Internacional

Parlamento da Venezuela adia votação que mira ONGs e anuncia consulta pública para punir 'fascismo' nas redes sociais

Organizações de direitos humanos internacionais acusam projetos de 'minar o espaço cívico' no país em meio à escalada da repressão

Agência O Globo - 14/08/2024
Parlamento da Venezuela adia votação que mira ONGs e anuncia consulta pública para punir 'fascismo' nas redes sociais

A Assembleia Nacional da Venezuela, de maioria chavista, suspendeu nesta terça-feira a votação do projeto de lei que busca controlar as ONGs do país, acusado de "minar o espaço cívico" por organizações de direitos humanos. Com menos de 1h de sessão e 19 artigos já aprovados, a sessão foi subitamente adiada devido a divergências sobre um trecho. Na quarta-feira, o Parlamento iniciará a consulta pública sobre a também controversa proposta para acabar com o "fascismo" nas redes sociais, principal meio de comunicação usado pela oposição para falar com a sua base.

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A regulamentação das ONGs é a primeira lei que a Assembleia Nacional busca aprovar, de acordo com seu presidente, Jorge Rodríguez, para "impor o respeito ao resultado eleitoral" em meio a alegações de fraude na reeleição do presidente Nicolás Maduro, proclamada em 28 de julho. O movimento acendeu o alerta da comunidade internacional, que teme o recrudescimento da repressão no país.

O projeto foi discutido pela primeira vez no ano passado e estava parado desde maio. Diversas organizações denunciam que, na época em que esteve aberto para consulta pública, vozes dissidentes foram impedidas de se manifestar. As propostas incluem a proibição de doações de entidades políticas, de participar de atividades de partidos e de promover o fascismo, a intolerância e o ódio.

O projeto, cujo conteúdo não foi divulgado na íntegra, já passou por diversas modificações. Desta vez, deputados chavistas pediram alterações em um artigo que versa sobre os motivos que podem levar à dissolução de uma ONG. Não está certo quando o tema retornará à pauta, mas a sua aprovação é considerada certa, tendo em vista que, dos 277 deputados na Assembleia Nacional, 256 são governistas.

Na região, há regulamentações semelhantes em Cuba, Nicarágua, Guatemala e Bolívia.

Derrocada democrática

Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), "essa lei restringiria arbitrariamente o direito de associação, a liberdade de expressão e a participação pública, em um contexto de fechamento do espaço cívico", destacando, em uma publicação no X, que "o trabalho dos defensores dos direitos humanos é fundamental para a reconstrução de uma sociedade democrática".

Por sua vez, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, pediu que a lei não fosse aprovada afirmando que a sua adoção "prejudica o espaço cívico e democrático".

A crise escalou no país desde que Maduro foi proclamado vencedor pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) com 52% dos votos, sem a divulgação dos boletins das urnas que comprovariam o resultado. A vitória foi contestada pela oposição, liderada por María Corina Machado, que reivindica a eleição do seu candidato, o diplomata Edmundo González Urrutia. Uma onda de protestos tomou o país na esteira dos acontecimentos, com ao menos 25 mortos, 192 feridos e mais de 2.500 presos até o momento.

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Caçada às redes sociais

Enquanto são feitas alterações na proposta das ONGs, Diosdado Cabello, vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), anunciou que a consulta pública sobre o pacote para regular as redes sociais e punir o "fascismo" — termo frequentemente atribuído a dissidentes — será iniciado nesta quarta-feira. Um dos caciques do chavismo, Cabello afirmou ser necessário discutir a legislação o mais rápido possível para conter a oposição que, segundo ele, está promovendo "atos terroristas e ódio profundo".

— Se você não é fascista, não se preocupe, se você não é neofascista, não se preocupe — disse Cabello.

A lei antifascismo propõe a punição a quem promova reuniões ou manifestações que, na visão do regime, façam "apologia ao fascismo", além da ilegalização de partidos políticos e multas de até US$ 100 mil dólares para empresas, organizações ou meios de comunicação que financiem atividades ou divulguem informações que "incitem o fascismo".

A discussão acontece no momento em que a rede social X, antigo Twitter, está suspensa temporariamente no país após um embate entre Maduro e o proprietário da plataforma, o bilionário Elon Musk. O mandatário venezuelano também promovendo um boicote ao WhatsApp, e já alegou ser necessário que a nação caribenha tenha suas próprias redes sociais.

O presidente da Assembleia Nacional propôs que "elementos relacionados a semear o ódio nas redes sociais" sejam incorporados à lei já existente de "crime de ódio", amplamente usada contra opositores, puníveis com até 20 anos de prisão.