Internacional
Múcio cumpre seu papel de apaziguador, mas falta avanço em projetos estratégicos, diz analista
Presidente Lula convence Múcio a ficar no Ministério da Defesa, adiando a decisão sobre sua substituição na pasta. Apesar do sucesso no apaziguamento das relações entre governo e Forças Armadas, Brasil precisa acelerar projetos estratégicos e definir polí
Nesta quinta-feira (30), o líder do governo no Senado Federal, Jaques Wagner (PT-BA), declarou que o ministro da Defesa, José Múcio, deve permanecer no cargo até o final de 2025. Após solicitar a Lula sua saída por motivos familiares, Múcio teria sido convencido pelo presidente a ficar na chefia da pasta, reportou o Poder 360.
Em dezembro, o ministro Múcio havia manifestado desejo de reduzir o ritmo de trabalho e ficar mais próximo da família. O presidente Lula, porém, considera Múcio peça-chave em sua estratégia de reconciliação com os militares e se movimentou para evitar a saída do ministro.
Fontes ouvidas pela Sputnik Brasil apontam que, desde a sua nomeação, Múcio teria sinalizado que sua permanência no cargo seria temporária. O objetivo de Múcio era aplacar a crise entre o governo petista e os militares. Passados dois anos, o ministro considera sua missão cumprida.
"Quando o presidente Lula nomeia o ministro Múcio, o papel inicial do ministro parece muito bem colocado: uma pessoa capaz de gerar as condições de apaziguamento e conciliação, a fim de que o governo pudesse seguir o seu curso", disse a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Graciela De Conti Pagliari. "Gerou-se, com a sua gestão, certa 'acomodação' [...] entre o governo e as Forças Armadas, ou pelo menos com os comandantes das Forças."
A professora de defesa e gestão estratégica internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Adriana Marques, concorda, e lembra que a estratégia de apaziguamento já foi adotada por Lula em seus mandatos anteriores.
"Múcio cumpriu o papel que lhe foi determinado pelo presidente da República. Lula queria alguém para pacificar a relação com as Forças Armadas e foi isso que o Múcio fez", disse Marques à Sputnik Brasil. "O processo de acomodação com as Forças Armadas segue a mesma linha dos dois primeiros mandatos de Lula, que na verdade é o padrão das relações civis-militares na Nova República."
Segundo Marques, a capacidade negociadora de Múcio "foi o que mais pesou na escolha do presidente Lula, mais do que escolher alguém que tivesse algum conhecimento prévio sobre as Forças Armadas".
Mas não é só Lula quem aprova a gestão Múcio: as Forças Armadas também estariam satisfeitas. Múcio teria atuado para que os militares não perdessem benefícios com os pacotes de cortes de gastos e levantou a bandeira da previsibilidade orçamentária.
"Ele foi um representante das Forças Armadas junto ao Executivo e ao Legislativo. Em caso de mudança de ministro, as Forças Armadas prefeririam alguém mais técnico, já que do ponto de vista político não haveria nenhuma outra figura que pudesse acomodar os seus interesses", considerou Marques.
Banco de reservas?
Após Múcio manifestar desejo de deixar o ministério, os nomes considerados para substituí-lo eram, conforme reportou o Poder 360, o do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Comércio e Indústria (MDIC), Geraldo Alckmin; o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Alexandre Padilha (PT-SP); do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); da ex-senadora Kátia Abreu e do jurista Márcio Fernando Elias Rosa, atualmente trabalhando na equipe do vice-presidente Alckmin.
Para fontes ouvidas pela Sputnik Brasil em condição de anonimato, o nome mais forte seria o do vice-presidente Alckmin. Com bom trânsito entre progressistas e conservadores, Alckmin seria capaz de manter a estratégia de apaziguamento determinada por Lula.
Todos os nomes citados indicam a intenção do governo de dar continuidade à gestão Múcio, avaliaram as fontes. O diferencial de Alckmin, no entanto, seria alinhar a pauta de reindustrialização do MDIC à retomada da indústria de defesa brasileira.
"Idealmente, uma próxima administração poderia se debruçar sobre o avanço de projetos estratégicos para as Forças Armadas, que estão alinhados aos objetivos do governo sobre a retomada do crescimento da indústria", disse o professor da UNICAMP e pesquisador da área de indústria aeroespacial e de defesa, Marcos José Barbieri Ferreira, à Sputnik Brasil.
Por outro lado, o nome de Alckmin poderia gerar resistência por parte da Cúpula das Forças Armadas, conforme reportou o jornal O Globo. Segundo o jornal, os militares não gostariam de ver um político na chefia da pasta, preferindo a nomeação de diplomatas para a Defesa.
O nome do embaixador, ex-ministro da Defesa e atual assessor especial de Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, estaria fora da lista principal. Os desgastes entre Amorim e o comandante do Exército, general Tomás Paiva, em função da compra de obuseiros israelenses, teriam retirado o diplomata da lista final de potenciais substitutos de Múcio.
Projetos estratégicos
Apesar do bom desempenho de Múcio, projetos importantes do setor de defesa brasileiro avançaram pouco durante a sua gestão. Contenciosos como a venda da empresa de defesa Avibrás tampouco foram solucionados.
"Existem elementos muito importantes que parecem não ter avançado ao longo destes dois anos [de mandato de Múcio]", disse Pagliari. "Restabelecidas as condições de governabilidade, o Planalto não tem demonstrado um direcionamento no sentido de definir elementos de política externa para a área da Defesa."
Como uma burocracia estatal, "o governo tem o dever de definir as diretrizes da política externa, a partir das quais os elementos da política de defesa devem ser condicionados", declarou a especialista.
"Por exemplo, não é possível discutir a questão orçamentária das Forças Armadas sem entender qual o seu papel no mundo neste século XXI", disse Pagliari. "Muito se falou sobre o percentual de 2% do PIB como orçamento constante para as Forças Armadas [...], mas pouco se discutiu o emprego desse orçamento, o qual deve estar relacionado com as missões atribuídas às Forças Armadas."
A decisão de Múcio de permanecer no comando do Ministério da Defesa ainda não é oficial, mas já foi amplamente divulgada na mídia nacional. De acordo com o portal Metrópoles, Múcio teria dito que "não poderá abandonar Lula em um momento tão difícil".
A manutenção de Múcio no cargo sinaliza que o principal objetivo do governo na área de Defesa continua sendo a reconstrução das relações cívico-militares, acreditam os especialistas ouvidos pela Sputnik.
"Se o presidente Lula pediu para ele ficar é porque pretende seguir a mesma linha e estratégia de acomodação com as Forças Armadas. Se houvesse expectativa de mudar o perfil do Ministério da Defesa, Lula com certeza teria aproveitado essa oportunidade", concluiu Marques.
Por Sputinik Brasil
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