Internacional
'Pior conflito armado do mundo' completa 2 anos e segue longe da atenção midiática do Ocidente

Em abril, a escalada dos combates internos que alçou o Sudão ao lugar de um dos maiores conflitos em decorrência no mundo completou dois anos. Ainda assim, com mais de 12 milhões de deslocados dentro do próprio país, a situação recebe pouca atenção midiática do Ocidente.
"É triste dizer isso, mas parece que acontece uma competição entre as piores tragédias do mundo. A gente abre o noticiário e as principais tragédias acontecem em outras regiões e esses casos no continente africano acabam sendo relegados exatamente por causa dessa visão negativa sobre conflitos que acontecem na região."
É o que afirma Luis Haroldo Santos Junior, doutorando em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) ao podcast da Sputnik Brasil, Mundioka.
A "percepção" e a "visão negativa" citadas anteriormente pelo pesquisador dizem respeito a uma visão, sobretudo praticada no Ocidente, de que os conflitos no continente africano seriam impossíveis de resolver.
Santos Junior usa o conceito de "afropessimismo" para explicar este olhar e aponta que "há todo um racismo, há todo um legado colonial que explica essa ausência de interesse em relação a esses conflitos como é o caso de conflito que acontece no Sudão".
São mais 12 milhões de deslocados internos no Sudão e, segundo o analista, citando dados de 2023, de 50 milhões de habitantes do país, pelo menos 30 necessitam de ajuda humanitária urgente, seja para alimentação, abrigo ou algum tipo de proteção.
"A guerra do Sudão, não desmerecendo outros conflitos, em matéria de violência não tem comparação", resume Patrícia Teixeira dos Santos, professora de história da África da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
A posição do seu comentário, a especialista afirma que se dá pelos níveis "de letalidade, de desigualdade de armamentos, de uma população absolutamente indefesa, de regiões onde basicamente as pessoas vivem do seu trabalho no campo e que vivem da assistência missionária e dos organismos internacionais". Ou seja, todas essas mazelas e violações de direitos humanos tornam o conflito de uma gravidade sem precedentes.
O plano de fundo das disputas internas no Sudão
O atual conflito que eclodiu em 2023 tem como parte do seu plano de fundo um golpe de Estado — o Sudão, inclusive, enfrenta desafios deste tipo desde a sua independência, em 1956. No contexto hodierno, a retomada militar do poder, que era uma medida de transição, descambou para uma disputa entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF, na sigla em inglês) e a as Forças de Apoio Rápido (FAR).
As duas forças chegaram a compartilhar o poder, mas agora lutam pela soberania. A partir de uma série de divergências internas, "eles inauguram esse novo capítulo da história civil sudanesa, inaugura essa nova guerra civil", diz Santos Junior.
A população fica no meio do fogo cruzado protagonizado entre o líder militar do Sudão, general Abdel Fattah al-Burhan e Mohamed Hamdan Dagalo, líder das FAR. Além deles, a legislação tem tido papel-chave na atual situação do país, conforme explica Teixeira dos Santos.
Segundo a analista, o governo al-Burhan tentou denunciar crimes que acontecem no Sudão culpabilizando as FAR. O Tribunal da União Africana, no entanto, não considerou a denúncia, "dizendo que não havia elementos suficientes para dizer que este conflito era um conflito que deveria ser julgado por tribunais internacionais de violações de direitos".
Outra questão entre os dois generais que prejudica a população são os interesses externos nas riquezas sudanesas. E a desagregação é um grande trunfo para este objetivo de poder.
Há um princípio da União Africana de que a terra é dos africanos, com intuito de reparar as perdas que as pessoas tiveram com a colonização. Ou seja, os povos originários são passíveis de direito.
"Qual é o problema que está acontecendo na linguagem política de governos corruptos africanos ligados a empresas internacionais que estão interessados na exploração do subsolo? É novamente essas populações serem renomeadas como etnias e usar a linguagem colonial dizendo que os problemas da África são conflitos étnicos", explica a professora.
Nesse sentido, quando isso acontece, o que acontece no Sudão, por exemplo, fica reduzido a um conflito étnico. "Por interesses neoliberais de muitos desses governos africanos a população está sendo excluída", destaca a Teixeira dos Santos.
Para a analista, casos como a rejeição da União Africana a de aceitar a denúncia de violações de direitos humanos mostra "um descompasso da compreensão jurídica do que está acontecendo". Ela avalia que os conflitos estão mais sofisticados e "a dificuldade desses tribunais de fazer a leitura jurídica desses conflitos que crescem absurdamente, leva ao aumento da violência".
O exemplo usado é do Tribunal da UA, mas ela salienta que equívocos deste seara acontecem também em outros conflitos, mas "no Sudão é tudo gritante".
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