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Região em disputa: por que os EUA interferem e tensões podem escalar no mar do Sul da China?

O mar do Sul da China é uma área estratégica crucial para o comércio global e rica em recursos naturais, sendo, inclusive, alvo de disputas e de uma série de reivindicações territoriais concorrentes entre vários países asiáticos e a China; além dos EUA, q

Sputinik Brasil 30/01/2025
Região em disputa: por que os EUA interferem e tensões podem escalar no mar do Sul da China?
Foto: © AP Photo / Taiwan's Ministry of Defense

"Estamos falando de uma ordem de valores de quase US$ 3,5 trilhões de dólares do comércio marítimo passando ali, de um total de US$ 16 trilhões de dólares do comércio marítimo global. Isso já torna a região muito significativa em termos econômicos e comerciais", explica Emiliano Unzer, professor titular de história da Ásia na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em entrevista ao mundioka, podcast da Sputnik Brasil.

Além disso, a área é dona de riquezas energéticas como petróleo e gás. Estima-se, segundo Alexandre Coelho, professor de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Politica de São Paulo (FESPSP), citando agências de informação energética, que o mar do Sul da China "possui em torno de 5,38 trilhões de metros cúbicos de gás natural e 11 bilhões de barris de petróleo".

Importância estratégica torna o mar palco de tensões e disputas geopolíticas

Por um lado, Pequim reivindica a área baseada em sua história. De acordo com Coelho, também ouvido pelo Mundioka, o gigante asiático ressalta até que "as pescas e a exploração dessa região é histórica e, por isso, aquela pesca da região seria da China ou pertencente à China".

Já por outro lado, há, desde 2016, uma decisão do Tribunal de Haia, que estabelece que essas reivindicações históricas da China não têm base legal diante da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

"Você tem aí um conflito entre reivindicações históricas por parte da China. É com base nisso que ela chega avançando pelas zonas econômicas especiais das Filipinas, da Malásia, do Vietnã, construindo instalações militares e ilhas artificiais, com base na linha dos nove traços, reivindicada por Pequim", explica o professor da FESPSP.

O avanço chinês pelo mar — inclusive nomeado por Pequim como mar da China Meridional — se dá, também, através da militarização de atóis, recifes e pequenas ilhas pela região. Para Unzer, a expansão pode ser considerada um exercício de soberania.

"Ela [China] está buscando resguardar um canal crucial de passagem para muitos dos seus navios e também para ter um controle sobre a passagem em segurança, da passagem sobre essa parte meridional marítima da China", analisa.

Entre as tensões com os vizinhos, Unzer pontua que as ilhas Paracel, na costa de Hainan, entre China e Vietnã, estão em bons termos negociados pelos governos de ambos os países, ou seja, não há uma situação crítica.

"Não há nenhuma grande disputa, desentendimento entre as autoridades de Hanoi e Pequim sobre a questão de Paracel", destaca.

Como os EUA podem interferir no assunto?

A situação muda de figura quando as relações chinesas passam a ser com as Filipinas, que, desde a eleição de Ferdinand Marcos Jr., que tem dado uma abertura maior que seu antecessor Rodrigo Duterte aos EUA, deixando a China em segundo plano, causa um mal-estar entre os países asiáticos. Filipinas e EUA têm um tratado de defesa mútua desde 1951.

"A parte mais problemática é o conjunto de ilhas, as ilhas Spratly. Ela alcança desde regiões bem próximas da ilha filipina de Palawan, que está dentro das 200 milhas náuticas que consideram isso como água territorial das Filipinas, alcança até algumas ilhas mais próximas da Malásia, que não tem grande contestação, até mesmo de Brunei", contextualiza o especialista.

Under atenta, ainda, que, além de um governo filipino mais alinhado aos EUA, o governo chinês, com a mudança do ministro da Defesa que aconteceu no ano passado, pode voltar suas preocupações para o mar da China Meridional, uma vez que o novo comandante da pasta, Dong Jun, é um ex-oficial da Marinha.

Apesar das disputas iminentes, os analistas não acreditam em uma escalada de conflitos na região, o que traria prejuízos enormes para a economia mundial.

"Acredito que o [presidente norte-americano, Donald] Trump possa tentar acordos aí entre China e Filipinas, por exemplo, e tentar esfriar um pouco as retóricas de conflito que a gente está vendo na região", analisa Coelho.

Na mesma linha, Under considera que Trump é um homem de negócios e não vai buscar conflitos na região.

"Eu acho que é muito difícil. Não interessa à China, não interessa em nada às Filipinas — que é a parte ainda mais vulnerável — e não interessa aos Estados Unidos da América", pontua.

Para efeito de comparação, dada a devida importância estratégica já ressaltada em relação à área, sobretudo para Pequim — bilhões de barris de petróleo, recursos naturais e escoamento para o comércio internacional —, que reforça a segurança na região, Under cita uma eventual presença militar chinesa na costa norte-americana e como os EUA reagiriam a isso.

"Não é simplesmente 'a China está tomando conta e os americanos estão tentando defender a região argumentando mares livres de navegação'. Vamos tentar imaginar o seguinte: se a China tivesse um aliado muito próximo no mar do Caribe, que fosse, digamos, Porto Rico, e tem um acordo militar com Porto Rico e decide nas regiões do mar do Caribe colocar várias bases, frotas navais — como a sétima frota naval americana está ali no Pacífico, teria um monte da Marinha chinesa naquela região", reflete Under.

Nesse sentido, ele questiona se a postura norte-americana não seria semelhante à chinesa no mar do Sul da China em relação à defesa da soberania.

"Claro que os Estados Unidos vão falar assim: não, é questão de vitalidade nossa a saída para o Caribe. É isso que está acontecendo na região do Pacífico. Os chineses estão buscando o espaço deles de soberania para a própria sobrevivência econômica e é claro que isso vai muito além das questões da legalidade de decisões da corte de Haia, que tentam reger algumas coisas na ordem internacional", finaliza.