Política

'Câmara Mirim': alunos da rede pública atuam como vereadores, aprovam leis e falam sobre eleições municipais no Rio

De homenagem a Sílvio Santos à criação de programa contra o bullying nas escolas, textos abordam temas ligados à saúde mental, meio-ambiente, cultura e educação na cidade

Agência O Globo - 07/09/2024
'Câmara Mirim': alunos da rede pública atuam como vereadores, aprovam leis e falam sobre eleições municipais no Rio
'Câmara Mirim': alunos da rede pública atuam como vereadores, aprovam leis e falam sobre eleições municipais no Rio - Foto: Reprodução / Câmara municipal de Blumenal

Os habituais paletós e gravatas deram lugar a uniformes escolares na sessão realizada, nesta sexta-feira (06/09), no Plenário do Palácio Pedro Ernesto. Os vereadores mirins da Câmara Juvenil —alunos da rede municipal de ensino, com idades entre 10 e 17 anos — ocuparam os assentos da Casa para discutir Projetos de Lei de sua própria autoria, que tratam sobre temas como saúde mental, preservação ambiental, cultura, educação e até economia.

A sessão contou com a presença de 42 nobres vereadores mirins. Os ursinhos de pelúcia posicionados por algumas das mesas já indicavam que aquele não era um expediente corriqueiro. Às 14h, a presidente da Câmara Mirim, Ana Julia Baptista, de 13 anos, deu início ao trabalho legislativo.

Ao todo, dez projetos entraram em pauta e foram votados em primeira discussão. Todas as propostas foram aprovadas — algumas com maior adesão, outras com menos, mas todas celebradas com aplausos. As ideias vão desde batizar uma escola municipal em homenagem a Silvio Santos, ex-apresentador de TV carioca, morto no último dia 17 de agosto, até a criação de verdadeiros planos para a cidade, como o “Cidade Verde”, com foco em reflorestamento e revitalização de áreas desmatadas.

— É uma experiência incrível, como nunca imaginei que teria um dia. É um aprendizado enorme, não só para mim, mas para todos os alunos que estão aqui tendo a oportunidade de estarem presentes no plenário da Câmara. Esse projeto com certeza planta uma sementinha aqui para que a gente possa colher lá na frente — celebra Ana Julia.

A aluna da Escola Municipal Antenor Nascente, em Anchieta, ainda não tem idade para votar, mas conta que a experiência como vereadora mirim tem lhe ensinado muito sobre consciência política. Sobretudo, em época de eleições municipais.

— Eu não voto, mas a minha família sempre me pede um apoio, até por eu estar aqui dentro, vendo de perto como é o Legislativo. É sempre importante observar as propostas dos candidatos. São muitos que fazem promessas agora, mas depois não cumprem. E é preciso que tenham olhar atento às pessoas da comunidade. Hoje tenho a consciência de que o voto é um pacto de confiança das pessoas no vereador, no trabalho que ele prometeu fazer — acrescenta a presidente mirim.

A maioria dos projetos apresentados envolve o ambiente escolar. São propostas que refletem questões observadas pelos próprios alunos em seu cotidiano. Uma das vereadoras mirins propôs a criação de um programa que oferece consultas quinzenais com psicólogos nas escolas públicas do município.

— Raramente os alunos de escolas municipais têm oportunidade de ter acesso à terapia, seja por falta de dinheiro ou de conhecimento sobre a importância dela. Jovens estudantes passam por dificuldades em casa ou na escola e precisam ter com quem falar sobre isso — argumenta a vereadora mirim Marina Almeida, autora do projeto.

Outro PL propôs instituir o programa “Escola Sem Bullying” no município. O plano sugere, entre outras coisas, a criação de canais seguros para denúncias de alunos que sofrem este tipo de perseguição. Com o texto em discussão, os parlamentares falaram sobre a importância do combate à prática nas escolas e comentaram suas experiências.

— Eu sofri bullying e continuo sofrendo até agora. Seria muito importante aprovarmos esse Projeto de Lei e, também, que os alunos que percebem que há algo de errado denunciem — argumentou o vereador mirim Pedro Arantes, que pediu a palavra no plenário.

Foi aprovada em primeira discussão, também, a criação do programa “Investidor do Amanhã”, que prevê a elaboração de atividades extracurriculares que ensinem educação financeira aos alunos da rede pública, “capacitando-os para a tomada de decisões conscientes e responsáveis”. O autor do projeto, Gustavo Silva Rodrigues, de 15 anos, aluno do Ginásio Educacional Tecnológico (GET) Cientista Mário Kroeff, na Penha, participou ativamente das discussões dos projetos. Ele fala sobre a importância da proposta em sua vida.

