Internacional
Brasil deve ter arsenal legal para retaliar contra medidas protecionistas de Trump, diz analista
Donald Trump aplicará tarifas e usará a OEA para retomar o controle dos EUA sobre a América Latina. Brasil deve mobilizar sua legislação para responder à altura contra medidas mais assertivas de Trump na região, alerta analista ouvido pela Sputnik Brasil.
O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, articula a indicação de candidato conservador para a diretoria-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) e quer utilizar o órgão para promover a política externa dos EUA na América Latina, informou o portal UOL.
De acordo com o jornalista Jamil Chade, Donald Trump recebeu o chanceler do Paraguai, Rubén Ramírez Lezcano, em sua residência em Mar-a-Lago, para fortalecer a campanha do líder conservador para assumir a liderança da OEA.
Após priorizar temas como a imigração durante o processo eleitoral e nomear um latino, Marco Rubio, para o posto mais alto da diplomacia norte-americana, analistas sugerem um foco renovado de Trump na América Latina.
A OEA servirá como ponta de lança para avançar a agenda conservadora de Trump, direcionada principalmente para a contenção de Cuba, Nicarágua e Venezuela. Por arcar com 60% do orçamento da OEA, Washington estará empenhado em transformar o seu peso financeiro em peso político para definir a agenda da instituição.
Para a especialista em América Latina e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regiane Bressan, a postura mais incisiva de Trump contra governos à esquerda de Washington poderá acirrar a polarização regional.
"Essa abordagem acirrada deve se intensificar, com ênfase na retórica anticomunista e nos usos de organizações como a OEA para pressionar governos que não se alinham aos interesses dos EUA", disse Bressan à Sputnik Brasil. "Isso poderá gerar uma polarização, já que muitos países da região têm governos de esquerda ou centro-esquerda, que poderão resistir à retomada de políticas intervencionistas ou sanções unilaterais promovidas pelos EUA."
Apesar dos EUA arcarem com parte significativa do orçamento da OEA, isso em tese não deveria garantir maior poder político a Washington. No entanto, na prática, as organizações internacionais estão sujeitas ao poder financeiro de países ricos.
"Mensuramos o poder das organizações pela sua legitimidade, por quanto elas conseguem garantir que suas regras sejam cumpridas. Mas podemos adotar uma abordagem mais realista e entender que as organizações variam de acordo com a influência de países individuais", explicou Bressan. "Nesse caso, quem paga mais geralmente terá uma influência maior. E a OEA não é exceção."
Segundo ela, o mesmo ocorre em organizações como o Mercosul, no qual "o Brasil paga mais, e por isso tem uma influência maior", e na União Europeia, na qual o preso desproporcional da Alemanha também reflete o seu peso no orçamento da instituição.
"Não que essa prática seja correta, afinal organização boa é aquela que mantém todo mundo na mesma régua", notou Bressan. "Mas não podemos ignorar que as organizações são suscetíveis à influência do país que paga mais e o peso financeiro, sim, deve ser considerado."
Credibilidade em baixa
No entanto, a falta de credibilidade da OEA perante diversos governos da região pode minar a capacidade de Trump de utilizar a organização para influenciar os rumos da América Latina.
"Ainda que os EUA tentem utilizar a OEA, não sabemos se terão êxito nessa atuação", avaliou Bressan. "Como a política de Trump será focada em contenção ideológica […], o uso da OEA não fortaleceria a instituição, mas a deixaria ainda mais polarizada e mais alinhada à direita."
Segundo Bressan, a credibilidade da OEA é maculada por uma percepção de que a organização é parcial e funciona sob influência desproporcional dos EUA.
"Muitos presidentes, analistas e políticos argumentam, com razão, que as decisões da OEA refletem mais os interesses de Washington do que os dos demais países da organização", disse Bressan. "A OEA se encontra esvaziada e esquecida, por ser vista como um instrumento da política externa dos EUA na região."
De acordo com o professor de Relações Internacionais da ESPM Ricardo Leães, a OEA teria cometido um "pecado original" no início de sua história, ao excluir Cuba da organização em 1962. Países da região solicitaram a readmissão da ilha à OEA durante décadas, gerando desgaste no trabalho da agremiação.
"A exclusão de Cuba é o que gera a formação de organizações regionais alternativas, particularmente a CELAC [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos]", disse Leães à Sputnik Brasil. "Posteriormente, tivemos o episódio no qual a OEA se portou de maneira lamentável durante o golpe de Estado na Bolívia [em 2019]."
Na ocasião, a OEA apoiou erroneamente a tese da oposição boliviana de que haveria fraude no processo eleitoral do país. De acordo com relatório do Centro de Investigação em Economia e Política (CEPR, na sigla em inglês), sediado nos EUA, a OEA utilizou estatísticas equivocadas para sustentar a tese de fraude, reportou o Brasil de Fato .
"Está claro que o relatório que a OEA apresentou como se fosse a última palavra sobre o que aconteceu nas eleições da Bolívia não possuía as evidências necessárias para demonstrar que uma fraude teria afetado os resultados eleitorais", disse um dos pesquisadores envolvidos no estudo, Jake Johnston. "Na verdade, parece haver a intenção de justificar acusações feitas pela OEA no dia seguinte às eleições, que foram apressadas, e, em últimas instâncias, indefensáveis, mas muito prejudiciais."
Brasil na encruzilhada
De acordo com a reportagem de Jamil Chade, Donald Trump estaria cogitando o uso de corte ligada à OEA para processar o Brasil, em função do embate entre o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, e o dono da plataforma X, Elon Musk.
Apesar da ameaça, a OEA não é parte significativa da estratégia brasileira para a América Latina e pode não ter capacidade de prejudicar os rumos da política externa lulista, acredita Bressan.
"O papel da OEA na política brasileira contemporânea é um papel muito periférico. Historicamente, o Brasil prioriza organizações da América do Sul, como o Mercosul e UNASUL, ou investe na revitalização da CELAC", explicou Bressan. "Esses espaços promovem uma integração voltada aos interesses políticos e econômicos da América do Sul, e afastam a presença mais abrangente dos EUA."
Para Ricardo Leães, o Brasil deverá estar pronto para se defender contra possíveis ações assertivas da nova administração Trump. De acordo com o especialista, o Brasil deve se preparar para adotar medidas de reciprocidade, em caso de imposição de tarifas ou outras barreiras às exportações para os EUA.
O futuro presidente norte-americano já anunciou a intenção de impor restrições ao comércio com seus parceiros México e Canadá, e se referiu a tarifas como "a palavra mais bonita do dicionário".
"Trump já deu mostras de que considera o uso de tarifas fundamental [...] e precisamos estar preparados para retaliações econômicas. O ideal seria preparar uma legislação que transformasse a reciprocidade nesse caso em uma medida automática, que evitasse o desgaste político", propôs Leães.
Ademais, o futuro presidente dos EUA já prometeu medidas incisivas contra países que tentem evitar o uso do dólar em suas transações internacionais, agenda na qual o Brasil se engaja no âmbito do BRICS e do Mercosul.
"O mais importante é estar ciente do desafio. Não há como prescrever o remédio sem saber qual a doença. E o Brasil, durante a administração Biden, nutriu um otimismo irresponsável e não soube avaliar as ameaças. Dessa vez, com Trump, teremos que fazer um diagnóstico mais realista", concluiu o especialista.
Por Sputinik Brasil
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