Internacional
Por que é importante o Brasil ter boas relações com a Venezuela?
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tomou posse nesta sexta-feira (10) para o seu terceiro mandato consecutivo no país. À Sputnik Brasil, especialistas detalham a importância do Brasil manter boas relações com o vizinho ao norte.
Embora tenha havido um distanciamento entre Brasília e Caracas, a relação entre ambos, historicamente, é de cooperação mútua. Os dois Estados, inclusive, já estiveram lado a lado no Mercosul, até a Venezuela ter sido suspensa em 2017.
O reencontro entre as partes era esperado, sobretudo pelo posicionamento ideológico do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, conforme conta à Sputnik Brasil o cientista político, pesquisador e assessor venezuelano Luis Javier Ruiz.
Entretanto, neste momento, o analista acredita que "a pressão interna dos aliados internos de Lula é o que está impedindo uma abordagem mais franca, mais direta, em relação à situação na Venezuela".
Apesar do impasse, as diplomacias da Venezuela e do Brasil, naturalmente sempre tiveram boas relações. Ruiz ressalta que esta é a tradição histórica entre os dois países e que isso deve ser levado em conta.
Brasil e Venezuela: países podem ter relação de 'ganha-ganha'?
"Ambos os países podem ganhar muito, não apenas o Brasil. A Venezuela também pode ganhar muito com esse bom relacionamento com o Brasil. Por exemplo, o aumento evidente intercâmbio de bens e serviços que beneficiam economicamente ambos os países", diz Ruiz.
O analista ressalta que forte potencial para o intercâmbio comercial bilateral na Venezuela em setores como agricultura, pecuária, na indústria aeronáutica, assim como em temas relacionados ao combate do garimpo ilegal e proteção da Amazônia.
Por sua vez, a colaboração no setor energético, "especialmente porque a Venezuela tem a maior reserva de petróleo do planeta e também tem uma indústria de gás em desenvolvimento", pode ser muita aproveitada pelo Brasil.
Além das relações comerciais, os ganhos podem ser considerados no âmbito político. Um diálogo mais estreito com Caracas, por exemplo, daria ao Brasil fôlego para retomar o processo de integração latino-americana, segundo Eden Pereira, professor de história e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a África, Ásia e as Relações Sul-Sul (NIEAAS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nesse meandro, a integração dos países da América do Sul, pauta constante na agenda do presidente Lula, poderia se beneficiar da aproximação da Venezuela, uma vez que ambos são favoráveis ao fortalecimento da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).
"A Venezuela é e sempre foi defensora da UNASUL, assim como o Brasil. A reativação da UNASUL estabeleceria, portanto, os primeiros passos para restaurar a estabilidade regional em termos de integração e uma agenda comum de problemas a serem resolvidos por todos os países", destaca Ruiz.
Brasil e a abertura ao Caribe
A localização geoestratégica e o bom histórico de relações entre Venezuela e os países do Caribe poderiam ajudar o Brasil a atingir o mercado naquela região, notam os analistas.
A Venezuela, por exemplo, fundou o programa Petrocaribe, que fornece barris de petróleo a baixo custo para os países caribenhos poderem ter acesso à energia elétrica.
"Nesse sentido, o Brasil com seu potencial de desenvolvimento energético também poderia ter um mercado assegurado e não só no setor energético, no setor de bens e serviços, no setor aeronáutico, insisto, o Brasil tem um grande desenvolvimento da indústria aeronáutica e claro que isso permitiria impactar o turismo nos países do Caribe", avalia Ruiz.
Do ponto de vista político, a Venezuela poderia ajudar em aproximações importantes, devido ao histórico ruim do Brasil com os países caribenhos.
"As duas vezes as quais o Brasil teve uma inserção mais direta no Caribe foi por meio de duas intervenções militares. Uma aconteceu nos anos 60, durante a ditadura, quando o Brasil realizou uma intervenção militar apoiada pelos Estados Unidos na República Dominicana. A outra intervenção foi a que fizemos recentemente no Haiti. Essa muito mais lembrada, que aconteceu a partir do ano de 2004. Ambas trouxeram traumas e graves feitos", diz Pereira.
A Venezuela, portanto, desempenharia um papel-chave para o início de "um novo momento histórico nas relações do Brasil com os países caribenhos", completa o professor.
Cooperação energética entre a Venezuela e o Norte do Brasil
A compra de energia para a região Norte por parte Brasil da Venezuela faz parte do quadro histórico das relações comerciais entre os países. Embora o negócio tenha sido cindido em 2019 pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2023, o presidente Lula assinou um decreto autorizando o Brasil a comprar energia elétrica da Venezuela.
O negócio garante ao Brasil que gaste menos e polua menos para a geração de energia elétrica em Roraima, por exemplo, único Estado brasileiro que não é ligado ao Sistema Interligado Nacional (SIN), tendo como suprimento energético usinas termelétricas a óleo diesel, que são mais caras e mais poluentes.
Para além do já estabelecido, Ruiz sugere avanços que poderiam acontecer nas relações entre os países.
"Poderíamos também desenvolver a indústria do gás no futuro e estabelecer um gasoduto para o norte do Brasil para a Venezuela vender gás natural para todas as grandes cidades do norte do Brasil", sugere.
Pelo potencial petrolífero venezuelano, o cientista político alvitra, ainda, a possibilidade de Brasília formar joint ventures com Caracas para desenvolver e explorar as grandes reservas de petróleo da Venezuela e exportá-las para o mundo.
"Esse mundo em que Venezuela e Brasil pudessem exportar questões energéticas seria o grande mercado do BRICS", grupo este que, segundo o analista, "será o maior mercado mundial de demanda energética no futuro". Os vizinhos sul-americanos, portanto, poderiam se aproveitar desse fator.
Além disso, segundo Pereira, o potencial energético da Venezuela pode ter grandes contribuições para o desenvolvimento do norte do Brasil, não só em termos de abastecimento de energia elétrica, "mas sobretudo na crescente demanda de digitalização das atividades produtivas e de uma série de serviços públicos e sociais locais na região norte".
O que mostra o cenário atual?
Convidado para a posse de Maduro nesta sexta-feira, o presidente Lula, impedido de realizar viagens por recomendação médica em decorrência de um trauma na cabeça após um acidente doméstico, enviou a embaixadora do Brasil em Caracas, Glivânia de Oliveira, para representar o governo.
Apesar da ausência de membros diretos do alto escalão de Brasília, movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), se programaram para enviar representantes a Caracas — entre eles, um dos seus fundadores, João Pedro Stédile.
O Partido dos Trabalhadores (PT) também enviou representante. Camila Moreno, integrante da direção executiva nacional da legenda, esteve na posse.
Para Ruiz, não obstante motivos não faltem para que Brasília e Caracas tenham proximidade, o governo do presidente Lula aparenta "cuidar de si mesmo internamente, do que alguém que pensa sobre si mesmo no cenário internacional".
"Lula não venceu as eleições com grande vantagem sobre Bolsonaro. Ou seja, as alianças que Lula construiu para retornar ao poder são alianças muito frágeis e, portanto, ele deve cuidar delas para evitar, por exemplo, julgamentos políticos ou impeachment devido à sua profunda e hipotética proximidade com o governo venezuelano", avalia o cientista político sobre o posicionamento do Executivo brasileiro.
Por Sputinik Brasil
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