Política

Jorge Amado, JK e Clodovil: 'vozes famosas' do Congresso discutiram teatro, política e assuntos polêmicos

Nomes com trajetória fora do Parlamento passaram por Câmara e Senado com frases marcantes e surpresa com ritos

Agência O Globo - 01/09/2024
Jorge Amado, JK e Clodovil: 'vozes famosas' do Congresso discutiram teatro, política e assuntos polêmicos
Jorge Amado, JK e Clodovil: 'vozes famosas' do Congresso discutiram teatro, política e assuntos polêmicos - Foto: Reprodução

Desde a criação do Congresso, figuras com história fora do Parlamento, como escritores, cantores e jogadores de futebol, preencheram as tribunas de Câmara e Senado levando temas diversos para a arena de debates.

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Em uma lista que reúne intelectuais e artistas populares, um dos nomes é o de Jorge Amado, um dos escritores mais conhecidos do mundo e autor de clássicos como “Gabriela, cravo e canela”. Ele foi deputado federal, eleito em 1947 pelo Partido Comunista Brasileiro, por São Paulo. Constituinte e companheiro de Carlos Marighella no plenário, defendia a cultura e fazia críticas à polícia durante seu mandato parlamentar, como essas falas feitas em 1947 e 1946.

“Poucas vezes se tem assistido em nossa pátria a um clima de tamanha violência, em que nenhum respeito se tem às liberdades asseguradas pela Constituição. Esse clima encontra o seu máximo no Estado de São Paulo, onde a polícia do Sr. Ademar de Barros vem cometendo as arbitrariedades mais atrozes, violando a cada instante a Magna Carta do país”, 1947

“Sr. Presidente, venho à tribuna para, mais uma vez, denunciar a situação crítica em que se encontra o teatro brasileiro. É inaceitável que, em pleno século XX, teatros estejam sendo demolidos ou transformados em cinemas, quando deveriam ser preservados como espaços culturais de extrema importância para a formação e a perpetuação do nosso patrimônio cultural”, 1946

Defesa do STF

Intitulado “patrono do Senado”, Ruy Barbosa também levou sua fama para além do Congresso. Ele teve cinco mandatos na Casa de 1890 a 1923 e foi deputado federal pela Bahia de 1909 a 1930. Era conhecido por longos discursos, que podiam durar até quatro horas. Em 1915, fez um pronunciamento que é citado até hoje pelas autoridades em defesa do Supremo Tribunal Federal (STF):

“O Supremo Tribunal Federal é essa instituição criada sobretudo para servir de dique, de barreira e de freio às maiorias parlamentares, para conter as expansões do espírito do partido. É essa força que diz: “Até aqui permite a Constituição que vás; daqui não permite a Constituição que passes”. Eis para que se criou o Supremo Tribunal Federal, que não tem empregos para dar, não tem tesouros para comprar dedicações, não tem soldados para invadir estados, não tem meios de firmar a sua autoridade senão no acerto das suas sentenças”

Na iminência da cassação

Após deixar a presidência em 1961, Juscelino Kubitschek foi eleito senador por Goiás e ficou no mandato até 1964. Antes de ter seus direitos políticos cassados, enquanto concorria à reeleição para o Executivo, em junho de 1964, ele fez o seguinte discurso no plenário da Casa:

"Senhor presidente, na previsão de que se confirme a cassação dos meus direitos políticos, que implicaria na cassação de meu direito de cidadão, julgo ser meu dever dirigir algumas palavras à Nação Brasileira. Faço agora para que se o ato de violência vier a consumar-se, não me veja eu privado do dever de denunciar o atentado que na minha pessoa vão sofrer as instituições livres. Este ato é um ato de usurpação, e não um ato de punição. Será um ato de traição às promessas da revolução que ofereciam a oportunidade a todos os brasileiros de colaborarem na obra comum de reconstrução do país. Muito mais do que a mim, cassam os direitos políticos do Brasil"

"Aqui parece um mercado"

Estilista e apresentador de televisão, Clodovil Hernandes foi eleito deputado federal por São Paulo em 2006. Embora tenha tido uma carreira marcada por falas ácidas, na tribuna fez pouco uso da palavra e, logo no seu primeiro pronunciamento, reclamou do decoro dos colegas.

