Internacional
Zelensky aprovou plano para explodir gasodutos Nord Stream, mas tentou cancelar após alerta dos EUA, diz jornal
Wall Street Journal afirma que comandante-em-chefe Valeri Zaluzhnyi ignorou ordem de presidente ucraniano, dando prosseguimento e alterando detalhes do plano original

"A coisa toda nasceu de uma noite de bebedeira pesada e da determinação férrea de um punhado de pessoas que tiveram a coragem de arriscar suas vidas por seu país", descreveu um oficial ucraniano supostamente envolvido na explosão dos gasodutos Nord Stream, em 2022. A operação, que levantou diversas especulações sobre os responsáveis e uma intensa troca de acusações, além de piorar a crise energética na Europa, teria contado com uma pequena tripulação de seis membros e um iate alugado — tudo isso sob o conhecimento e aval do presidente Volodymyr Zelensky, segundo o jornal americano Wall Street Journal.
Incursão a Kursk: Exército da Ucrânia anuncia criação de escritório administrativo em solo russo um dia após ataque a aeródromos
Guerra na Ucrânia: Saiba quais armas dos EUA e aliados podem estar em uso por Kiev em incursão na Rússia
A explosão e os momentos que a antecederam foram reconstruídos pelo jornal americano. A reportagem, publicada na quarta-feira, contou que Zelensky aprovou o plano, de acordo com um oficial que participou da ação e três pessoas familiarizadas com ela. No mês seguinte, a agência de inteligência militar holandesa MIVD tomou conhecimento da trama e alertou Agência Central de Inteligência (CIA) americana, informaram pessoas familiarizadas com um relatório holandês. Autoridades americanas disseram ao jornal que alertaram o Gabinete do presidente para que abortasse a missão.
Zelensky acatou o pedido e deu a ordem de parada ao comandante-em-chefe Valeri Zalujniy que, segundo autoridades e oficiais ucranianos, bem como autoridades de inteligência ocidentais, ignorou. O plano foi modificado pela equipe de Zalujniy, e um outro general responsável por supervisionar a missão convocou alguns dos principais oficiais de operações especiais da Ucrânia com experiência em planejar missões clandestinas de alto risco contra a Rússia para ajudar.
Procurado pelo WSJ, Zalujniy disse por mensagem que não sabe sobre tal operação e que qualquer sugestão contrária é uma "mera provocação". O general, que atualmente atua como embaixador da Ucrânia no Reino Unido, argumentou ainda que as Forças Armadas ucranianas não estavam autorizadas a conduzir missões no exterior e que, por isso, ele não estaria envolvido. O posto garante imunidade de acusação. Um alto funcionário do serviço de inteligência ucraniano também negou que o governo tivesse algo a ver com a explosão e disse que o presidente ucraniano "não aprovou a implementação de tais ações no território de países terceiros e não emitiu ordens relevantes".
'Mistério': Entenda as várias teorias por trás dos vazamentos nos gasodutos Nord Stream
O esquema foi montado em uma noite de bebedeira entre alguns militares e empresários ucranianos cerca de quatro meses antes do ataque, em 26 de setembro, e teria custado cerca de US$ 300 mil, segundo pessoas envolvidas na ação. Entre os que participaram da explosão está uma mulher na faixa dos 30 anos, escolhida a dedo por suas habilidades, mas também para criar a ilusão de um grupo de amigos em um momento de lazer. Todos os arranjos foram feitos verbalmente, sem deixar rastros.
O WSJ disse que conversou com quatro altos funcionários de defesa e segurança que participaram ou tiveram conhecimento direto da ação. Para eles, os gasodutos que ligam o território russo ao alemão sob o Mar Báltico eram um alvo legítimo na guerra. O jornal também afirmou que partes dos seus relatos foram corroboradas por uma investigação policial alemã que corre há quase dois anos. O inquérito não vinculou Zelensky à operação.
