Morando em Belo Horizonte, ele sente que “a sensibilidade da música brasileira é o que permite recomeços”. Já Renzo, que mistura melodias peruanas com ritmos latinos e brasileiros, destaca: “A música aqui é sinônimo de afeto — isso é único.”
Para Adriana, é a expressividade cotidiana que torna o Brasil um lugar fértil para a arte. “Aqui, a música não está restrita aos palcos — ela pulsa nas ruas, nos corpos. Isso me inspira profundamente. Eu não via isso na Europa.”
Estratégias de permanência
Renzo Perales por Di Carvalho
Diante das barreiras, cada artista desenvolve estratégias próprias de permanência. Uma delas é criar redes reais de afeto e trabalho. “Façam amizades. As verdadeiras são sua rede de apoio. As outras te colocam em movimento”, aconselha Renzo.
Outro ponto central é assumir sua identidade com autenticidade. “Ser imigrante é trazer um olhar novo. Não tenham medo de mostrar quem são. Existe espaço para mil sonoridades no Brasil, especialmente no underground”, completa Adriana.
Além disso, entender o funcionamento do ecossistema musical brasileiro — desde o registro de obras até a construção de um público local — tem sido fundamental para abrir caminhos. “Registrem tudo, se afiliem a uma sociedade de direitos autorais, não deixem que a estrutura engula sua história”, alerta Adriana.
Saúde mental e vulnerabilidade como força
Um tema recorrente nas falas é a saúde mental — não só pelas dificuldades da migração, mas pela solidão e pressão do fazer artístico. Mateo e Adriana, ambos diagnosticados com bipolaridade, transformam suas vivências em arte.
“Meu disco se chama NEURODIVERGENTE. É sobre a luta contra a depressão, a adicção, e a necessidade de falar disso publicamente. Mostrar vulnerabilidade é o que me fortalece”, diz Mateo. Adriana completa: “Só comecei a ‘pousar’ depois que me tratei. Minha arte é meu lugar de aterramento. É onde transformo dor em som.”
Mateo por Julia Mataruna
As histórias desses quatro artistas revelam que a experiência migrante é feita de atravessamentos, mas também de encontros potentes. Eles não querem ser encaixados em caixinhas de “exotismo” nem limitar sua arte à etiqueta de “música de imigrante”. Desejam, sim, ser reconhecidos por sua singularidade, pela mistura que carregam — e por aquilo que constroem a partir disso.
No fim das contas, como diz Adriana: “Recomeçar é lindo, mas exige coragem. E a arte, aqui no Brasil, é o que me lembra todos os dias que vale a pena.”
Fotos Adriana Santhi
Fotos Anirudh
Fotos Mateo
Fotos Renzo Perales
Sobre Adriana Santhi
Adriana Santhi é cantora, compositora e DJ luso-brasileira. Nascida em Luxemburgo, filha de pai brasileiro e mãe portuguesa, cresceu entre Bruxelas, Madrid e Rio de Janeiro, onde vive atualmente. Com influências do R&B, neo soul, jazz e música urbana, sua obra mistura poesia bilíngue, estética refinada e vivências profundas marcadas por migração, espiritualidade e saúde mental. Em 2025, lança seu primeiro EP autoral, consolidando-se como uma das vozes mais sensíveis e autênticas da nova cena alternativa.
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Sobre Anirudh
Nascido em Jaipur, no Rajasthan, Anirudh Singh Rathore se mudou para o Brasil em 2021. No ano passado, criou o projeto Slippery Handfish, iniciativa colaborativa que combina referências do rock, do som psicodélico e da música indiana ao trabalho criativo de artistas de Belo Horizonte. A obra de Anirudh costuma refletir sua jornada e experiências de vida. Recentemente, lançou o disco "Medicated State of Heart".
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Sobre Mateo
Mateo é cantor, compositor, multi-instrumentista e produtor musical. Nascido no México e criado entre países, encontrou na música seu idioma universal. Fundou em 2013 a banda Francisco, el Hombre, com a qual lançou cinco álbuns e recebeu duas indicações ao Grammy Latino. Também criou o projeto BABY ao lado de Luê e produziu artistas como Juliana Strassacapa. Hiperativo e afetivamente ligado à música latino-americana, especialmente ao Pará, Mateo mistura pop, ritmos tradicionais e timbres eletrônicos em sua estética sonora. Diagnosticado com bipolaridade tipo 1 e em recuperação de adicções, é neurodivergente e defende abertamente a importância da saúde mental. Em 2025, estreia sua carreira solo com o álbum NEURODIVERGENTE, que marca uma nova fase artística e pessoal.
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Sobre Renzo Perales
Renzo é guitarrista e arranjador. Nascido no Peru, encontrou na música instrumental seu proprio jeito de falar as coisas. Fundou em 2014 o grupo RP Project, lançou um album, um ep em 2020. Em 2025 um single "sonho ruim", que conta com participação do bicho solto do afrocidade na percussão, trazendo a nova estetica que Perales trabalha pro proximo album. Também acompoanhou artistas como a cantora da bossa nova Claudya e sua filha Grazi Medori. Apaixonado pela musica brasileira e o jazz procura uma roupagem innovadora, com musicas que tansitam pelo pagodao da bahia, rnb e jazz-funk. Em 2026, planeja lançar um novo album com seu grupo, que marca uma nova fase artística e pessoal. Ja dividiu o palco e colaborou com artistas como: Nego Bala, Cronixta, Tonyyymon, Duquesa, Triz, Lafetah, Samuca, Tassia Reis, Rico Manzano e muitos outros.
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