Internacional

Irã está perto de enviar mísseis balísticos para a Rússia, afirmam serviços de inteligência

Acordo foi firmado em dezembro do ano passado e já foi alvo de ameaças do Ocidente; Putin se reúne com Abbas e critica 'desrespeito' a decisões da ONU

Agência O Globo - 13/08/2024
Irã está perto de enviar mísseis balísticos para a Rússia, afirmam serviços de inteligência

Em meio aos temores de uma retaliação ao assassinato do líder político do grupo terrorista Hamas em Teerã, atribuído a Israel, o Irã pode estar perto de concretizar a transferência de sistemas de mísseis balísticos para a Rússia, onde serão usados na guerra na Ucrânia. Os iranianos negam o envio das armas, mas fontes de inteligência sinalizam que os russos já estão realizando treinamentos para usá-las.

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De acordo com a agência Reuters, citando fontes de governos europeus, dezenas de militares vindos da Rússia estão no Irã se ambientando ao sistema Fath-360, com alcance de 120km, e por vezes comparado ao sistema Himars, fornecido pelo Ocidente aos ucranianos para atingir alvos a média distância. Hoje, os russos utilizam prioritariamente o Iskander-M, um sistema que tem alcance maior do que o Fath-360, mas que é de difícil operação e pouca mobilidade. Em junho do ano passado, a agência Tasnim afirmou que um modelo de treinamento do Fath-360 havia sido testado com sucesso pela Guarda Revolucionária.

Um funcionário do governo iraniano, em anonimato, confirmou que o Irã vendeu armas e mísseis à Rússia, mas negou os relatos sobre o sistema Fath-360. Um outro sistema, desenvolvido por uma empresa iraniana, a Abibal, também estaria no “pacote”. O envio dos equipamentos, segundo fontes de inteligência, seria "iminente".

— O Irã e a Rússia se envolvem na compra mútua de peças e equipamentos militares. Como cada país usa esse equipamento é uma decisão inteiramente deles — disse o funcionário, repetindo a versão oficial de Teerã de que o país não fornece armas para uso na guerra na Ucrânia, apesar de evidências no terreno mostrarem o contrário.

Contudo, ele também destacou que “como cada país usa esse equipamento é inteiramente uma decisão dele”.

Até o momento, o apoio iraniano aos russos na frente de batalha na Ucrânia se resumia aos drones do tipo Shahed, que provocaram estragos e mortes em dezenas de cidades, e que já são produzidos dentro da Rússia. Mas em dezembro do ano passado, afirmou a Reuters, os dois lados firmaram um acordo para o fornecimento de munições, mísseis balísticos e ogivas — para Moscou, o apoio de parceiros externos, como o Irã e a Coreia do Norte, tem sido essencial para manter a ofensiva contra Kiev e para dar espaço à indústria militar interna para fortalecer seus próprios arsenais.

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Desde o surgimento, no começo do ano, das informações sobre a possível transferência, que poderia acontecer “em breve”, países do Ocidente têm advertido Teerã para que suspenda sua cooperação militar com Moscou. Em abril, os líderes do G7, grupo de sete das maiores economias do mundo, afirmaram, em comunicado, que o repasse “representaria uma escalada material substantiva do apoio à Rússia na guerra na Ucrânia”. No texto, os países dizem ainda que “estão preparados para responder, de forma direta e coordenada, incluindo com novas e significativas sanções contra o Irã”.

'Comportamento desestabilizador'

Na segunda-feira, o Departamento de Estado dos EUA voltou a criticar o Irã sobre os planos de enviar armamentos para a Rússia.

— Temos alertado sobre o aprofundamento da parceria de segurança entre a Rússia e o Irã desde o início da invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia. Essa parceria ameaça a segurança europeia e ilustra como a influência desestabilizadora do Irã alcança além do Oriente Médio e ao redor do mundo — disse Vedant Patel, vice-porta-voz do Departamento de Estado. — Essa transferência de mísseis, se os relatórios forem precisos, é mais uma evidência ou uma continuação do comportamento desestabilizador do Irã.

Os relatos sobre a transferência de mísseis e a presença de militares russos no Irã surgem em meio à expectativa por uma retaliação militar do Irã a Israel, cerca de duas semanas depois do assassinato de Ismail Haniyeh, líder político do Hamas, em Teerã. Em abril, após o bombardeio do consulado do Irã em Damasco, que matou oito oficiais da Guarda Revolucionária, os iranianos lançaram centenas de mísseis e drones contra Israel, interceptados em sua maioria pelos sistemas de defesa aérea locais e com o apoio de aliados.

Agora, as autoridades militares de Israel estão novamente em alerta máximo para um ataque que, segundo a Casa Branca, poderia acontecer “ainda nesta semana”. Ao mesmo tempo, países ocidentais e da região tentam convencer o Irã a evitar uma ação de grande porte, apontando para o risco de uma guerra generalizada e e também para dar tempo às conversas sobre um cessar-fogo em Gaza, previstas para ser retomadas na quinta-feira.

Integrantes do governo iraniano afirmaram à Reuters, nesta terça-feira, que apenas o fim dos combates no enclave palestino poderia atrasar ou amenizar a resposta de Teerã, considerada “inevitável” pelo regime. Na segunda-feira, líderes dos EUA, Reino Unido, França, Alemanha e Itália emitiram um comunicado no qual apelam ao Irã “para que recue em suas ameaças contínuas de um ataque militar contra Israel e discuta as sérias consequências para a segurança regional caso tal ocorra”. O pedido, foi, ao menos publicamente, rejeitado.

— A República Islâmica está determinada a defender a sua soberania (…) e não pede autorização de ninguém para usar os seus direitos legítimos — disse Naser Kanani, porta-voz da Chancelaria iraniana, em declarações à imprensa nesta terça-feira.

Sem exercer um papel direto nas conversas sobre Gaza, mas com canais de diálogo abertos com todos os lados do conflito, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se encontrou nesta terça-feira com o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, em Moscou.

— Todos sabemos que a Rússia hoje, infelizmente, deve defender os seus interesses e defender o seu povo com armas nas mãos. Mas o que está acontecendo no Oriente Médio, o que acontece na Palestina, claro, não passa despercebido da nossa parte — disse Putin. — Temos laços profundos e de longa data com o mundo árabe em geral, com a Palestina em particular, e valorizamos muito isso.

Desde o início da guerra, Moscou tem recebido delegações da ANP e do Hamas, grupo que não considera terroristas. Na conversa, Putin afirmou que a crise no Oriente Médio, em especial entre Israel e Palestina, se deve “ao desrespeito anteriormente adotado a nível de organizações internacionais, especialmente ao nível da ONU, decisões com a formação e criação de um estado palestino independente”.

Abbas, por sua vez, citou uma decisão recente do Tribunal Penal Internacional, que declarou os assentamentos judaicos na Cisjordânia ilegais, e disse que o Conselho de Segurança da ONU precisa aplicar essa ordem e impedir a expansão da presença dos colonos israelenses.

— Sentimos que a Rússia é a mais querida, uma das amigas mais queridas do povo palestino. E, como disse no início da reunião, esperamos que o povo palestino também receba o seu próprio Estado — concluiu Abbas.