Política

Passe livre supera 'bolha de esquerda' e é proposta por candidatos de direita nas prefeituras

Sistema é adotado total ou parcialmente em 135 municípios do país e é operado em sua maioria por consórcios privados

Agência O Globo - 05/09/2024
Passe livre supera 'bolha de esquerda' e é proposta por candidatos de direita nas prefeituras
TSE - Foto: TSE Fonte: Agência Brasil

O interesse de partidos de direita e de centro no tema cresceu em comparação com as últimas eleições, mostra um levantamento realizado pelo projeto Vota Aí, feito em uma colaboração entre o Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp e o Doxa, Laboratório de Estudos Eleitorais da UERJ, Por meio de uma busca automatizada dos termos "tarifa zero" e "passe livre" nos projetos de governo municipal anexados ao portal do Tribunal do Superior Eleitoral (TSE), a pauta era levantada em 2020 com maior frequência por candidatos do PSOL e do PT, que juntos somaram 181 (41,7%) das 434 menções ao tema.

Por outro lado, o assunto não era prioridade para postulantes a prefeito de siglas de direita. Entre candidatos do PL, a possibilidade de transporte público 0800 foi mencionada somente em seis propostas, já no Republicanos somente dez a ideia e no MDB a tarifa zero foi mencionada apenas em 20 propostas. O interesse de siglas de centro também foi restrito antes do último pleito, com candidatos dos partidos PSDB e PSD contabilizando 11 e 19, respectivamente.

Mas a situação parece ter mudado na disputa eleitoral deste ano. Além de um salto de 241 menções adicionais aos termos "passe livre" e "tarifa zero", a discussão cresceu "fora" da esquerda. Apesar do PT e do PSOL seguirem na liderança, com 141 e 67 citações respectivamente, o PL registrou 55, já o MDB 48 e o Republicanos 49. O maior interesse de postulantes do centro, mesmo que ainda restrito, também foi contabilizado, com o PSD registrando 44 e o PSDB, 23.

Para a professora Argelina Figueiredo, coordenadora do Vota Aí e titular do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, o despertar do interesse de outros grupos políticos pelo tema é reflexo do sucesso de experiências prévias e do aumento da demanda pela população que pensam políticas que atendem os trabalhadores.

— Na esquerda, espera-se que o candidatos vão ter esse tipo de preocupação por conta do público que eles atendem. Nas cidades, os mais pobres tendem a morar mais longe e gastam grande parte do seu orçamento com o deslocamento para o trabalho. Então, propostas como essas criam uma espécie de "reputação" para esses políticos. Na medida que elas vão atingindo demandas maiores da sociedade, elas se espraiaram para outros partidos — explica ela.

Discussão nacional

Epicentro das manifestações de 2013, o passe livre é até hoje divisor de opiniões entre especialistas e políticos, sendo adotado em apenas 135 dos 5.570 municípios do país, de acordo com um levantamento feito pela Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos (NTU). Concentradas no Sudeste, as cidades que abraçaram a proposta reúnem mais de 5,3 milhões de habitantes e atendem o público, em sua maioria (116), de modo abranger todo sistema de transporte municipal durante todos os dias de semana.

No entanto, em 64% dos casos, a tarifa zero é praticada em cidades com população menor do que 50 mil habitantes, como Brumadinho(MG), Monte Carmelo (MG), Dourado (SP) e Cantagalo (RJ). De acordo com Francisco Christovam, diretor executivo da NTU, os sistemas de tarifa zero tem funcionado "melhor" nesses municípios, que costumam operar frotas inferiores a dez ônibus.

— São cidades em que a prefeitura pode comprar os ônibus e por diretamente um funcionário público para operar o transporte, ou seja, nem tem empresa pública e nem privada para administrar esse sistema — explica ele.

Os dados da NTU mostram, no entanto, que em 75 cidades brasileiras com passe livre, a operação do transporte coletivo é realizada por consórcios privados. Essa condição se repete, principalmente, nas seis capitais brasileiras onde o tema avançou mais, sendo elas: São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC), Maceió (AL), Palmas (TO) e São Luís.

Mas o assunto também não passa por esses locais sem despertar rusgas políticas. Na capital paulista, adversários acusaram o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), de oportunismo ao anunciar o passe livre em dezembro de 2023, menos de um ano antes da disputa pela reeleição de outubro deste ano. Por meio de um programa denominado "Domingão Tarifa Zero", a prefeitura passou a adotar tarifa zero nos ônibus aos domingos e nos feriados de Natal, Ano-Novo e aniversário da cidade (25 de janeiro).

Para cobrir o que deve deixar de entrar no sistema de transportes, o orçamento aprovado em primeiro turno pela Câmara Municipal paulista previsto para este ano estimou R$ 500 milhões para o programa, com previsão de que o valor também será usado para bancar a gratuidade no transporte de idosos. Na época, o relator do projeto, o vereador Sidney Cruz (SD), chegou a esclarecer que os recursos viriam do aumento das receitas do município, e não de outros programas.

