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CIMI: Povo Xukuru Kariri segue à espera de homologação da TI enquanto pressão aumenta

Acidente doméstico de Lula, no final de 2024, barrou a homologação dada como certa. Após a recuperação do presidente, providência administrativa segue emperrada

ASCOM CIMI 29/01/2025
CIMI: Povo Xukuru Kariri segue à espera de homologação da TI enquanto pressão aumenta
A visita da ministra aos Xukuru Kariri teve como objetivo prestar esclarecimentos sobre a razão da Terra Indígena ainda não ter sido homologada. - Foto: Daniela Oliveira da Silva/Cimi Regional Nordeste

O que falta para o presidente Lula homologar a Terra Indígena (TI) Xukuru Kariri? Vontade política, aponta Gecinaldo Xukuru Kariri. A opinião do indígena, na verdade, é consenso entre o povo, que se encontra pressionado pelos ocupantes não indígenas da TI localizada em Palmeira dos Índios (AL). Com a homologação, o próximo passo será a retirada desses invasores para o usufruto exclusivo da TI pelos Xukuru Kariri.

Havia a expectativa de que em dezembro ocorresse a assinatura e publicação da homologação pelo presidente Lula. Os Xukuru Kariri chegaram a se deslocar para Brasília, mas o presidente precisou ser internado às pressas para drenar um hematoma na cabeça, que surgiu em decorrência de um acidente doméstico ocorrido meses antes, em outubro, quando Lula sofreu uma queda no Palácio do Planalto.

Lula recebeu alta ainda em dezembro, 2025 chegou, janeiro se encaminha para o fim e a TI ainda não recebeu a providência administrativa. A homologação segue adiada e a espera do povo renovada. De Maninha Xukuru (na foto), e antes, ainda com o pai de Maninha, seu Antônio Celestino, passando por Quitéria Celestino, os pajés Miguel Celestino e Damião, o cacique Cícero França, Raquel Xukuru Kariri, irmão de Maninha, Gecivaldo Xukuru Kariri e o cacique Luzanel Ricardo, o povo Xukuru Kariri vem desde a primeira metade do século XX lutando pelo território tradicional.

Enquanto isso, um ambiente hostil ao povo segue agitado em Palmeira dos Índios. São vídeos espalhados pelas redes sociais, recados a lideranças, ataques aos indígenas em programas de rádio e políticos inflamam suas bases contra o direito constitucional dos Xukuru Kariri.

Um cenário permeado por racismo e ódio tendo a desinformação como combustível. “Os fazendeiros e políticos montaram uma rede de fake news para disseminar o ódio contra o nosso povo via rádio e whatsapp. As autoridades precisam se manter atentas a casos de violência”, alerta Gecinaldo Xukuru Kariri. O material vem sendo encaminhado pelo povo ao Ministério Público Federal (MPF) e à Defensoria Pública da União (DPU).

Os detratores do povo Xukuru Kariri ora dizem que 500 famílias de pequenos agricultores serão afetadas, ora dizem que são 2000. Alegam ainda que a homologação acabará com a economia de Palmeira dos Índios e que as famílias não terão para onde ir. Políticos organizam reuniões para repassar informações falsas de que se a homologação sair, as famílias irão para a rua sem direito algum.

São cerca de 460 ocupantes não indígenas instalados em mais da metade da TI, conforme o último levantamento fundiário da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O levantamento do órgão indigenista tem como finalidade entender qual o perfil desses ocupantes para encaminhar indenizações e reassentamento, no caso dos pequenos produtores, conforme a legislação brasileira.

Maninha Xukuru Kariri ao lado de Xikão Xukuru (sentado) em audiência com Miguel Arraes, então governador de Pernambuco (1995-1998) — Arquivo/Cimi.

Lira e a conciliação

Dois fatores inflamam a turba anti-indígena local neste momento: o poder político reunido pelo deputado Arthur Lira (PP/AL), presidente da Câmara Federal, e a Câmara de Conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), aberta pelo ministro Gilmar Mendes, relator de ações diretas de constitucionalidade e inconstitucionalidade da Lei 14701/23, a Lei do Marco Temporal.

