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Análise: Israel maculou imagem da diáspora judaica com genocídio em Gaza

As imagens produzidas do conflito na Faixa de Gaza, muitas vezes feitas pelos próprios soldados das Forças de Defesa de Israel (FDI), impactaram a opinião pública mundial não só dos militares israelenses ou dos cidadãos da nação hebraica, mas todos os jud

16/01/2025
Análise: Israel maculou imagem da diáspora judaica com genocídio em Gaza
Foto: © AP Photo / Sebastian Scheiner

Em 7 de outubro de 2023, militantes das Brigadas Al-Qassam, braço armado do movimento palestino Hamas, lançaram um ataque contra os arredores da Faixa de Gaza, enclave palestino murado e vigiado por Israel.

Denominada de Operação Dilúvio de Al-aqsa, a incursão militar ceifou a vida de 1.200 israelenses. Outras 251 pessoas foram capturadas e levadas de volta para dentro do pequeno território palestino.

As imagens do ataque incendiaram paixões ao redor do mundo e, em Israel, precipitaram uma dura resposta do governo. No mesmo dia, as Forças de Defesa de Israel iniciaram a Operação Espadas de Ferro com uma campanha de bombardeios contra o enclave.

Ao todo, foram mais de 70 mil toneladas de bombas disparadas contra o enclave de 365 km² — cerca de um terço do tamanho da cidade do Rio de Janeiro (1.200 km²) —, segundo apontam estimativas. Ademais, imagens de satélite apontam que 62% dos prédios foram atingidos ou completamente destruídos.

Paralelamente, Israel iniciou operações terrestres em13 de outubro e uma invasão em larga escala no dia 27.

Se no primeiro sábado de outubro de 2023 as imagens de militantes palestinos armados chocaram o mundo, nos dias que se seguiram foi a vez das notícias da brutalidade israelense tomar o lugar nas manchetes.

Nove dias após o início de sua retaliação, a Força Aérea Israelense bombardeou o Hospital Batista al-Ahli, o maior da Faixa de Gaza, matando centenas de pessoas. Desde então, o ataque direcionado à hospitais, escolas e campos de refugiados se tornou manchete comum e Israel parou de negar sua autoria.

"As imagens da destruição de hospitais, escolas que, atualmente, servem de campos de refugiados, causam muita comoção", diz Luciana Garcia de Oliveira, mestre no Programa de Estudos Judaicos e Árabes do Departamento de Letras Orientais da Universidade São Paulo, à Sputnik Brasil.

Segundo a especialista, a exposição midiática sobre o que acontece não só na Faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia, gerida pelo Fatah através da entidade governamental Autoridade Palestina, afeta o modo como Israel é visto.

"Não apenas os soldados israelenses, mas a sociedade israelense e os judeus da diáspora são associados ao que é classificado hoje como genocídio pela Anistia Internacional."

Os próprios soldados filmam seus crimes

A rede midiática catari Al-Jazeera lançou em outubro de 2024 um documentário longa-metragem sobre os crimes de guerra cometidos por Israel. O material é composto inteiramente com filmagens produzidas pelos próprios soldados das Forças de Defesa de Israel durante sua ocupação da Faixa de Gaza.

No Brasil, o caso de Yuval Vagdani chamou atenção para esse fato. Vagdani, que veio passar as férias na cidade de Morro de São Paulo (BA), foi denunciado à Justiça brasileira pela advogada Maíra Pinheiro em nome da Fundação Hind Rajab, que cataloga as atividades desses soldados nas redes sociais e tenta processá-los quando vão para o estrangeiro.

O Judiciário brasileiro abriu um inquérito contra o militar israelense, mas Vagdani fugiu do país com ajuda da embaixada israelense. Por conta disso, o caso foi arquivado pela Polícia Federal.

Shajar Goldwaser, pesquisador e membro do coletivo Vozes Judaicas por Libertação, destaca que o fato desses soldados estarem filmando abertamente suas atrocidades revela que "eles não se sentem, de certa maneira, fazendo algo errado ou cometendo qualquer tipo de crime".

