A legislação eleitoral prevê um período de "quarentena" quando afasta a possibilidade de prefeitos em segundo mandato indicar parentes até segundo grau em suas sucessões. Mas a prática de indicar tios e sobrinhos para suceder prefeitos em alguns municípios de Alagoas são verdadeiras burlas à legislação eleitoral.
A prática não evita que ex-prefeitos utilizem a máquina pública em benefício próprio ou para influenciar diretamente na nova gestão.

Essa regra de impedimento de prefeitos em segundo mandato, tem sido sistematicamente burlada em diversos municípios de Alagoas, onde ex-gestores se perpetuam no poder através de cargos estratégicos em secretarias municipais, garantindo influência e controle sobre as administrações que ajudaram a eleger.

A prática não se restringe a um caso isolado. Em cidades como Rio Largo, Palmeira dos Índios, Santana do Ipanema, Estrela de Alagoas e Belém, ex-prefeitos seguem governando nos bastidores, ocupando cargos em supersecretarias, recebendo altos salários e mantendo poder sobre os orçamentos milionários das prefeituras. Enquanto isso, o Ministério Público segue em silêncio, permitindo que a democracia municipal seja distorcida por essas manobras.

Rio Largo: Ex-Prefeito comanda a Prefeitura de dentro da Secretaria de Governo

Um dos casos mais emblemáticos ocorre em Rio Largo, onde o ex-prefeito Gilberto Gonçalves (PP) assumiu a Secretaria Municipal de Governo (Segov) logo no primeiro dia da gestão de seu sobrinho e sucessor, Carlos Gonçalves (PP).

Para garantir seu poder, Gilberto reformou a Segov ainda em 2024, criando uma estrutura maior que a do próprio gabinete do prefeito, com 49 cargos comissionados, enquanto a estrutura da chefia do Executivo possui apenas 14.

Além disso, o ex-prefeito recebe um salário de R$ 20 mil, maior que o dos secretários municipais de áreas essenciais, como Saúde e Finanças, cujos vencimentos não ultrapassam os R$ 10 mil. Essa nomeação torna Gilberto uma espécie de "prefeito de fato", sem precisar passar pelo crivo das urnas.

Palmeira dos Índios: O ex-prefeito agora é o “governador”

Em Palmeira dos Índios, o ex-prefeito Júlio Cezar (PP), após oito anos à frente da gestão municipal, garantiu um supercargo na Secretaria de Governo criada somente pra ele, ocupando um espaço ainda mais relevante que o próprio vice-prefeito. A nova prefeita, Luísa Duarte (PP), sua tia, tem feito nomeações que consolidam o poder do ex-gestor sobre a administração.

Nos bastidores, comenta-se que Júlio Cezar, antes chamado de "imperador", agora prefere ser tratado como "governador", dada a sua influência sobre os rumos da gestão municipal. A máquina pública, que ele utilizou para eleger sua sucessora, agora lhe serve para manter o comando da cidade sem qualquer interrupção.

Enquanto isso, a cidade enfrenta problemas estruturais graves, como a falta de segurança no recém-reformado Lago do Goiti, onde já ocorreu um afogamento fatal. Mesmo com investimentos milionários, a prefeitura segue priorizando manobras políticas em vez de serviços essenciais para a população.

Santana do Ipanema, Estrela de Alagoas e Belém: O mesmo esquema de perpetuação no poder

A mesma prática ocorre em outros municípios alagoanos, como Santana do Ipanema, Estrela de Alagoas e Belém, onde ex-prefeitos foram nomeados para secretarias estratégicas logo após deixarem o cargo.

🔹 Santana do Ipanema: A ex-prefeita Cristiana Bulhões (MDB), que elegeu seu sucessor Eduardo Buhões (um sobrinho), também garantiu um posto para o marido na gestão, atuando diretamente na condução do município. Seu poder de decisão permanece intacto, driblando a quarentena eleitoral e assegurando sua influência na máquina pública.

🔹 Estrela de Alagoas: O prefeito Roberto Wanderley que derrotou Arlindo Garrote (PP), nomeou o sobrinho, o ex-prefeito de Cacimbinhas Hugo Wanderley como secretário de Educação, mas na cidade todos sabem que quem realmente manda na gestão é o sobrinho, inclusive ficando visível nas redes sociais essa posição.

🔹 Belém: A ex-prefeita Paula Santa Rosa, mesmo após deixar o cargo, continua exercendo forte influência sobre a atual administração. Foi nomeada secretária e seu nome surge constantemente nas decisões estratégicas da gestão, o que demonstra uma continuidade do governo anterior, sem qualquer renovação política real na gestão de Beto Torres.


Ministério Público ainda não se pronunciou

Diante de tantos casos de ex-prefeitos se mantendo no poder através de cargos estratégicos, a grande pergunta é: por que o Ministério Público ainda não se pronunciou sobre essas manobras?

A legislação eleitoral prevê a necessidade de quarentena após dois mandatos consecutivos para que gestores públicos não utilizem a máquina administrativa para se perpetuar no poder. No entanto, em vários municípios alagoanos, essa norma tem sido burlada, e o MP não tem adotado medidas para impedir esse tipo de distorção política.

A população de Rio Largo, Palmeira dos Índios, Santana do Ipanema, Estrela de Alagoas e Belém segue observando ex-prefeitos governando indiretamente e mantendo suas redes de influência sem precisar disputar novas eleições.

Enquanto isso, as cidades continuam enfrentando desafios como insegurança, falta de infraestrutura e problemas na prestação de serviços essenciais. Mas a prioridade dos ex-prefeitos parece ser apenas manter o controle do poder, com altos salários e cargos estratégicos, sem prestar contas à sociedade.


Até quando a democracia municipal será ignorada?

A burla à legislação eleitoral virou um esquema institucionalizado em várias cidades alagoanas, permitindo que ex-prefeitos se tornem “governadores paralelos” de seus sucessores.

O Ministério Público precisa agir com urgência para garantir que a democracia municipal não se transforme em um jogo de cartas marcadas, onde os mesmos grupos políticos dominam o poder sem dar espaço para novas lideranças e sem respeitar a vontade popular.

A pergunta que fica é: quantas gestões mais precisarão ser manipuladas antes que algo seja feito para impedir esse abuso?