Tanto Lira quanto a Câmara de Conciliação, entendem os Xukuru Kariri, têm sido obstáculos à homologação. O presidente da Câmara Federal atende aliados locais ao colocar o procedimento demarcatório como barganha nas negociações com o Palácio do Planalto; na Câmara de Conciliação, em outubro, o próprio ministro Gilmar Mendes citou a TI Xukuru Kariri como exemplo de demarcação habilitada a questionamentos.

Em maio do ano passado, a ministra Sônia Guajajara visitou a TI após delegação do povo Xukuru Kariri voltar frustrada de uma reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), em Brasília, quando Lula homologou duas terras indígenas e surpreendeu o movimento indígena ao não incluir uma quantidade maior (se esperava ao menos seis homologações), entre elas a TI Xukuru Kariri.

Aos Xukuru Kariri, disse a ministra: “a gente acredita que é só uma assinatura, mas percebemos que existem muitas outras forças contrárias impedindo de fazer (o procedimento demarcatório) avançar”. As “forças contrárias” mencionadas pela ministra estão aninhadas hoje no gabinete da Presidência da Câmara Federal e contam com o apoio de integrantes importantes do governo, caso do próprio ministro da Casa Civil, Rui Costa.

Desde o Acampamento Terra Livre (ATL) do ano passado, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) critica o ministro. “Já estamos no segundo ano de governo, e as suas promessas sobre demarcações continuam pendentes. Rui Costa, ministro Chefe da Casa Civil, segue ‘mandando’ sobre as homologações de Terras Indígenas e não podemos admitir esta situação”, diz trecho da Carta dos Povos Indígenas do Brasil aos Três Poderes do Estado, de 22 de abril de 2024.

Local já conta com piscinas e outras estruturas. Obras avançaram mesmo com avisos de irregularidades. Foto: Divulgação/Povo Xukuru Kariri

Espera gera mais invasões

A espera dos Xukuru Kariri é longa. Em 1988, a Funai levou a campo o primeiro Grupo de Trabalho (GT) para a identificação e delimitação do território tradicional. Os primeiros estudos definiram a TI com 38 mil hectares. Ocorreram ainda duas reduções: para 26 mil e depois para 18 mil hectares, Em 2006, um novo GT a reduziu para 7 mil hectares, que se manteve na publicação da Portaria Declaratória em 14 de dezembro de 2010.

“Desses 7 mil hectares, o povo Xukuru Kariri ocupa apenas 1.500 mil. A cada dia que passa o território é mais invadido. Após o golpe, em 2016 (o indígena se refere ao impeachment da presidente Dilma Rousseff), houve um aumento de invasões de 40% a 60%”, explica Gecinaldo Xukuru Kariri. A construção de um Parque Aquático na TI é um exemplo citado pelo indígena.

A Prefeitura de Palmeira dos Índios, a quarta maior cidade de Alagoas, cedeu de forma ilegal parte da Terra Indígena do povo para a construção de um Parque Aquático, além de um segundo empreendimento em estágio não tão avançado. De acordo com a Coordenação Regional da Funai, a Prefeitura havia sido comunicada pelas autoridades públicas federais de que não poderia seguir adiante com o projeto.

Os avisos, feitos em mais de uma ocasião, foram ignorados pelo Poder Público municipal. Os Xukuru Kariri constataram que as obras não pararam. À imprensa local, Mano Tanawy Xukuru Kariri disse que as obras seguem avançando, mesmo com decisão contrária da Justiça Federal: “É mais um jogo político para efetivação do marco temporal. Entramos com ação junto à Funai, movimento indígena, MPF, DPU para proibir que a obra fosse iniciada. Mesmo com decisões judiciais, as obras não pararam”, disse.

Com a homologação, o governo federal poderá seguir com a próxima etapa, a desintrusão da TI. O governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB), declarou apoio aos indígenas, mas mesmo assim a homologação segue travada. “Por isso é urgente a homologação do território. São interesses que batem direto em Brasília. Encerrar a insegurança jurídica permissiva à presença dos invasores e ao ambiente de ódio disseminado contra o nosso povo aqui em Palmeira (dos Índios)”, diz Gecinaldo.

Para o indígena, a homologação do território está para além de uma dívida histórica, mas, sobretudo, uma obrigação administrativa da Presidência. “Se o Lula não homologar, a depender do que ocorra nas eleições de 2026, pode ser que tenhamos mais não sei quantos anos sem a homologação, sem a retirada dos não indígenas e nosso território seguirá sendo invadido”, conclui.