"Digo aos senhores que a única coisa de que tenho medo --já me fizeram muito medo aqui, como estrangeiro que sou nesta Casa-- é da expressão 'decoro parlamentar'. Eu não sei o que é decoro, com um barulho destes enquanto um deputado fala. Eu não sei o que é decoro, porque aqui parece um mercado! Nós representamos o país! Não entendo por que há tanto barulho enquanto um orador está falando. Nem na televisão, que é popular, fazem isso."

Seis discursos em 13 anos

Alçado à fama pelo hit “Florentina”, o comediante Tiririca foi eleito pela primeira vez em 2010. Com o mote de campanha “Você sabe o que faz um deputado federal? Eu também não sei, vote em mim que eu te conto", foi o campeão de votos e recebeu o apoio de mais de um um milhão de eleitores. Atualmente em seu quarto mandato na Casa, ele fez apenas seis discursos em 13 anos como parlamentar, o primeiro deles foi em 2017 para dizer que estava com "vergonha" da política e, por isso, abandonaria a vida pública, o que não aconteceu.

“Subo a esta tribuna pela primeira vez e pela última vez, não por morte, mas porque estou abandonando a vida pública - já dei meu depoimento em entrevista. Quero falar um pouco do que vi aqui e pedir aos colegas de trabalho que olhem um pouco para o nosso país. Vamos esquecer um pouco as brigas, vamos esquecer um pouco o ego, e olhar para o nosso povo. O povo de que eu falo é aquele povo que necessita de saúde. Tenho certeza de que nenhum de V.Exas. passou por isso. Sabemos que todos nós ganhamos bem para trabalhar, mas nem todos trabalham. São 513 Deputados, e só oito são mais assíduos. Eu sou um dos oito, um palhaço de circo de profissão”

Poucas falas, uma delas contra Dilma

O cantor sertanejo Sérgio Reis foi eleito deputado federal em 2014, puxado pela votação expressiva do seu colega de partido na época, Celso Russomanno. O autor de “Pinga Ni Mim”, que acabou se tornando um grande apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro, também pouco discursou em seu período na Câmara dos Deputados — três vezes, segundo os arquivos da Casa. Um desses pronunciamentos foi uma breve fala a favor do impechment da ex-presidente Dilma Rousseff.

“Senhor Presidente, todos aqui presentes, eu acho que neste plenário não tem ninguém que conheça o Brasil como eu. São 58 anos de carreira, em todas as cidades e todos Estados fui recebido com muito carinho. Vi muitas coisas tristes. Perguntaram a mim: ‘O que você vai fazer lá em Brasília?’. Eu disse: ‘Vou dedicar 4 anos da minha vida ao meu povo. Hoje é um momento importante para mim, porque nós precisamos mudar esse estágio. Não é possível que nós tenhamos 10 milhões de desempregados, o povo morrendo nos hospitais e ninguém faz nada. Meu voto é sim, pelo PRB”

Política e esporte se misturam

Craque da Copa do Mundo de 1994, Romário (PL-RJ) colocou sua voz no Congresso a partir de 2011, quando assumiu o mandato como um dos deputados federais mais bem votados pelo Rio. O ex-atacante de Vasco, Flamengo, Barcelona e seleção brasileira encerrou a carreira nos campos e se consolidou na política — hoje está no segundo mandato de senador. Os discursos no Congresso falam de esporte, mas também permeiam outros assuntos, como saúde e direito de pessoas com doenças raras. Mais recentemente, foi um dos grandes defensores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Futebol.

"Sempre é importante ressaltar que, além de um ativo imagético e simbólico do nosso país, em escala mundial, o futebol representa um segmento importante de nossa economia. São dezenas de milhares de empregos diretos e outros tantos indiretos, e teria potencial para muito mais, não fossem problemas estruturais como esse, que afeta centralmente a credibilidade do jogo. Temos, portanto, senhor presidente, meus caros amigos e amigas, senadores e senadoras, o dever de investigar a fundo a prática já confirmada desses crimes, com a prerrogativa de um inquérito parlamentar"