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Meu amigo benevides

Carlito Peixoto Lima 19/01/2025
Meu amigo benevides
Carlito Peixoto - Foto: Assessoria

Eu estava na ativa do Exército, servia no 20º Batalhão de Caçadores em Maceió, quando conheci o então soldado Benevides. Baixinho, magro, risonho. Nos tornarmos amigos, ele é do tipo afável, comunicativo, tem prazer em servir aos outros. Num português mais claro, Bené era o maior puxa-saco do quartel. Sabia chaleirar com dignidade.


Ao dar baixa do Exército, pediu-me para arranjar-lhe um emprego. Benevides além de discreto era bom de serviço, cuidadoso motorista.


Certa noite, em uma bela festa de casamento, eu participava de uma roda de uísque entre alguns abastados das Alagoas, quando João Moraes, um conhecido empresário, reclamou a falta de um bom motorista, discreto no trabalho. Aproveitei a ocasião, indiquei o jovem Benevides como confiável motorista, cargo que exerce até hoje com discrição e fidelidade canina.


João Moraes, homem de doces negócios açucareiros, gosta também da cana, de uma aguardente. Para ele nada melhor que um bom uísque acompanhado por belas mulheres. Naquela época ele tinha um time de deixar essas meninas da televisão no chinelo. Bom financista, João fez alguns cálculos, chegou à conclusão que alugar uma casa junto com dois amigos, num local discreto só para receber suas amigas íntimas, saía mais barato, era mais seguro que motel.


Alugaram uma casa, com varandas internas, dando para uma piscina no centro. A casa havia pertencido a um senador das Alagoas, a partir daí ficou conhecida como Casa do Senador. A localização era discreta e maravilhosa, no alto de Ipioca, com uma bonita vista para o mar.


Em algumas sextas-feiras havia “repiau” na Casa do Senador. Os convidados só podiam aparecer com uma garrafa de uísque na mão e uma namorada no braço, para evitar tentação de paquerar mulher alheia. A boa comida era por conta de uma cozinheira baiana contratada pelo empresário, vidrado em caruru, vatapá e acarajé. Foram farras memoráveis, coisa cara, restrita a João Moraes e poucos amigos, a fina flor da burguesia alagoana.


Benevides adaptou-se ao sistema de vida da empresa, muito trabalho, quase sem folga. Quando havia “repiau”, logo cedo, levava Janice, a cozinheira, ao mercado para compra dos ingredientes do Caruru. Fazia seu serviço normal; a partir das 15 horas preparava a Casa do Senador nos mínimos detalhes, gelo, bebida, copos limpos, toalhas nas suítes. Tudo supervisionado por ele. Um mordomo perfeito, servia de garçom na hora precisa. Geralmente as farras terminavam por volta das 22 horas. O patrão e amigos depois da brincadeira retornavam às suas casas. O mordomo ficava para limpar, ajeitar a casa, e distribuía cada menina em sua residência, outras em bares ou ponto de encontros continuando a noitada.


Bené frequentemente me visita. Eu puxo para ele soltar algumas histórias da casa do Senador. Contou-me casos de farras homéricas, me deixando com inveja.


Certa vez, Benevides convidou-me para ser padrinho de seu casamento. Com muita honra entrei na Igreja para ver meu amigo dar o sim à Madalena, bela moça glutona, com 25 anos já havia adquirido 78 quilos. O dócil Bené se encantou com a beleza e brabeza de sua Madá. Já têm 3 filhos, a alegria da casa administrada pela controladora matriarca.


Certo dia meu amigo apareceu-me com um galo na cabeça, um olho roxo. Perguntei se foi um acidente. Ele olhou para os dois lados, certificando que estávamos sós, contou-me o ocorrido, quase cochichando.


- Meu Capitão, sexta-feira passada houve maior farra na Casa do Senador, acabou-se às três da manhã. Como sempre, fui distribuir as raparigas no final de festa. Uma delas trocou a calcinha no carro para continuar a noite, esqueceu, deixou a calcinha usada no banco traseiro. No sábado acordei-me tarde com um tapa na cara da mão forte de Madalena. Ciumenta, braba feito um siri em lata, me dava porrada gritando.


- Sem-vergonha achei uma calcinha no carro, você é um cabra safado, ainda pega o carro do patrão para farrear.


- Apanhei como a peste, mas não disse a verdade, não podia contar o que se passa às sextas-feiras na Casa do Senador, o segredo do patrão.


Assim é meu amigo Benevides, discreto, servil e leal. Qualidades de poucos homens.