O ex-presidente uruguaio José Mujica será lembrado por sua coerência e por não cultivar o ódio "nem mesmo no dia seguinte à sua saída da prisão", disse à Sputnik o senador do Uruguai Aníbal Pereyra. Para o cientista político Mauro Casa, o ex-mandatário" conectou com a sensibilidade das pessoas" ao defender suas ideias "com linguagem simples".

O compromisso constante com o diálogo e sua capacidade de propor ideias estão entre as características que fizeram do ex-presidente uruguaio José Mujica uma figura central na política do Uruguai e da região, afirmou à Sputnik Mauro Casa após o falecimento do ex-mandatário aos 89 anos.

Conforme o cientista político, a "vocação para o diálogo permanente" é um dos aspectos mais marcantes de Mujica, não apenas dentro do Uruguai, mas também no cenário internacional. Nesse sentido, o analista destacou que o ex-presidente "foi um interlocutor valioso para muitos atores do poder global que, embora não compartilhassem de sua visão, o consideravam alguém que merecia ser ouvido".

"Figuras como a de Mujica são raras nestes tempos de tanta polarização, divisões e pontes quebradas. Mujica sempre foi um construtor de pontes", afirmou o especialista.

Casa também destacou a capacidade de Mujica de ser "uma fonte permanente de ideias" na política uruguaia e regional, mesmo quando "muitas delas não vingavam ou eram ignoradas por parecerem absurdas ou disparatadas a outros".

De fato, o governo de Mujica foi marcado por projetos considerados revolucionários para o Uruguai, como a legalização do mercado de cannabis, medida que o então presidente promoveu como forma de tirar esse mercado das mãos do narcotráfico.

O especialista também considerou "disruptivo" o estilo de comunicação de Mujica, que ganhou popularidade no país com um discurso simples, repleto de expressões típicas das classes populares, pouco comuns entre os políticos de sua geração.

"Mujica conectou com a sensibilidade de muita gente, especialmente de um público que era resistente à esquerda uruguaia — um eleitorado que não era socioculturalmente propenso a votar na Frente Ampla, mas que acabou aderindo por meio da porta de entrada representada pelo Movimento de Participação Popular (MPP), fundado por Mujica dentro da Frente Ampla, e por sua capacidade de expressar ideias em linguagem simples", refletiu Casa.

Mujica: presidente mais pobre do mundo

O apelido de "presidente mais pobre do mundo" acompanhou Mujica durante seu mandato, após diversas reportagens da imprensa internacional destacarem que, apesar do cargo, ele continuava vivendo em sua chácara no bairro Rincón del Cerro, nos arredores de Montevidéu, dirigia um Fusca 1987 e doava grande parte de seu salário a causas sociais.

Para Mauro Casa, a divulgação dessas características foi fundamental para que Mujica se tornasse uma figura de destaque mundial, ainda que houvesse "muito de marketing" no slogan — já que certos traços de austeridade também eram comuns a outros políticos uruguaios. De todo modo, ele reconhece que esses elementos ajudaram a aproximar pessoas de todo o mundo do pensamento de Mujica.

"É válido que, a partir dessas curiosidades ou anedotas, muitos tenham passado a ler e ouvir um homem que teve reflexões muito profundas em termos de discurso político e elaboração filosófica", apontou.

Já o senador uruguaio e integrante da Frente Ampla Aníbal Pereyra destacou que Mujica sempre transmitiu "uma mensagem de esperança e de dar sentido à vida", mesmo diante de um futuro que ele próprio considerava "muito incerto pela velocidade com que o mundo vivia".

"Mujica nunca deu mensagens de ódio, nem mesmo no primeiro dia em que saiu da catacumba, depois de anos preso. Esse foi um dos discursos mais marcantes da minha vida — eu tinha 18 anos quando o ouvi pela primeira vez num comício", comentou o dirigente.

Pereyra ressaltou que Mujica conseguiu "construir uma colmeia" com base nesses valores, ajudando a redirecionar jovens que, após a ditadura uruguaia, tinham uma postura mais revanchista contra as Forças Armadas. "Ele ultrapassou fronteiras com uma mensagem muito simples de coerência. Isso era o Pepe", resumiu.