— Está sendo incrível, maravilhoso, estar nesse lugar. Além de ser um privilégio, é um aprendizado. É mais que uma aula de Direito, é uma aula de vida — afirma o jovem. — Me sinto mais preparado, inclusive para questionar os candidatos. A primeira coisa que eu diria para quem vai votar nessas eleições é que preste atenção nas propostas de Educação dos candidatos. Quais são os projetos que o vereador apresenta para evoluir a nossa educação na cidade?

Na área da cultura, sete jovens vereadoras elaboraram ainda um projeto de lei que objetiva tornar o “Samba de Rua” Patrimônio Cultural Imaterial do Município do Rio de Janeiro. O texto prevê que a prefeitura realize um mapeamento para cadastro oficial de locais e grupos que mantêm a tradição das rodas ao ar livre, com o objetivo de e fomentar editais específicos para apoio financeiro e logístico aos grupos e eventos, garantir a preservação dos espaços públicos historicamente utilizados e promover campanhas educativas sobre a importância histórica e cultural do movimento.

Os vereadores mirins voltam a se reunir agora no próximo dia 11 de outubro no plenário da Câmara. Até lá, eles seguem tendo aulas online sobre consciência política e o regimento da Casa.

Propostas podem virar leis de verdade

E a atividade está longe de ser uma brincadeira. No final do ano, os projetos aprovados pelos jovens vereadores serão enviados aos parlamentares da Câmara do Rio, como sugestões de projetos que podem virar novas leis municipais. Até dezembro, os representantes da Câmara Juvenil irão se reunir presencialmente no Palácio Pedro Ernesto uma vez ao mês, e terão aulas online sobre o processo legislativo e as atribuições de um vereador.

"Estamos no segundo ano de atuação do Parlamento Juvenil. É uma parceria com a Secretaria de Educação de enorme sucesso. Precisamos, cada vez mais, mostrar para a população o papel da Câmara dos Vereadores na vida das pessoas. E nada mais importante começar pelas nossas crianças. Aqui, eles aprendem, teoricamente, e também na prática o papel dos vereadores. É um exercício da democracia desde cedo", disse Carlo Caiado, presidente da Câmara de Vereadores.

O programa da Câmara Municipal do Rio é realizado com o apoio da Secretaria Municipal de Educação. Todos os vereadores mirins cursam do 4º ao 9º ano e representam proporcionalmente cada Coordenadoria Regional de Educação.

Projetos aprovados em primeira discussão

PL 01/2024: Institui o Programa de Debates e Conscientização Cívica nas Escolas Públicas Municipais do Rio de Janeiro e dá outras providências. Autora: vereadora juvenil Júlia de Sousa Eugênio da Silva. Aprovado por 30 votos a 8.

PL 02/2024: Institui o Programa “Escola Sem Bullying” nas Escolas Públicas Municipais do Rio de Janeiro e dá outras providências. Autora: vereador juvenil Kauan Guilherme. Aprovado por 31 votos a 5, com duas abstenções.

PL 03/2024: Promoção e incentivo à oferta de consultas quinzenais com psicólogos nas escolas públicas do município do Rio de Janeiro. Autora: vereadora juvenil Marina Almeida. Aprovado por unanimidade com 39 votos a favor.

PL 04/2024: Plano Cidade Verde, que visa a revitalização de áreas desmatadas ou degradadas no município do Rio de Janeiro. Autor: vereador juvenil Gustavo Rodrigues. Aprovado por unanimidade, com 40 votos a favor.

PL 05/2024: Programa de Valorização da Educação Carioca (EducaRio). Autores: vereadoras juvenis Ana Julia Baptista, Marcelly Lobato, Maria Luisa Araujo, Maria Eduarda Duarte, Anne Grazielle Silva, Maria Eduarda Porto, Kathelen Machado e Mesa Diretora. Aprovado por unanimidade, com 39 votos a favor.

PL 06/2024: Dá o nome de apresentador Sílvio Santos a uma unidade escolar da Rede Municipal. Autores: vereadoras juvenis Ana Julia Baptista, Marcelly Lobato, Maria Luisa Araujo, Maria Eduarda Duarte, Anne Grazielle Silva, Maria Eduarda Porto, Kathelen Machado e Mesa Diretora. Aprovado por maioria simples, com 19 votos a favor, 18 contra e 3 abstenções.

PL 07/2024: Declara o Samba de Rua como Patrimônio Cultural Imaterial do Município do Rio de Janeiro. Autores: vereadoras juvenis Ana Julia Baptista, Marcelly Lobato, Maria Luisa Araujo, Maria Eduarda Duarte, Anne Grazielle Silva, Maria Eduarda Porto, Kathelen Machado e Mesa Diretora. Aprovado com 38 votos a favor e uma abstenção.

PL 08/2024: Implantação do Programa Investidor do Amanhã, com a criação de estímulos ao estudo de noções básicas de economia e investimentos nas escolas públicas municipais como atividade extracurricular. Autor: vereador juvenil Gustavo Rodrigues. Aprovado com 33 votos a favor, dois votos contra e três abstenções.