Política

'O GLOBO nas capitais': brigas e desafetos movem a eleição de Fortaleza, cidade mais populosa do Nordeste

Wagner lidera mesmo com divisão na direita e ameaça reeleição de Sarto, do PDT, que tem ex-aliado convertido ao PT garimpando votos na esquerda com empenho de Lula; discórdia predomina até entre os irmãos Ciro e Cid Gomes

Agência O Globo - 08/09/2024
'O GLOBO nas capitais': brigas e desafetos movem a eleição de Fortaleza, cidade mais populosa do Nordeste
Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE

A disputa eleitoral deste ano em Fortaleza virou palco de brigas afiadas entre antigos aliados e evidenciou as divisões nos campos da esquerda e da direita na política do Ceará. O atual prefeito da capital, José Sarto, filiado ao PDT, busca a reeleição e tenta superar o isolamento político de seu partido.

Entrevista: 'A esquerda tem que atualizar o discurso e propor ação dura contra o crime', diz governador do Ceará

Um dos desafios do atual gestor é, de um lado, enfrentar a aliança do PT com partidos de centro, diretamente chancelada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O candidato do Palácio do Planalto é Evandro Leitão (PT), presidente da Assembleia Legislativa do Ceará e um antigo companheiro de Sarto que se converteu em desafeto.

Do outro lado, o prefeito tem o ex-deputado Capitão Wagner (União Brasil) como principal obstáculo de sua reeleição. Líder nas pesquisas, Wagner já teve apoio de Jair Bolsonaro em outras eleições, mas agora vê André Fernandes (PL) contar com o aval do ex-presidente. Entre as candidaturas da direita há também a presença do senador Eduardo Girão (Novo), mas menos cotado que Wagner e Fernandes.

A divisão também ocorre na família do ex-governador e ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT), cujos afilhados políticos venceram todas as eleições em Fortaleza desde 2012. Ele agora entra nesse processo eleitoral com uma influência reduzida. Afastado do irmão, o senador Cid Gomes (PSB), apoia o candidato do PT contra o prefeito, que é aliado de Ciro.

A participação dos irmãos Gomes nos atos de campanha, porém, tem sido tímida, numa tentativa de preservar a conturbada relação familiar, sem levá-la à esfera pública. Os dois marcaram presença em poucas atividades na capital cearense. Na segunda-feira passada, Cid fez sua primeira aparição ao lado do petista Evando Leitão, numa caminhada pelo Parque São José. O senador justificou a demora dizendo que estava viajando pelo estado para apoiar outros aliados. Já Ciro só acompanhou Sarto até agora na abertura do comitê, no mês passado.

Ex-aliados viram rivais

Na direita, Wagner desponta na liderança após duas derrotas consecutivas. A pesquisa Quaest mais recente aponta que o político do União Brasil tem 31% das intenções de voto, seguido pelo prefeito, que tem 22%, e pelos candidatos do PL e do PT, com 14% cada.

Policial militar da reserva, Wagner se notabilizou por liderar uma paralisação da categoria em 2012. Na eleição para prefeito de Fortaleza em 2020 e para governador do Ceará em 2022, foi o candidato apoiado pelos bolsonaristas, inclusive tendo Fernandes como aliado. Agora, o candidato do PL critica Wagner e aponta que o União Brasil tem alianças com o PT e o PDT em cidades do interior do Ceará.

Embora tenha a máquina municipal na mão, Sarto não atraiu tantos partidos e ficou com o quarto maior tempo de propaganda no rádio e na TV. Leitão conseguiu repetir o arco de alianças do governador Elmano de Freitas (PT) e tem hoje o maior espaço no horário eleitoral gratuito, seguido por Fernandes e Wagner.

Segurança atrai atenção

A disputa local entre os ex-aliados PT e PDT também reverbera em Brasília. O deputado André Figueiredo (CE), presidente nacional interino do PDT, queixou-se do empenho de Lula na campanha de Leitão e do fato de o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), convidar deputados estaduais do PDT a se filiarem ao PT. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu aval para os pedetistas, em uma lista que inclui Lia Gomes, irmã de Ciro e Cid, trocarem de legenda. Figueiredo disse que levou o assunto ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha:

— Achei uma atitude extremamente deselegante, principalmente partindo do líder do governo e logo depois de eu externar o descontentamento do PDT com a presença de Lula na convenção do candidato deles (do PT) aqui em Fortaleza — declarou, lembrando que o PDT também integra o governo Lula.

