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A toalhinha

Diógenes foi o primeiro a chegar, há mais de cinco anos não via o amigo Lula, tomou uma mesa ao ar livre, na época o Bar Veleiro era o mais frequentado da juventude no Recife. Uma brisa suave deu-lhe sensação de bem estar, pediu chope ao garçom, naquele momento apareceu Lula, braços abertos, sorrindo, afinal amigo de infância é para toda vida. Sentaram olhando um para o outro, curtindo o momento, brindaram à velha amizade com taças de chope. Diógenes iniciou a longa conversa da noitada.
- E aí, onde vai assistir amanhã a final Brasil x Itália? Acho que vai dar Brasil, esse bendito ano de 1970 está sendo generoso comigo. Casei com Carolina, sempre foi o amor de minha vida, depois de tantos desencontros nos juntamos para valer, está grávida. Para aumentar a felicidade estou na maior torcida, ver o Brasil tricampeão. De manhã cedinho retorno a Maceió, vou assistir ao jogo com Carolina, meus pais e irmãos.
- Tenho certeza da vitória, será 4 x 0 ou 4 x1. O Brasil não perde essa nem que a vaca tussa. Eu soube de seu casamento com Carolina, a paixão de sua juventude, de sua vida, pois eu também tinha uma grande paixão, hoje estou curado posso contar.
- Lulinha, pelo que me consta você nunca foi chegado a uma mulher.
- Pois fique sabendo de meu segredo, minha grande paixão era você.
Disse Lula às gargalhadas enquanto tomava um gole de chope e colocou dobrada uma toalhinha vermelha em cima da mesa. Continuou a conversa.
- Meu amigo, desde menino já sabia, eu era homossexual, entretanto, só me revelei quando servi ao Exército, ao ver aqueles jovens colegas, soldados, nus durante o banho coletivo, me dava uma comichão. Até que dia, por trás do alojamento dei a um colega, fiquei com ele no quartel várias vezes; descobriram. O Comandante mandou me expulsar. Um Sargento quebrou o galho, deu a ideia, consegui um atestado, doença hepática. Dei baixa do Exército como incapaz para o serviço ativo, não fui expulso como homossexual. Seria horrível para meu pai.
Fui trabalhar na loja de meu pai, me apaixonei por um caixeiro viajante, vendia relógio, eu assinei um pedido enorme, a loja ficou com estoque de relógio para mais de cinco anos. Bastou para papai arranjar um emprego nos Correios com um senador e vim trabalhar no Recife de carteiro, ando feito a bexiga lixa, entregando cartas.
- E essa toalhinha bonitinha que você dobrou na mesa, serve para quê?
- Essa toalhinha tem história. Iniciou ao descobrir um cinema de filme pornô, Cine Aurora, frequentado por bichas iguais a mim, vão ao cinema em busca de aventuras, sentam-se junto a algum rapaz, se der chance ali no escurinho do cinema fazem o que pode. No primeiro dia, no final da peripécia senti a precisão de uma lavagem mínima. Dia seguinte levei uma toalhinha, foi sucesso, a moda pegou. Hoje todo gay de escurinho do cinema tem toalhinha, eu fui o inventor.
Os dois amigos deram uma gargalhada, beberam, tomaram um porre até altas horas, lembraram muitas histórias, cheios de saudades.
Nos anos 80, Lula pegou uma terrível AIDS, foi fulminante, morreu. Diógenes foi ao enterro do amigo Lula no Recife, seu rosto lívido parecia dar uma leve risada. Em suas mãos cruzadas, algum amigo colocou um carinho, uma toalhinha, a toalhinha do Cine Aurora.
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