Internacional

Análise: acordo entre Rússia e Irã mostra que 'uma nova arquitetura global está sendo criada'

O tratado de Parceria Estratégica Abrangente entre a Rússia e o Irã anunciado ontem (17) é um exemplo de progresso em direção à uma globalidade multipolar que equilibra as relações de poder no Oriente Médio, observam especialistas ouvidos pela Sputnik.

18/01/2025
Análise: acordo entre Rússia e Irã mostra que 'uma nova arquitetura global está sendo criada'
Foto: © Sputnik / Kristina Kormilitsyna / Acessar o banco de imagens
"Essa reaproximação entre os líderes russos e iranianos pode fornecer um contrapeso às maneiras pelas quais a unipolaridade continua tentando se restabelecer", disse Imelda Ibáñez, especialista em política externa e história diplomática da Rússia na Universidade Estadual de São Petersburgo.

O acordo, anunciado após uma reunião em Moscou entre o presidente russo Vladimir Putin e o presidente iraniano Masud Pezeshkian, estabelece metas e referências ambiciosas para aprofundar a cooperação bilateral de longo prazo em política, segurança, comércio, investimento e assuntos humanitários.

O tratado foi firmado três dias antes de Donald Trump assumir a presidência dos EUA e em um momento em que um acordo de cessar-fogo foi alcançado na Faixa de Gaza.

Elemento dissuasivo

Ibáñez acredita que ainda é cedo para avaliar a política externa do próximo presidente dos Estados Unidos em relação ao "desequilíbrio" do Oriente Médio.

De qualquer forma, ela ressalta que o novo acordo entre Moscou e Teerã visa justamente equilibrar a ambição de influência americana caso Washington decida fazer algo contra o Irã.

Eduardo Rosales, especialista em relações internacionais da UNAM, observa que o acordo faz parte de um conflito geopolítico entre Estados Unidos, China e Rússia, já que o Irã "faz parte da esfera de influência da zona periférica da Rússia", enquanto "Israel é apenas mais um estado dos Estados Unidos".

"Isso faz parte da luta geopolítica em que a relação entre os Estados Unidos e Israel está se tornando cada vez mais clara e, consequentemente, a relação entre a Rússia e o Irã se torna cada vez mais próxima", disse o analista.

Segundo o especialista, não se deve esquecer que o Irã se juntou recentemente ao BRICS, o que "obviamente" fortaleceu Teerã em um contexto de tensões com Washington e Tel Aviv.

Ainda conforme Rosales, o tratado russo-iraniano envia uma mensagem aos Estados Unidos justamente para desencorajar e dissuadir Washington de tentar qualquer incursão armada contra o Irã.

"A mensagem é: 'vamos respeitar uns aos outros, eu vou marcar meu território aqui, minha influência, vou marcar meus aliados, assim como vocês marcarão os seus.' É uma mensagem para pessoas como Marco Rubio, assim como o próximo secretário de Defesa dos Estados Unidos. Unidos", disse.

Para o professor César Soto Morales, pesquisador de relações internacionais da UNAM, a presença de Moscou na região do Oriente Médio sai fortalecida pelo acordo e é gerado um contrapeso que dará maior estabilidade para uma área caracterizada por conflitos de longa data.

Acordo traz equilíbrio para questão nuclear

Segundo especialistas ouvidos pela Sputnik, a cooperação nuclear entre as duas nações também proporciona um melhor equilíbrio entre as potências mundiais.

"É preciso levar em conta que Israel tem entre 200 e 400 armas nucleares e não permitiu e não permitirá que a Agência Internacional de Energia Atômica verifique suas instalações nucleares, que aparentemente são clandestinas", afirmou Rosales Herrera.

"Isso cria um profundo desequilíbrio na região, e é por isso que a Rússia apoia o Irã — que também está sujeito a sanções e bloqueios do Ocidente — para que ele possa continuar com seu projeto nuclear", acrescentou.

Para Soto, o acordo é uma medida para impedir que potências ocidentais continuem a assediar o Irã.

"Toda vez que a Rússia assina um tratado com um país do Oriente Médio, neste caso o Irã, ela impede a interferência de potências ocidentais na região", explica.

"A cooperação internacional e o multilateralismo estão sendo fortalecidos, e o unipolarismo dos Estados Unidos está sendo gradualmente minado", acrescentou o internacionalista.

O acordo prevê a construção de duas novas unidades da usina nuclear de Bushehr, que, segundo o presidente Putin, contribuirão "significativamente" para o fortalecimento da segurança energética do Irã.

Atualmente, o Irã tem uma usina nuclear em operação, a usina nuclear de Bushehr. Sua primeira unidade, concluída com assistência russa, foi conectada ao sistema nacional de energia em setembro de 2011. A construção do segundo reator começou no outono de 2019, e um contrato também foi assinado para a construção de um terceiro.

David García Contreras, internacionalista da UNAM, diz que embora o objetivo do programa nuclear iraniano seja a geração de energia elétrica, há também um elemento de dissuasão.

Uma nova arquitetura global

Os especialistas enfatizaram que a parceria estratégica entre Moscou e Teerã representa um passo à frente no processo em direção à uma globalidade multipolar e um golpe na hegemonia dos Estados Unidos.

"Esta política, não só da Rússia, mas também dos seus aliados, dos BRICS e da China, vem transformando gradualmente a ordem internacional que surgiu após a Segunda Guerra Mundial; está praticamente sendo criada uma nova arquitetura global, algo novo, mas as mudanças não são vistas tão rapidamente", afirmou Soto.

Segundo ele, o acordo com o Irã faz parte da política externa da Rússia, que estreita laços para proteger seu interesse nacional e continuar como um dos centros influentes do mundo nessa criação de uma ordem mundial mais justa, onde não haja uma potência hegemônica que dita o que deve ser feito no mundo.

"O acordo é um passo em direção ao objetivo do multilateralismo em oposição ao modelo unipolar, que era liderado pelos Estados Unidos", explica Soto.

García Contreras acrescenta, ainda, que "este acordo mostra o progresso no fortalecimento dos laços entre dois atores importantes fora do Ocidente: uma superpotência, a Rússia, e uma potência média, o Irã. A mensagem é clara: o crescimento do multilateralismo".

Por Sputinik Brasil