Guimarães minimiza:

— Convidei como um gesto de solidariedade a eles. Não farei pressão alguma. Eles que decidem.

Leitão também conta com o apoio do ministro da Educação, Camilo Santana, que é senador licenciado pelo PT do Ceará. Ele já anunciou que vai tirar férias da pasta para mergulhar na campanha do partido em Fortaleza e em outras cidades do estado.

A segurança pública tem sido o principal tema da campanha e todos os candidatos falam em fortalecer a guarda municipal para combater o crime. O tema é usado pelo prefeito para criticar o candidato do PT, que é apoiado pelo governador, também petista. O Ceará vive uma crise de violência. Do outro lado, Leitão explora o fato de ser do partido do governador e do presidente Lula como um ponto positivo, o que favoreceria o diálogo com as esferas estadual e federal em busca de recursos.

A gestão do prefeito na área da saúde — ainda mais considerando que Sarto é médico — também é outro tema dominante. Leitão e Wagner já criticaram a demora dos hospitais públicos da cidade em atender os pacientes. Por sua vez, Sarto destaca convênios com a iniciativa privada como forma de reduzir as filas.

O pedetista também é criticado por ter regulamentado a taxa do lixo. Ao ser acusado de criar um novo tributo, ele rebate dizendo ser uma obrigação prevista no marco regulatório do saneamento básico.

Do mesmo grupo político até 2022, Sarto e Leitão, , romperam em meio uma divisão interna no PDT. Após se descolar do PT e perder a última eleição estadual no Ceará para o partido de Lula, o PDT de Ciro Gomes se dividiu entre ser ou não da base do governador petista Elmano de Freitas. Como a posição de Ciro de não se alinhar ao PT prevaleceu, os que desejavam se aproximar do governador deixaram o PDT, inclusive Leitão (que foi para o PT) e Cid Gomes (que microu para o PSB). O racha também provocou uma debandada de prefeitos do PDT, que já foi a legenda com mais prefeituras no Ceará, e perdeu o posto para o PSB de Cid.

Raio-X da disputa

Principais candidatos

Capitão Wagner (União Brasil)

É policial militar da reserva e ficou conhecido após liderar uma paralisação da categoria em 2012. Já foi vereador, deputado estadual e deputado federal. Concorreu a prefeito de Fortaleza em 2016 e 2020, tendo perdido no segundo turno nas duas disputas.

José Sarto (PDT)

É prefeito de Fortaleza e busca a reeleição. Foi deputado estadual por 25 anos, tendo presidido a Assembleia Legislativa em 2019 e 2020. É apoiado por Ciro Gomes e tem o PSDB, Cidadania, PRD, Avante, Agir, DC e Mobiliza em sua coligação.

André Fernandes (PL)

É deputado federal e já foi deputado estadual. Apoiador de Bolsonaro, entrou na política em 2018, quando foi eleito na onda bolsonarista e conseguiu uma cadeira na Assembleia. É um dos alvos em inquérito no STF que apura incitação ao 8/1.

Evandro Leitão (PT)

É deputado estadual desde 2015, sempre eleito pelo PDT. Mudou de partido em dezembro para apoiar o governador Elmano de Freitas. Sucedeu Sarto na presidência da Assembleia. É apoiado por PSD, PSB, PP, MDB, Republicanos e Podemos.

Outros candidatos

Eduardo Girão (Novo), George Lima (Solidariedade), Técio Nunes (PSOL), Chico Malta (PCB) e Zé Batista (PSTU)

Temas do debate eleitoral

Segurança Pública

Os principais candidatos falam em fortalecer a Guarda Municipal. O postulante do PT é cobrado por ser do partido do governador do estado, que hoje vive uma crise de violência. Ele tem dito que aposta no diálogo com os governos estadual e federal para mitigar a crise.

Saúde

As filas para espera de atendimento na capital cearense , que tem 80% da população usuária do Sistema Único de Saúde (SUS), também são usadas para criticar o prefeito. Ele diz que planeja solucionar o problema fazendo com convênios com a iniciativa privada.

Taxa do lixo

A taxa criada pelo prefeito do PDT é usada como munição para críticas dos adversários, tanto do PT, que já prometeu acabar com a regra, quanto do PL e do União Brasil. Em resposta, José Sarto fala que isso é uma imposição do marco do saneamento básico.