A Alemanha emitiu em junho um mandado de prisão contra um instrutor de mergulho ucraniano que supostamente fazia parte da equipe ligada à explosão, informou a imprensa local na quarta-feira. Agora, a investigação se concentra no general e seus assessores, informaram ao WSJ pessoas familiarizadas com a investigação, embora ainda não haja evidências que possam ser apresentadas ao tribunal.
Na época da explosão, a Rússia culpou os EUA, o Reino Unido e a Ucrânia pela explosão. Já as autoridades europeias consideraram o envolvimento de Moscou. Com a aproximação do inverno daquele ano, parecia que o Kremlin queria estrangular o fornecimento de energia na Europa, em uma espécie de “chantagem”, segundo alguns líderes ocidentais, para intimidar os países europeus a retirarem seu apoio financeiro e militar à Ucrânia e evitar novas sanções.
Recuo de Zelensky não surte efeito
Com 1.120 km de extensão e a 80 metros abaixo da superfície do mar, os gasodutos Nord Stream 1 e 2 foram rompidos após uma série de explosões em setembro de 2022. Segundo o WSJ, após a conversa, ficou decidido que os empresários financiariam e ajudariam a executar o projeto, uma vez que o Exército ucraniano (cada vez mais dependente do financiamento estrangeiro) não tinha fundos. Já um general em exercício com experiência em operações especiais ficaria responsável por supervisionar a missão e se reportaria diretamente a Zalujniy. Um participante chegou a descrever ao jornal a operação como uma "parceria público-privada".
Zelensky aprovou o plano em poucos dias. Meses depois, a agência de inteligência militar da Holanda tomou conhecimento e reportou o caso à CIA, que prontamente informou a Alemanha, segundo autoridades americanas e alemães. O Gabinete de Zelensky também foi informado da operação por seus principais aliados, e o presidente chegou a ordenar a Zalujniy que a missão fosse abortada. A ordem não foi acatada, e o general prosseguiu com a ação, com sua equipe fazendo alterações no plano original.
Fontes ouvidas pelo WSJ contam que após a ação o presidente repreendeu o então comandante-em-chefe, que ignorou as críticas, explicando que a equipe de sabotagem, uma vez despachada, ficou incomunicável e não poderia ser chamada de voltada porque qualquer contato poderia comprometer a ação.
— Disseram a ele [Zelensky] que era como um torpedo: depois que você dispara contra o inimigo, não consegue mais puxá-lo de volta, ele continua disparando até fazer 'bum' — contou um oficial sênior ao jornal americano.
Em junho passado, o jornal americano Washington Post havia informado que o governo americano sabia do ataque que estava sendo planejado pelo grupo ucraniano. Meses antes, informações de inteligência analisada pelos EUA e citadas pelo New York Times sugeriram a participação de um grupo pró-ucraniano. Mas, em ambas as reportagens, eles pontuam que não havia envolvimento de Zelensky.
No relatório divulgado pelo WP, há a informação de que os envolvidos se reportavam ao general Zalujnyi, mas que ele teria sido colocado no comando da operação para que Zelensky não soubesse de detalhes. O documento afirmou que a operação militar ucraniana foi "suspensa", por motivos que permaneciam obscuros. Na mesma época, Zelensky insistiu que Kiev não sabia nada sobre qualquer plano para explodir os gasodutos.
No início deste ano, o presidente ucraniano demitiu Zalujniy de seu posto militar, afirmando que uma reformulação era necessária para reiniciar o esforço de guerra, que entrava numa fase de atrito.
Uma bandeira ucraniana
O general designado para supervisionar a operação convocou alguns dos principais oficiais experientes em missões clandestinas para ajudar a a coordenar o ataque. Um deles foi Roman Chervinsky, um coronel condecorado que serviu anteriormente no Serviço de Segurança da Ucrânia (SUB), segundo o WSJ. O coronel está atualmente em julgamento na Ucrânia, mas por outras acusações. Foi libertado após pagamento de fiança em julho após ficar preso por mais de um ano.