O custo foi previsto para se somar ao subsídio já pago pela prefeitura, que atingiu de janeiro a outubro do ano passado, a quantia recorde de R$ 4,9 bilhões — no mesmo período, foram R$ 4,4 bilhões transferidos do Tesouro municipal para a SPTrans, que administra o sistema de ônibus na cidade.

A proposta é vista por críticos, como o professor Vladimir Maciel, do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, como "populista" por representar um aumento desproporcional de gastos públicos, que poderiam ser direcionados a outros subsídios aos mais pobres.

— Vai ter que tirar dinheiro de outras áreas, como saúde, como educação, como infraestrutura, para conseguir cobrir estes custos dos ônibus, do transporte. Eu não sou favorável, porque não tem dinheiro sobrando, você vai ter que abrir mão de receita — diz ele.

Já em Maceió, o prefeito e candidato à reeleição João Henrique Caldas (PL) sancionou ainda em 2022 o projeto "Domingo é livre". Aliada de primeira hora do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), a gestão de JHC implementou proposta para que a população da capital pudesse acessar gratuitamente o sistema de ônibus na capital no domingo a partir do uso do cartão Vamu.

Implementado em 2014 por Washington Quaquá (PT), hoje também candidato a reeleição, a tarifa zero em Maricá abrange 140 ônibus e 42 linhas que circulam pelos quatro distritos da cidade. A cidade é mencionada como modelo por especialistas, como o pesquisador do Ipea Carlos Henrique Ribeiro, que afirma que o sistema é mais fácil implementar em cidades como "receitas extraordinárias". No município, ele explica, os recursos dos royalties do petróleo bancam a gratuidade no transporte público, que além dos ônibus, inclui também bicicletas compartilhadas.

— Agora, nas cidades em que o orçamento já está comprimido, que o caso da maior parte das capitais brasileiras, é preciso discutir novas fontes para financiar o transporte público. Essas soluções podem passar pela taxação de transportes individuais, pela cobertura das tarifas por empregadores, pela cobrança de IPTU progressivo em terrenos, por exemplo.

Em Maricá (RJ), os recursos dos royalties do petróleo bancam a gratuidade no transporte público, que além dos ônibus inclui também bicicletas compartilhadas. A Empresa Pública de Transporte, que opera o programa, tem orçamento de R$ 185 milhões, que equivale a 2,5% das despesas totais do município.

O coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, Vladimir Maciel, avalia que a gratuidade poderia ser pensada para grupos prioritários, como a população de mais baixa renda. Mas a medida, quando fica universal, pode representar um risco para o orçamento de outras áreas, afirma:

Belo Horizonte: Capital de Minas Gerais, com população de 2,3 milhões de habitantes, implementou o sistema de tarifa zero parcial (por região geográfica), frota de 39 ônibus, 12 linhas, somente para as linhas de vilas e favelas. A prefeitura seria responsável pela viabilização e fonte de custeio. Custo não é divulgado, nem o método de seleção de empresas operadoras, nem a demanda.

Florianópolis: Capital de Santa Catarina, com população de 537.213, implementou o sistema de tarifa zero em janeiro de 2021, que abrange todos os meios de transporte municipais somente no último domingo de cada mês. A prefeitura seria responsável pela viabilização e fonte de custeio. Custo não é divulgado, nem o método de seleção de empresas operadoras, nem a demanda, nem a frota, nem a quantidade de linhas e nem como a prefeitura tira dinheiro para pagar.

São Luís: Capital do Maranhão, com 1.037.775, implementou em outubro de 2021 um sistema de outubro de 2021, parcialmente por trabalhadores com o cartão do Programa Expresso Trabalhador, empresas escolhidas por licitação, frota de 5 ônibus, 4 linhas, demanda de 75 usuários por dia,

Não são disponibilizados custo total, responsável pela viabilização e fontes de custeio, quantidade de linhas

Maceió:

Palmas:

São Paulo:

Levantamento feito pelo CAED UERJ

De acordo com um levantamento feito pela Nara Salles, que usa IA para analisar os planos de governo descritos das 434 propostas disponibilizadas no site do TSE, em 2020 (última eleição municipal), o estado de São Paulo concentrou a maioria (137) dos projetos, seguido de Minas Gerais (20) e RS (36).

Por partido, os líderes são os partidos de esquerda - PSOL (98) e PT (83), enquanto partidos de direita tem menos - PL (6), MDB (20).

Já em 2024,o total de candidatos que incluem no plano de governo contabilizados são 675. São Paulo continua como o estado com a maior quantidade de candidatos que tem o passe livre como listado como proposta de governo (173) e, em seguida, é Minas Gerais (125) e PR (62).