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Análise: Morte de Ismail Haniyeh vai ser sentida pelo Hamas, mas não deve desestabilizar o grupo

Organização palestina tem histórico de troca de lideranças assassinadas e mantém estrutura organizacional em que a passagem de poder costuma manter a unidade

Agência O Globo - 31/07/2024
Análise: Morte de Ismail Haniyeh vai ser sentida pelo Hamas, mas não deve desestabilizar o grupo

Morto em um ataque aéreo em Teerã, Ismail Haniyeh era a principal figura a gerenciar as relações internacionais do Hamas e um dos rostos mais reconhecidos do grupo em todo o mundo. De sua base em Doha, no Catar, ele ajudou a liderar o grupo palestino em negociações sobre cessar-fogo em Gaza, e fez discursos inflamados transmitidos por todo o mundo árabe. Apesar da notoriedade, seu assassinato no Irã, contudo, dificilmente desestabilizará o Hamas a longo prazo, dizem analistas, observando que o grupo se recuperou da eliminação de líderes anteriores.

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— Seu assassinato é um grande golpe — disse Ibrahim Madhoun, um analista de Istambul próximo ao Hamas, em uma entrevista. — [Mas] O Hamas enfrentou essa situação no passado [e] saiu desses cenários mais forte.

A longa lista de líderes do Hamas mortos por Israel inclui Ahmed Yassin, fundador e líder espiritual do Hamas, em 2004; Salah Shehadeh, o fundador do braço armado do Hamas, em 2002; Abdel Aziz Rantisi, um líder sênior do Hamas em Gaza, em 2004; e Ahmed al-Jabari, um alto comandante, em 2012.

Por décadas, o nome de Haniyeh foi sinônimo do Hamas, pois ele serviu em algumas das posições mais proeminentes do grupo. Ele também desempenhou um papel de equilíbrio entre as alas militar e política do Hamas. Mas a confiança do Hamas em suas instituições, e não em indivíduos específicos, ajudou-o a superar os assassinatos de seus líderes no passado, disse Mkhaimar Abusada, professor de ciência política da Cidade de Gaza.

— Há um foco em certas pessoas no Hamas — disse ele. — Mas a ausência dessas pessoas não leva a um vácuo, porque o Hamas tem instituições e essas instituições estão prontas para preencher qualquer vácuo.

Ainda assim, o Hamas tem poucas cartas para jogar em resposta ao assassinato do Haniyeh por conta própria, pois já está em guerra com Israel há quase 10 meses.

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Após o início da guerra, Haniyeh vinha se dedicando à comunicação com mediadores do Catar e do Egito sobre a obtenção de um cessar-fogo, transmitindo as posições do Hamas após discussões internas.

O Hamas, disse Abusada, provavelmente deixaria as negociações de cessar-fogo com Israel, pelo menos por alguns dias ou semanas, mas acabaria tendo que retornar para parar a guerra e fornecer aos palestinos em Gaza algum alento.

— Suas escolhas são limitadas — disse o professor, observando que a ala militar do Hamas havia sido enfraquecida em Gaza. O grupo, disse ele, poderia decidir responder lançando um ataque na Cisjordânia ocupada por Israel.

Abusada disse, no entanto, que se o Irã pesar uma resposta, especialmente considerando que o assassinato ocorreu dentro de suas fronteiras, isso pode representar um desafio muito mais significativo para Israel.

O próximo chefe político do Hamas provavelmente será uma figura que esteja fora da Cisjordânia e Gaza porque a posição geralmente exige viagens. O Conselho Shura do Hamas provavelmente escolherá o próximo líder, de acordo com Madhoun e Azzam Tamimi, autor de um livro sobre o Hamas.

Quando Haniyeh foi eleito pela primeira vez para chefiar o escritório político do Hamas, ele ficou na Cidade de Gaza, sua cidade natal, mas depois se mudou com alguns de seus familiares para Doha.

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Antes disso, ele ocupou uma série de cargos importantes. Ele foi um conselheiro próximo de Yassin, o líder fundador do Hamas; primeiro-ministro do único governo liderado pelo Hamas na história da Autoridade Nacional Palestina; e líder do Hamas em Gaza, uma posição agora ocupada por Yahya Sinwar, arquiteto dos ataques de 7 de outubro ao sul de Israel.

Desde 2017, ele é o líder geral do gabinete político do Hamas.

Khaled Meshal, ex-chefe desse gabinete, está entre os candidatos para substituir o Haniyeh. Meshal está há muito tempo baseado em Doha e costumava sentar-se ao lado de Haniyeh em reuniões com ministros e representantes visitantes.

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— Ele pode reunir mais unanimidade no Hamas do que qualquer outra pessoa — diss Tamimi, que é amigo de Meshal há décadas.

Mousa Abu Marzouk e Khalil al-Hayya, ambos altos funcionários do Hamas em Doha, também podem fazer parte da discussão, disse Tamimi.