Segundo pessoas familiarizadas com o plano, o coronel condecorado e a equipe de sabotagem descartaram um plano antigo, elaborado pela inteligência ucraniana e por especialistas ocidentais após a invasão russa à Crimeia, em 2014, optando por usar um pequeno veleiro e uma equipe de seis pessoas, que misturavam soldados experientes da ativa — entre eles, um oficial militar em serviço, que estava lutando na guerra, segundo fontes familiarizadas com a investigação alemã — e civis com experiência marítima. Eles alugaram um iate chamado Andromeda na cidade portuária de Rostock, na Alemanha.
Entenda: Quais são as opções da Europa se a Rússia interromper o fornecimento de gás?
O aluguel foi feito com a ajuda de uma agência de viagens polonesa, segundo as fontes ucranianas e alemãs, criada pela inteligência ucraniana há quase uma década como cobertura para transações financeiras. Sobre o militar da ativa, o jornal explicou que ele lutava na frente de batalha, no sudoeste da Ucrânia, e tirou uma breve licença. Seu comandante não foi informado sobre o que aconteceu, segundo duas fontes ucranianas familiarizadas com o plano.
A tripulação partiu munida com equipamento de mergulho, navegação por satélite, um sonar portátil e mapas de código aberto do fundo do mar que mapeavam a posição dos gasodutos. Segundo fontes alemães, os mergulhadores trabalharam em duplas, em meio às águas escuras e geladas. Eles usaram um explosivo poderoso conhecido como HMX, que era conectado a detonadores controlados por temporizador e, com uma pequena quantidade, já seria suficiente para danificar as estruturas.
O tempo no dia da operação não estava muito favorável, forçando a tripulação a fazer uma parada não planejada no porto sueco de Sandhamn. Eles discutiram brevemente se abortariam ou não a missão, mas a tempestade diminuiu. Testemunhas em outros iates atracados no porto contaram que o Andromeda era o único barco com uma pequena bandeira ucraniana hasteada, informou o jornal americano.
Cláusula de defesa da Otan
A tripulação foi descuidada com o apagamento de evidências, deixando no Andromeda vestígios de explosivos, impressões digitais e amostras de DNA da tripulação. Mais tarde, os investigadores alemães identificaram os números de celular dos participantes via satélite, o que permitiria que eles reconstruíssem todo o trajeto do iate, que atracou na Alemanha, Dinamarca, Suécia e Polônia. Um funcionário polonês suspeitou da tripulação no iate e chegou a alertar a polícia. Eles apresentaram passaportes da União Europeia, segundo fontes alemães, e foram autorizados a continuar a viagem.
Eles também analisaram todo o tráfego de celulares nas áreas onde o Andromeda foi localizado. Foi com surpresa que os investigadores observaram que, apesar do porto de Sandhamn estar quase vazio no momento em que o iate estava parado durante a tempestade, milhares de celulares alemães estavam ativos no local. Descobriu-se mais tarde que um cruzeiro turístico passou por ali e os celulares se conectaram brevemente à antena de celular local.
As autoridades ucranianas que conversaram com o WSJ afirmam que seria impossível levar qualquer um desses oficiais a julgamento, porque não há evidências concretas além de conversas entre altos funcionários. Uma das pessoas familiarizadas com a investigação alemã disse que o ataque aos gasodutos seria "razão suficiente para acionar a cláusula de defesa coletiva da [Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), mas nossa infraestrutura crítica foi explodida por um país que apoiamos com enormes remessas de armas e bilhões em dinheiro".
Mais lidas
-
1CIDADE EM COMOÇÃO
OAB de Palmeira cobra apuração rigorosa da morte de Lincoln Gabriel
-
2FLAGRANTE
Imagens mostram viatura da PM imprensando menor em meio fio; veja vídeo de câmeras de segurança
-
3CIDADE EM CHOQUE
Morte de Lincoln Gabriel: vídeos mostram possibilidade de execução do menor
-
4COVARDIA
"Meu filho levou um tiro pelas costas": pai de Lincoln Gabriel exige justiça e contesta versão da PM
-
5TRAGÉDIA
Polícia é acusada nas redes sociais de executar menor em Palmeira dos Índios durante perseguição