Artigos
Educação sexual

Não faz assim muito tempo, e ainda se o usa em alguns lares, o cômodo da casa destinado ao casal ostentava, na parede, ao alto da cabeceira da cama, um crucifixo. Estava lá um Jesus, não por suas melhores ideias, mas para lembrar que o humano é pecador e corre o risco de, havendo eternidade, padecê-la no inferno, que seria um lugar ruim.
Uso o verbo no condicional, porque não falta quem defenda que o inferno é um lugar bem mais animado do que o céu. Nisso, não decido que seja bom nem mau, nem o céu, nem o inferno; acompanho os religiosos, que não querem ir nem para um nem para outro, querem mesmo é ficar bem vivos, neste “antro de provações”, que é o lugar em que estamos.
Lembro do vencido, ou já raro costume, porque desejo escrever sobre orientação sexual, e, como é sabido, ideologia cristã e sexualidade nunca se deram muito bem. Sexo, na Bíblia, é para procriação. Ponto. Nos tempos do crucifixo, no dia em que o marido deveria comparecer (era o termo), virava-se o Jesus pendente de cara para a parede. Ao fim do ato, se o recompunha.
Discutia-se se seria adequado deixar o Filho do Homem desse jeito, em giro forçado. A conclusão teria sido a de que assim, pelo menos, não veria a “pouca vergonha” a seus pés (luxúria, o terceiro pecado capital). O assunto sexo, teórico e prático, em família, era mais ou menos isso: fornicação em aflição moral.
E a educação sexual? As moças, às vésperas das núpcias, recebiam – conversa constrangida – uma orientação geral da mãe: conselhos de obediência e o essencial sobre a “vontade dos homens”. Quanto aos moços, num dia qualquer, eram, pelo pai, se houvesse recurso, levados à zona de meretrício e, lá, à iniciação por uma profissional, a qual já adquirira a confiança do progenitor.
Para a angústia do pensamento conservador, esse assunto, hoje, atinge mais precocemente a garotada. E então, dado que há perguntas, alguém deve dar respostas. A internet responde qualquer dúvida, mas, parece, o\as adulto\as fazem de conta que é melhor com certo protocolo: alguns colégios se prontificaram, uma "tia" encararia a matéria.
Muitos pais e mães se horrorizaram: seus rebentos jamais falaram “nisso”, e falar em sexo na escola só adiantaria uma questão espinhosa. Para que, pois, despertar interesse, adiantar “as coisas”? De todo modo, “as coisas” se foram adiantando, e algumas escolas abordam a questão. Pessoalmente, defendo a abordagem, porém, desconfio das maneiras utilizadas.
Discursos moralistas à parte, não conheço ninguém (que não esteja em, ou necessite de tratamento) que não tenha no sexo uma saudável fonte de prazer. A questão é que se estabeleceu, com sucesso, certa hipocrisia: o que serve para mim, não serve para os meus filhos ou filhas. Essa ideia é traduzida numa frase, também ou mais, hipócrita: “Tudo tem uma idade certa”.
Claro, o organismo humano se desenvolve e tem etapas distintas e com peculiaridades. O problema é querer conter as demandas do indivíduo já sexualmente maduro dentro dos preconceitos (ainda) vigentes, herdados de tempos medievais. E, aí, as aulas de orientação sexual tomam uma tremenda importância, que, suspeito, não lhe é atribuída.
Não suponho que haja um momento específico para abordar o tema. Penso que, sem complicá-lo, deve-se responder a perguntas que a garotada possa fazer. Nunca é cedo nem tarde; se houve curiosidade, é porque o assunto chegou. A questão raramente comportaria especialistas, nem pede cientificismos.
Voltando, contudo, à escola. Que "tia" está habilitada para tanto? Será que a indicada às aulas já aprendeu sobre o tópico mesmo para a própria satisfação? Se alguém fosse tratar da questão com criança minha, gostaria que fosse pessoa satisfeita sexualmente, soubesse explorar os prazeres do corpo, tivesse uma cabeça liberada.
Sim, claro e sempre, que também alertasse sobre gravidez indesejada, abusos, DSTs e outros riscos. O que sobremaneira me preocupa, todavia, é a possibilidade de “a coisa” ser encarada como conselho, como precipitação, como pode-não-pode, como discurso sobre o "normal". Receio lições de sexo como dever, disciplina, higienismo e interdição.
Seria um horror que se estabelecesse uma rede moralizante e normatizadora sobre a meninada. Não haveria nem o sexo com pecado do Jesus virado, nem o sexo satisfatório de quem aprendeu como fazê-lo. Mais adequado, então, que se virem por própria conta. Bem melhor assim do que entregues a “tias” em proselitismo de purificação.
Mais lidas
-
1TRAGÉDIA
Criança de 5 anos morre atingida por hélice de lancha, na Praia do Gunga
-
2OBITUÁRIO
Cardiologista alagoano morre em acidente com jet ski na orla de Aracaju
-
3FORÇAS ARMADAS
Apesar da pressão norte-americana, houthis do Iêmen atacam o aeroporto Ben Gurion de Tel Aviv
-
4FUTEBOL
CSE é bicampeão da Copa Alagoas 2025 nos pênaltis após empate sem gols contra o Penedense
-
5REEDIÇÃO HISTÓRICA
CSE e Penedense voltam a decidir título após 54 anos; final da Copa Alagoas é neste domingo em Palmeira dos Índios