Política

Agenda verde e amarela: quais pautas o Brasil levará para a cúpula do BRICS em Kazan?

Davi Carlos Acácio, da SPUTNIK 19/10/2024
Agenda verde e amarela: quais pautas o Brasil levará para a cúpula do BRICS em Kazan?
Foto: Palácio do Planalto

A 16ª cúpula do BRICS, que acontecerá na próxima semana em Kazan, será a primeira com os dez membros do agrupamento. Nesse contexto, o governo brasileiro vai à Rússia para apresentar suas prioridades, de olho na sua presidência rotativa, que começa no ano que vem.

Autoridades russas têm considerado o encontro com a presença dos dez membros, além da participação de países convidados, um dos principais eventos políticos do país nos últimos anos.

Na manhã desta sexta-feira (18), em entrevista a jornalistas de países-membros do BRICS, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ressaltou a importância do arranjo e afirmou que a sua expansão é um passo certo, que aumenta o prestígio e a influência do BRICS no mundo.

O Brasil deve ter na comitiva que vai participar da cúpula do BRICS em Kazan, além do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República do Brasil, Celso Amorim.

De acordo com especialistas ouvidos pelo Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, entre as prioridades que o Brasil leva à Rússia estão:


cooperação política e financeira do grupo;

cooperação de desenvolvimento sustentável;

criação de uma plataforma de pagamentos entre os países BRICS;

crise no Oriente Médio;

formulação de categorias e critérios para países parceiros.


A criação de critérios para formar parcerias com países de fora do agrupamento permitiria, por exemplo, a expansão de acordos e a aproximação com outras nações do Sul Global.

Entre os pré-requisitos estariam elencados, segundo Milena Megrè, cientista política, especialista em energia e representante do think tank Instituto E+ Transição Energética, "ter boas relações diplomáticas e bilaterais; não ter sanções impostas por outro país-membro; e estar alinhado na questão da reforma do sistema de governança global".

Valdir Bezerra, mestre em relações internacionais pela Universidade Estatal de São Petersburgo, comenta que o Brasil propõe essa modalidade para lidar com a enorme fila que tem se formado para aderir ao arranjo.

Cuba, Indonésia, Turquia e Venezuela são alguns dos países que já solicitaram entrada ou se posicionam favoravelmente em integrar o BRICS.


"É importante para o Brasil trazer essa proposta de como é que vai se dar essa expansão e como o BRICS vai lidar com essa manifestação de interesse de países importantes nas suas regiões. O grupo tem se tornado cada vez mais importante, e é preciso pensar como esses países que querem se aproximar vão participar dessa cooperação, desse grande projeto que o BRICS tem se tornado", analisa Bezerra.



Outra pauta destacada pelo analista é a possibilidade da criação de uma plataforma de pagamentos entre os países do BRICS.

Bezerra lembra que o Brasil tem mostrado que busca cooperações econômicas e comerciais que sejam possíveis sem o dólar. O presidente Lula inclusive manifestou-se sobre o tema durante discursos em fóruns internacionais.

O assunto também foi abordado nesta manhã pelo presidente russo. Putin afirmou que a criação de uma moeda única para o BRICS não está sendo considerada no momento, mas que os países estudam maneiras de utilizar as moedas nacionais para negociações entre eles.



"Gostaríamos de propor uma atitude seríssima, […] é a questão do uso de moedas digitais em processos de investimento. E não apenas entre os países-membros do BRICS, mas pelos países-membros do BRICS no interesse de outras economias em desenvolvimento que têm boas perspectivas de desenvolvimento", disse o mandatário russo.


Agenda sustentável segue sendo prioridade para o Brasil


Megrè acredita que o Brasil deve continuar adotando um discurso contundente no que diz respeito à agenda climática global, estando o governo brasileiro, "entre os países do BRICS, o que mais fala de proteção ambiental, de questão de desmatamento".

