Política

O mercado do voto: preço dobra de R$300 para R$600 nos grotões e periferia

Redação 25/08/2024
O mercado do voto: preço dobra de R$300 para R$600 nos grotões e periferia

A corrupção eleitoral em Alagoas, especialmente no interior e no sertão, tem se mostrado uma prática arraigada e profundamente enraizada na cultura política local. O fenômeno, longe de ser uma novidade, vem ganhando novos contornos a cada ciclo eleitoral, com o voto se transformando em uma mercadoria de valor oscilante, como se fosse uma simples transação comercial. Na eleição municipal de 2020, por exemplo, o preço do voto chegou a custar R$300, mas, para o pleito deste ano, as exigências financeiras aumentaram, e há registros de eleitores demandando até R$600 em troca de seu sufrágio.


O preço da democracia


A compra de votos, crime previsto no artigo 299 do Código Eleitoral brasileiro, é apenas uma das muitas faces da corrupção que aflige o processo democrático no Brasil. Em Alagoas, essa prática parece ter se sofisticado, atingindo valores e complexidades que afugentam bons candidatos das urnas. Aqueles que não possuem os recursos financeiros necessários para competir nesse mercado paralelo acabam se retirando da disputa, cientes de que a chance de sucesso é ínfima sem a compra do apoio popular. “Quem se arriscar com menos [de R$600] perderá o dinheiro e o voto”, confidenciou um observador local.

O relato de um eleitor que se recusou a vender seu voto por R$100, perguntando ao candidato se ele estava de “esmola” e dizendo que essa quantia “não dava nem pra comprar uma pipoca”, é apenas um exemplo da banalização e do cinismo com que o processo eleitoral é tratado em algumas regiões. A lógica perversa por trás dessas negociações coloca em xeque a legitimidade das eleições e compromete o futuro da gestão pública, pois os eleitos dessa forma dificilmente terão compromisso com o bem-estar coletivo, focando apenas em recuperar o investimento feito.

A corrupção eleitoral e suas consequências


O crime de corrupção eleitoral, conforme descrito pelo Código Eleitoral, é configurado tanto pela compra quanto pela venda de votos, sendo ambos os atos puníveis com até quatro anos de prisão e multa. Além disso, o candidato envolvido pode ter o registro ou diploma cassados, o que, na prática, não parece inibir a continuidade dessa prática criminosa. A realidade é que muitos eleitores e candidatos veem o ato de comprar e vender votos como parte inerente do jogo político, um mal necessário para alcançar ou manter o poder.

Os impactos dessa prática vão além do momento eleitoral, perpetuando um ciclo de pobreza e subdesenvolvimento. Quando um eleitor vende seu voto, ele está, na verdade, trocando sua chance de exigir políticas públicas eficientes por um benefício imediato e de curto prazo. Como bem observou o cientista político Emmanuel Girão: “Quem vende o voto, sabe que nos próximos quatro anos não vai poder exigir muito do seu político, porque se você deu voto em troca de alguma coisa, de necessidade imediata, então você abriu mão de um político que vai fazer um trabalho sério, que vai adotar políticas públicas para atender as necessidades da população”.

A perpetuação do clientelismo

A prática da compra de votos não se resume à simples distribuição de dinheiro. Ela é também marcada por um forte clientelismo, onde favores, serviços e bens são oferecidos em troca de apoio eleitoral. Em Alagoas, é comum que a compra de votos se misture a práticas como a oferta de consultas médicas, exames, cirurgias e até mesmo a construção de cisternas ou a entrega de caixas d'água, principalmente em áreas onde a pobreza e a precariedade dos serviços públicos são mais evidentes.

A situação se agrava quando esses favores são concedidos em troca de um voto, muitas vezes atendendo a necessidades que deveriam ser garantidas pelo Estado de forma universal e equitativa. “O serviço público deve ser universal e ter regras claras de quem será atendido”, critica Girão, destacando que a manipulação do acesso a esses serviços em troca de votos é uma das formas mais perversas de compra de apoio político.

O poder paralelo nas eleições


A operação de compra de votos em Alagoas envolve uma estrutura complexa e bem organizada, com a participação de cabos eleitorais, intermediários e até mesmo grupos que atuam de forma mais direta, utilizando-se de ameaças ou promessas de benefícios futuros. Casos recentes, como o de um candidato a vereador que ofereceu a realização de uma cirurgia em uma criança em troca dos votos dos pais, ilustram o quanto essa prática pode ser desumana e desprovida de qualquer ética.

Não é incomum que candidatos utilizem recursos públicos para financiar suas campanhas, prometendo aumentos salariais ou distribuindo bens e serviços adquiridos com o dinheiro do erário. Em uma operação recente, foi descoberto que um grupo usava cartões de benefícios sociais e salários de servidores municipais como moeda de troca nas eleições. Essa prática não apenas desvia recursos que deveriam ser utilizados para o bem comum, mas também reforça a dependência da população em relação a esses políticos corruptos.

A ilusão da mudança


Apesar das operações policiais e das ações judiciais que visam combater a compra de votos, a verdade é que a prática continua a prosperar em Alagoas, alimentada por um sistema que parece incapaz de se reformar. A estrutura política que permite a perpetuação dessas práticas clientelistas e corruptas parece imutável, enquanto os eleitores, que muitas vezes veem o voto como uma mercadoria, continuam a ser explorados por candidatos sem escrúpulos.

O custo real dessa corrupção não se mede apenas pelo valor pago por um voto, mas pelas oportunidades perdidas de desenvolvimento, pela perpetuação da miséria e pela falência do sistema democrático. Enquanto a compra de votos continuar a ser uma prática comum em Alagoas, a verdadeira mudança continuará a ser apenas uma promessa vazia, e a política permanecerá nas mãos de quem pode pagar por ela.