E essa produção midiática, acrescenta o pesquisador, causa uma "sensação de desprezo" ao redor do mundo. "A mesma coisa aconteceu com aquele caso, quando os soldados americanos filmaram as torturas que eles cometiam em Guantánamo."

'Deturpou o que é antissemitismo'

A indignação popular com as imagens do genocídio em Gaza acenderam um grande debate público sobre a forma que o conflito é noticiado pela mídia.

Em outubro, o colunista da publicação britânica The Guardian, Howard Jacobson, alertou que o foco midiático nas imagens de crianças palestinas mortas ecoam mitos antissemitas centenários como o de que crianças eram utilizadas em sacrifícios de sangue, algo extremamente proibido na Torá, livro sagrado do judaísmo.

As imagens da Faixa de Gaza e das incursões violentas na Cisjordânia "geram muita revolta e proposições generalizantes", nota Luciana Oliveira, o que acarretou na "vandalização de sinagogas e de centros culturais judaicos, ofensas verbais e até agressões físicas" e relacionam Israel e o sionismo ao nazismo.

Para a especialista em estudos árabes e judaicos, o fortalecimento do antissemitismo "é fruto de desinformação sobre a guerra e o conflito Israel-Palestina".

Contudo, Goldwaser, do coletivo Vozes Judaicas por Libertação, afirma que o responsável por essa confusão é "o próprio Estado de Israel que nomeia toda e qualquer crítica a Israel como antissemitismo, e associa os símbolos judaicos à sua bandeira e às suas ações de limpeza étnica e genocídio."

"Israel conseguiu deturpar o que se entende por antissemitismo. Até que ponto ele acontece, até que ponto ele não acontece e como combatê-lo."

A ascensão da extrema-direita

De acordo com o pesquisador, para se recuperar o conceito de antissemitismo é necessário removê-lo da discussão em torno do conflito na Faixa de Gaza. "Porque quem é a vítima desse genocídio é o povo palestino, e não os judeus."

"A grande maioria dos judeus", lembra Goldwaser, "não vive em Israel, há mais judeus fora do Israel do que em Israel. E esses judeus, a priori, não deveriam ser automaticamente responsabilizados pelos crimes que Israel comete."

Oliveira, por sua vez, afirma que até mesmo de Israel a situação não é tão preta no branco como se aparenta. Na nação hebraica cresceu a aderência de grupos de aproximação e diálogo entre os dois povos, "como é o caso do Standing Together".

"Manifestações de rua contra as ações de governo, por um cessar-fogo e pela libertação de civis têm sido cada vez mais numerosas no centro de Tel Aviv", diz a pesquisadora.

À Sputnik Brasil ambos os analistas enfatizam que a extrema-direita israelense é a parcela da população mais vocal pela continuidade do genocídio palestino.

Representada no governo por ministros como Itamar Ben-Gvir, da Segurança Nacional, e Bezazel Smotrich, das Finanças, o setor ultranacionalista hoje ameaça uma cisão da coalizão governamental do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu caso o acordo de cessar-fogo seja aprovado.

Diferente de ser um fenômeno típico de Israel, Luciana Oliveira argumenta que essas ideias se fazem presentes no Brasil, principalmente em partidos e movimentos ligados ao bolsonarismo, como igrejas neopentecostais, que "coadunam com as ideias míticas da 'Terra de Israel', sem espaço de existência de palestinos".

"Cabe lembrar que Israel se insere dentro de um contexto mundial de ascensão de extrema-direita", diz Goldwaser.

"E quando se pergunta quão populares são essas visões em Israel, devemos nos voltar para nosso país e pensar quão populares foram as falas homofóbicas, racistas e sexistas nos quatro anos de governo Bolsonaro, e quanto a sociedade brasileira se calou ou não conseguiu agir para enfrentá-las."

Por Sputinik Brasil