O tema inclusive esteve presente na fala do presidente Lula na última Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), onde o petista citou as queimadas e medidas de combate ao desmatamento.


"Quem traz essa pauta para o BRICS é o Brasil. Quem lidera, quem tem a experiência, expertise, é o Brasil. […] Um país que leva muito à frente, muito a sério, a pauta da proteção ambiental, do desmatamento, a questão da Amazônia", comenta a especialista.



Além disso, ao contrário dos outros membros do bloco, o Brasil é um país que "fala muito das energias renováveis e se compromete muito", mesmo não tendo abandonado 100% os combustíveis fósseis, mas o discurso brasileiro mostra um país "muito ambicioso", aponta Megrè.

Outro exemplo que pode ser sinônimo da ambição comentada pela especialista e trazida pelo Brasil também na Assembleia Geral da ONU, foi a promessa do país em reduzir suas emissões de gases de efeito estufa mais do que proporção condizente ao que ele polui.


A segurança alimentar também deve aparecer entre as pautas brasileiras no âmbito da cúpula. A questão, inclusive, tem sido debatida nos encontros ministeriais do G20 ao longo deste ano.

"O governo brasileiro no geral, sempre trouxe muito essa questão da segurança alimentar. A Índia também traz", diz Megrè.

Segundo a cientista política, o BRICS abriga, aproximadamente, 40% da população mundial e está na vanguarda da produção de alimentos.



"Nós já produzimos mais alimento, mais do que suficiente para a população mundial. Mas ainda assim há a questão da fome, isso porque há uma má gestão desse processo da distribuição de alimento. [...] O Brasil, novamente, tem sido dentro do BRICS quem tem trazido esse assunto muito à frente", ressalta.


Conforme Bezerra, o Brasil é visto como uma liderança por um crescimento econômico sustentável e mais equitativo, muito por conta das suas realidades domésticas.


"O Brasil é um país internamente muito desigual e ele traz esse discurso a respeito de combater essa desigualdade para o plano internacional talvez como nenhum outro país o faça", pontua o analista.


Nesse sentido, para o especialista, o país pode contribuir apontando para uma distribuição mais justa dos recursos econômicos do poder decisório internacional em favor de países emergentes.


Tornar-se membro permanente do CSNU na ordem do dia para a comitiva brasileira?


O Itamaraty já se posicionou e adiantou que a reforma do Conselho de Segurança da ONU estará na ordem do dia da 16ª cúpula de líderes do BRICS. O Brasil defende há décadas a inclusão de novos países da América Latina e África no principal órgão da entidade.

Segundo os especialistas, o Brasil pode, sim, conquistar este poder de veto no CSNU e o BRICS pode ser um ponto chave para esse caminho.



"O Brasil se beneficia dessa participação nos BRICS sim porque é por meio dessa participação que ele pode pleitear o endosso de outros membros importantes dentro do grupo. E a gente tem que lembrar que o BRICS conta com dois membros permanentes dentro do Conselho de Segurança da ONU, que são justamente a China e a Rússia", afirma Bezerra.



Por outro lado, apesar da possibilidade em avançar no pleito por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança, Megrè avalia que membros de governos dos países BRICS consideram isso um avanço, mas questionam em até que ponto a medida pode ser justa.

A analista relembra que o BRICS e o próprio G20, que conta com membros do Ocidente, contam com presidências rotativas. Segundo ela, a rotatividade talvez possa ser uma proposta de reforma mais justa e interessante para o CSNU.

"Seria muito mais interessante, talvez, enquanto uma proposta de reforma das instituições ou da governança internacional, a gente abolir esse sistema onde pouquíssimos países têm um poder de veto", analisa.



"É um avanço se o Brasil conseguir esse assento, essa cadeira na grande mesa da tomada de decisões, mas ainda assim eu vejo que pelo menos o Brasil luta muito para que necessariamente esse sistema possa se alterar e ser de fato mais igualitário e justo para todos os países membros que compõem a ONU, o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral", finaliza Megrè.