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Machismo, solidão e drogas: a história de Anita Pallenberg, a mulher que conheceu a glória e a tragédia junto aos Rolling Stones

Modelo e atriz namorou com Brian Jones e Mick Jagger e casou-se com Keith Richards; documentário destaca sua contribuição para a banda, o vício e a volta por cima no fim da vida

Agência O Globo - 07/08/2024
Machismo, solidão e drogas: a história de Anita Pallenberg, a mulher que conheceu a glória e a tragédia junto aos Rolling Stones
A história de Anita Pallenberg, a mulher que conheceu a glória e a tragédia junto aos Rolling Stones - Foto: Reprodução

O mundo da arte tem o mito da musa, a mulher que inspira artistas, e o mundo do rock tinha o da groupie , a jovem fã deslumbrada pelo brilho das estrelas. Euterpe era a musa dos músicos, uma das nove que Hesíodo descreveu. E Anita Pallenberg, modelo e atriz, que foi vista igualmente como musa e groupie dos Rolling Stones em seus anos mais selvagens. Em 1965, entrou furtivamente no camarim da banda durante um concerto em Munique e não os deixou durante mais de uma década, durante a qual trouxe uma certa sofisticação à imagem da banda.

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Pallenberg teve um relacionamento tóxico com Brian Jones, que terminou antes de o guitarrista se afogar na piscina dela em 1969; teve namoros com Mick Jagger e acabou casada com Keith Richards, com quem teve três filhos, um dos quais morreu com dez semanas de idade. Ela esteve com os Stones em seus exílios: em Nice, onde se refugiaram do tesouro britânico, e na Suíça, para onde fugiram após problemas por apreensão de heroína; mais tarde, eles foram presos pelo mesmo motivo em Toronto. Ela acompanhou a banda, e isso foi muito. Então Pallenberg teve um caso com um menino que cometeu suicídio em sua cama. Depois de tanta tragédia, foi abandonada por todos e acabou pedindo uma próxima dose. E, quando o mundo parecia tê-la esquecido, Anita se reabilitou e, há alguns anos, voltou a saborear a glória.

O documentário "Catching fire: the story of Anita Pallenberg" , que estreou em Cannes no ano passado e agora está no streaming (no exterior, está em canais como Amazon Prime, Movistar+ e Apple TV, mas ainda não está disponível no Brasil), revê a vida de Anita a partir de arquivos pessoais, especialmente o texto autobiográfico, intitulado "Black magic" , que seus filhos encontraram após sua morte, em 2017. Este livro permaneceu inédito e aqui é dublado por Scarlett Johanson.

Além disso, participam do documentário seus dois filhos, Marlon e Angela, alguns amigos e colaboradores. Ouvimos como locutor o próprio Richards , que continuou a considerá-la a mulher de sua vida muito depois de sua separação. Há um bom material gravado naqueles anos loucos. O tom do documentário não é moralista, e tenta prestar atenção no quanto ela contribuiu para a lendária banda de rock and roll. Na verdade, é ela mesma quem às vezes se julga com severidade. Mas também diz : “Não preciso acertar contas com o passado”.

Nascida em Roma em plena Segunda Guerra Mundial, de uma família de origem alemã da qual nunca falou, era uma jovem de beleza irresistível e exalava uma imagem de frescor e naturalidade que lhe abriu muitas portas. Nem em sua autobiografia Anita se refere muito aos pais, que um amigo de infância aponta como muito conservadores, o que destoava de sua vontade de mergulhar na cena pop. Aos 20 anos estabeleceu-se em Nova York, onde conviveu com Andy Warhol, Allen Ginsberg e Jasper Johns. Chega às passarelas e revistas, embora dissesse que nunca se viu como modelo profissional. Participa de um filme de ficção científica com Jane Fonda, "Barbarella" (1968). E, em Munique, convida Brian Jones, então considerado o mais cool dos Stones, para fumar um baseado.

Mas o relacionamento deu errado: Jones era impulsivo e violento, e a maltratava. Um dia, atacada por ele durante a passagem da banda pelo Marrocos, Richards interferiu e a levou embora. Anita foi sua parceira a partir de então, e Jagger nunca parou de flertar com ela. Ela não confirma até onde foi o assédio do cantor, além do fato de terem filmado juntos um longa, "Performance" (1970), que contou com uma cena tórrida entre eles. É claro que a competitividade interna entre os Stones se estendia às suas conquistas sexuais.

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Richards não se sai tão mal quanto Jones na história, mas também não se sai bem. No início, ele foi protetor com Pallenberg, embora excessivamente possessivo, porque a pressionou a parar de trabalhar. Eles compartilhavam vícios. Tudo desmoronou após a morte súbita da pequena Tara, em 1976. As imagens do guitarrista tocando com os Stones em Paris na mesma noite são muito marcantes: ao saber da perda, ele insistiu em subir ao palco. O show tinha que continuar, lema mantido pela banda há seis décadas.

Deprimida e sentindo-se culpada pelo que consumiu durante a gravidez, Anita ficou em Nova York com o filho mais velho; Richards levou a mais nova para a casa da avó paterna, na Inglaterra. O guitarrista raramente aparecia em casa e se refugiou na carreira. O menino, Marlon, estava no dia em que Scott Cantrell , uma relação casual de sua mãe, de 17 anos, se matou com um tiro em sua casa: segundo a versão oficial, ele morreu jogando roleta russa após assistir ao filme "O franco atirador" (1978). Marlon ajudou a limpar o quarto de vestígios de substâncias ilegais, como seus pais lhe ensinaram, acompanhou a mãe até a chegada da polícia e depois disso também saiu do lado dela. Anita, sozinha e arrasada, passou pelo seu pior período. Ela conta que chegou a roubar drogas de amigos, a vagar pelas ruas mais sórdidas em busca de algo para se entorpecer. Que se via como fonte de morte e destruição.

A trama é muito amarga, mas termina com uma breve história de redenção. Anita conseguiu se reabilitar e reaparecer na moda e no cinema como uma mulher madura. Seu glamour brilha novamente, inspirando modelos mais jovens como Kate Moss, de quem se torna amiga, e Sienna Miller. Um de seus últimos trabalhos foi interpretar a Rainha Elizabeth II na comédia "Mister Lonely" (2007). Ela recupera o relacionamento com os filhos, ainda que ambos a chamem hoje de Anita, da mesma forma que se referem a Keith Richards pelo nome.

Anita Pallenberg esteve no centro do que se passava em alguns anos vertiginosos, tão memoráveis ​​para a música como devastadores para algumas das suas figuras. Uma mulher livre e hedonista cercada por machos alfa no próprio mundo de testosterona do rock. Era uma figura do seu tempo, impossível de se repetir. Não se trata de julgá-la, mas de compreendê-la. Este filme consegue isso.