Internacional

Brasil é colônia digital dos EUA e precisa construir alternativas com o BRICS, diz analista

Sputinik Brasil 06/06/2025
Brasil é colônia digital dos EUA e precisa construir alternativas com o BRICS, diz analista
Foto: © AP Photo / Jeff Chiu

Brasil depende de empresas dos EUA para realizar tarefas digitais básicas e coloca em risco dados produzidos no país. Para analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, governo segue na direção errada e BRICS deveria ser prioridade quando o assunto é inteligência artificial.

Pré-candidatos à presidência da República apostam no desenvolvimento de inteligência artificial (IA) para propagar sua imagem nacionalmente. A falta de legislação nacional abre espaço para governadores competirem por contratos com grandes corporações de tecnologia dos EUA, conhecidas como big-techs.

De acordo com o jornal O Globo, os pré-candidatos governadores legislam sobre o desenvolvimento de IA para turbinar as suas campanhas eleitorais. Governadores como Ronaldo Caiado (Goiás), Ratinho Júnior (Paraná), Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) e Tarcísio de Freitas (São Paulo) desenvolvem projetos de lei estaduais sobre IA, à revelia do governo federal.

Ronaldo Caiado (DEM), governador do estado de Goiás
Ronaldo Caiado (DEM), governador do estado de Goiás

Com a legislação nacional sobre IA ainda em negociação no Congresso, o governador de Goiás Caiado tomou a dianteira e propôs legislação estadual para desenvolver a tecnologia em parceria com a empresa norte-americana Amazon.

"Ouvi do empresário da Amazon: 'Governador, com a lei que está hoje no Congresso Nacional, todos nós deixaremos o Brasil. Ninguém vai investir em inteligência artificial. Nós queremos exatamente a lei que o senhor apresentou em Goiás'", declarou Caiado.

A disponibilidade do governador em competir com o Congresso Nacional para ver quem é capaz de oferecer mais vantagens à Amazon revela a grande influência que empresas norte-americanas têm no desenvolvimento dessa tecnologia fundamental para o futuro do país.

Visitante durante a exposição “Redes humanas e neurais: quem cria quem?, organizada pela GaleriaTretyakov em cooperação com a empresa de tecnologia Yandex, Moscou, Rússia, 22 de abril de 2025  / RIA Novosti
Visitante durante a exposição “Redes humanas e neurais: quem cria quem?, organizada pela GaleriaTretyakov em cooperação com a empresa de tecnologia Yandex, Moscou, Rússia, 22 de abril de 2025 / RIA Novosti

"Infelizmente, hoje o Brasil não possui uma infraestrutura tecnológica soberana. Não temos marcos regulatórios para lidar com os dados gerados pelo país, nem para lidar com a inteligência artificial", disse a pesquisadora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e do Fórum para Tecnologia Estratégica do BRICS+, Isabela Silveira Rocha, à Sputnik Brasil.

Trabalhador monta estande da Sugon, uma fabricante chinesa de supercomputadores, durante a Conferência Mundial de Inteligência Artificial realizada em Xangai, 5 de julho de 2023. (foto de arquivo)
Trabalhador monta estande da Sugon, uma fabricante chinesa de supercomputadores, durante a Conferência Mundial de Inteligência Artificial realizada em Xangai, 5 de julho de 2023. (foto de arquivo)

A soberania digital de um país é avaliada pelo seu nível de autonomia para desenvolver e manter tecnologias de hardware e software necessárias para garantir o controle de seu território e bem-estar de sua população, explicou Rocha.

"Nesse sentido, não temos soberania digital. Nossas fronteiras amazônicas são controladas por satélites da [empresa norte-americana] Starlink. Nos comunicamos pelo [aplicativo norte-americano] WhatsApp", disse Rocha. "Nossos dados estão em datacenters fora do país, e mesmo se estivessem aqui, são processados por empresas que não nos pertencem."

A pesquisadora lembra que, até para conduzir investigações, órgãos de segurança brasileiros como a Polícia Federal, devem pedir permissão de empresas como a Meta (proibida na Rússia por serem consideradas extremistas) para acessar os dados de cidadãos brasileiros suspeitos.

Um robô de entrega não tripulado Yandex.Rover durante percurso na cidade de Moscou, Rússia (foto de arquivo)
Um robô de entrega não tripulado Yandex.Rover durante percurso na cidade de Moscou, Rússia (foto de arquivo)

"Então, que soberania é essa? Infelizmente, não temos soberania digital. E como a questão digital permeia todos os aspectos da vida, estamos em uma situação de dependência de empresas norte-americanas. Estamos retornando a uma posição de colônia", disse Rocha. "O Brasil está se tornando uma colônia digital dos EUA."

Datacenters é bala de prata?

A fim de contornar a situação e colocar o Brasil no mapa do desenvolvimento da inteligência artificial mundialmente, o ministro da Fazenda, Fenando Haddad, reuniu-se com grandes corporações de tecnologia dos EUA para promover o Plano Nacional de Data Centers (Redata).

