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Fora da 'caixinha sáfica': na Bienal de SP, autoras lésbicas e bissexuais falam sobre temas que vão além da sexualidade
'Os eventos querem dar atenção a autores LGBT, mas ficam parados no G', diz curadora; escritoras comemoraram possibilidade de abordar outros assuntos

A baiana Elayne Baeta, de 27 anos, foi a primeira best-seller lésbica do Brasil. Lançando em 2019 pela Galera, selo jovem da Record, “O amor não é óbvio” conta a história de Íris, uma adolescente que descobre a própria sexualidade ao tentar entender por que a ex-namorada de seu amor platônico o trocou por uma menina. O livro já vendeu mais de 100 mil exemplares e às vezes ainda aparece em listas de mais vendidos. Elayne arrasta multidões por onde passa. Por muito tempo, porém, ela sentiu que só era convidada para “preencher a cota lésbica” de determinados eventos.
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— A maioria das mesas de que eu participei eram sobre orgulho LGBT. Se precisavam de uma pessoa para ser o L, chamavam a Elayne. É cansativo. Vejo autores héteros falando sobre um monte de assuntos, sobre processo criativo, sobre isso e aquilo — reclama a autora. — Poxa, me chamem para falar de outra coisa! Eu sou também sou poeta, eu tenho opiniões sobre o mercado editorial...
Neste sábado (7), às 19h15, Elayne participa de uma mesa na 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Desta vez, não é para “preencher cota”. Ao lado de Clara Alves (autora de “Conectadas”, romance sobre duas meninas que se apaixonam) e de Stefano Volp, ela vai falar sobre o relacionamento dos escritores com seu público. Elayne entende do assunto. O vídeo que anunciava seu novo livro, “Coisas óbvias sobre o amor”, acumulou um milhão de visualizações em 24 horas. Em dois dias, teve pré-venda de 20 mil exemplares, segundo a Record.
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Diana Passy, curadora da Arena Cultural, principal palco da Bienal, conta que fez questão de convidar autoras sáficas (isto é, lésbicas ou bissexuais), para falar dos assuntos mais diversos, não só sobre identidade sexual.
— Os livros delas não são só sobre esse tema — diz ela. — Às vezes, os eventos querem dar atenção a autores LGBT, mas ficam parados no G. Ou fazem uma única mesa para falar sobre a sigla inteira.
Visibilidade
O tema da descoberta sexual, porém, não vai ficar de fora. Na sexta-feira (13), a cantora e escritora americana Hayley Kioyko participa da mesa “Girls Like Girls”, sobre representatividade lésbica. O título da mesa é o mesmo da canção que ela lançou em 2015 e do romance publicado no ano passado. Ambos celebram o amor entre mulheres. Hayley conta que a música e o videoclipe foram inspirados em sua própria vida e em sua “necessidade desesperada por representatividade queer”.
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— Me alegra que “Girls Like Girls” e minhas experiências tenham ajudado a normalizar histórias de amor queer, incentivado conversas sobre visibilidade e dado a tantas pessoas a representatividade que elas desejavam — afirma Hayley, que descreve a transformação da canção em livro como “uma jornada emocional”. — O romance me permitiu explorar melhor as personagens, quem são essas garotas, pelo que elas passaram e por que se apaixonam (não só uma pela outra, mas também por si mesmas).
A escritora Mariana Mortani vai mediar a mesa “Girls Like Girls” ao lado da influenciadora Louie Ponto. Juntas, elas comandam o Clube Sáfico, maior clube do livro LGBTQIA+ do Brasil, que soma mais de 2 mil membros. Autora de “Amélia sem filtro” (Se Liga Editorial), Mariana conta que o público do clube comemorou que a representatividade sáfica não está reduzida a uma única mesa da Bienal.
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— Isso é inédito. A gente estava acostumada a ter “o dia LBGT”. Agora temos vários dias! A galera está falando de alugar van para ir junto. Os eventos estão entendendo que não dá para ter uma mesa só para todo mundo que é LGBT. Se a mesa é sobre romance, por que não juntar autor que escreve personagem hétero, bi, lésbica, gordo etc.? Por que não nos convidar para falar sobre poesia, distopia e outros gêneros literários? — diz Mariana, que dá uma dica a quem for mediar mesas com autoras sáficas. — Não dá para perguntar só “como é ser lésbica” ou “como você lida com a homofobia”.
Fora da ‘caixinha sáfica’
A proliferação de mesas com autoras sáficas sobre temas variados reflete a diversificação da literatura produzida por elas. Antes, boa parte dos romances focava na descoberta da sexualidade. Agora, a orientação sexual não é sequer uma questão em muitos desses livros, que abordam os múltiplos dilemas da adolescência e da vida adulta e exploram uma infinidade de gêneros literários, como o romance esportivo, por exemplo.
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Na sexta-feira (13), a escritora Arquelana participa da mesa “Amor e esportes” e festeja que sua estreia na programação da Bienal não será na “caixinha sáfica”. Bissexual, ela é autora tanto de romances sáficos como de romances duáricos (nos quais o casal é formado por um homem e uma mulher, não necessariamente heterossexuais). Seu último livro, “As regras do jogo” (Paralela), é protagonizado por América, uma jogadora de basquete lésbica, e Cacau, uma universitária bissexual que sonha com um intercâmbio. As duas se odeiam, mas acabam dividindo um apartamento e então...
Arquelana conta que o público vibra quando consegue se enxergar nas personagens. As leitoras, diz ela, estão “obcecadas” por América e aprovaram a representação de uma mulher lésbica sarada e que gosta de fazer esportes.
— Espero que o público da Bienal vá atrás das escritoras sáficas e converse com a gente. E que as editoras vejam que vale a pena investir em livros de mulheres que amam mulheres. As leitoras estão desesperadas por livros de qualidade que representem a vida de uma mulher sáfica, não importa se é suspense, fantasia etc. Estou muito feliz com o espaço que estamos conquistando. O mercado está entendendo onde é que a gente quer estar.
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