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad participa do programa Bom Dia, Ministro, em Brasília (DF). Brasil, 12 de setembro de 2024
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad participa do programa "Bom Dia, Ministro", em Brasília (DF). Brasil, 12 de setembro de 2024

A iniciativa busca oferecer incentivos fiscais para que empresas dos EUA construam seus datacenters em território brasileiro. O tiro do plano, no entanto, parece ter saído pela culatra: especialistas no desenvolvimento de inteligência artificial ouvidos pela Sputnik Brasil criticaram o programa proposto por Haddad.

"O plano prevê a instalação de datacenters estrangeiros no Brasil para que eles operem aqui com isenção fiscal. Na prática, isso significa que nós estaremos dando os nossos dados para grandes corporações de tecnologia, nossa energia elétrica, nossa infraestrutura tecnológica, e, tudo isso, sem receber o pagamento de impostos", disse Rocha.

As grandes empresas convidadas a atuar no Brasil pelo plano Redata possuem tecnologia de código fechado e patenteado. Por isso, não haverá transparência sobre os métodos de processamento dos dados obtidos no Brasil.

"É importante que os dados permaneçam no nosso território. Mas onde ele vai ser processado? O Brasil não tem computadores capazes de executar tarefas mais complexas", disse o professor e pesquisador de engenharia do Insper, Rodolfo Avelino, à Sputnik Brasil. "É importante fazer investimentos em datacenters de empresas brasileiras, públicas e privadas."

Para o pesquisador, o plano Redata "só alimenta a dependência tecnológica brasileira" e não desenvolve a infraestrutura e mercado interno de IA no Brasil.

Funcionário inspeciona racks de servidores de computador que executam programas de inteligência artificial, Nova York, EUA, 5 de março de 2025
Funcionário inspeciona racks de servidores de computador que executam programas de inteligência artificial, Nova York, EUA, 5 de março de 2025

"Esse não é o caminho. O plano não tem o cuidado necessário com as questões internas do Brasil", disse Avelino. "A resposta não é trazer essas empresas ainda mais para dentro do nosso território. Acho que o governo está totalmente equivocado."

Para Avelino, desenvolver a inteligência artificial brasileira de forma soberana é um plano de longo prazo que o Brasil não está encarando.

Um chip de processador quântico IBM Heron em uma placa de circuito na sede da IBM em Nova York, EUA, 5 de março de 2025.
Um chip de processador quântico IBM Heron em uma placa de circuito na sede da IBM em Nova York, EUA, 5 de março de 2025.

"Não estou vendo uma estratégia de médio e longo prazos nos planos de desenvolvimento de inteligência artificial apresentados pelo Brasil até agora", lamentou Avelino. "O Estado precisa atuar junto ao mercado para reduzir essa grande dependência de infraestrutura e dados que temos. E o tempo já passou."

BRICS digital

Para garantir a soberania digital em um ambiente de rápido desenvolvimento da inteligência artificial, o governo brasileiro colocou o tema na pauta da sua presidência do BRICS deste ano.

O BRICS conta com três países com experiência ampla em inteligência artificial: Rússia, China e Índia. A presença de países do BRICS na vanguarda da IA vai de encontro à ideia de que só países do Norte Global têm capacidade para desenvolver alta tecnologia.

"Precisamos fortalecer a cooperação entre os países do BRICS para que possamos ter ações direcionadas ao fomento do grupo. Ações mais organizadas para encontrar saídas [para os problemas impostos pela inteligência artificial]", acredita Avelino.

A pesquisadora Rocha nota que países como China equilibram a proteção de dados de seus cidadãos com a cooperação com empresas ocidentais.

Trabalhador monta estande da Sugon, uma fabricante chinesa de supercomputadores, durante a Conferência Mundial de Inteligência Artificial realizada em Xangai, 5 de julho de 2023. (foto de arquivo)
Trabalhador monta estande da Sugon, uma fabricante chinesa de supercomputadores, durante a Conferência Mundial de Inteligência Artificial realizada em Xangai, 5 de julho de 2023. (foto de arquivo)

"A China coloca seus ovos em várias cestas, e tem datacenters de empresas como Google e Microsoft, mas também de suas empresas nacionais. E, tanto a China quanto a Rússia têm legislações robustas para proteger seus dados da população e das suas empresas, que também desenvolvem tecnologia", disse Rocha. "Mas não é isso o que estamos vendo no Brasil."

Nesse contexto, os países do BRICS têm escopo para cooperar em projetos de código aberto, com transferência de tecnologia e respeito à soberania de seus membros, disse Rocha.

"Não temos como construir um mundo multipolar na política, sem construir a multipolaridade no âmbito digital. Mas, para fazer isso, será necessário mais coragem durante essa presidência brasileira do BRICS", concluiu a especialista.