Internacional
Comunidade internacional deve pressionar Venezuela, mas sem aplicar novas sanções, dizem analistas
Analistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que governos próximos, como o Brasil, têm papel crucial para fazer com que autoridades eleitorais divulguem resultados completos

Após a proclamação da reeleição de Nicolás Maduro sem divulgação das atas eleitorais, analistas ouvidos pelo GLOBO apontam que a pressão internacional provavelmente será ampliada sobre o governo do país, com até a possibilidade de que abram caminho para conversas sobre uma eventual transição futura, mas sem recorrer a novas sanções contra o regime. Hoje, a Venezuela é alvo de mais de 700 sanções americanas, que não impactaram o regime, mas sim agravaram a crise econômica e humanitária para a população.
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— O regime entendeu que a pressão máxima não funcionou, e sabe que o mundo entendeu que ela não funcionou — afirmou ao GLOBO Renata Segura, vice-diretora para América Latina do centro de estudos International Crisis Group.
Nesse sentido, o poder que a comunidade internacional tem em mãos, incluindo aliados venezuelanos como Brasil e Colômbia, é exigir mais transparência do processo após Maduro ter sido declarado vencedor na madrugada de segunda-feira com 80% dos votos apurados — mais tarde, ao proclamá-lo reeleito, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) não esclareceu se o fazia tendo como base 100% da apuração. A oposição, por sua vez, disse que só teve acesso a 40% das atas eleitorais.
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— Para afastar qualquer possibilidade de fraude, a comunidade internacional deveria exigir uma contabilização completa dos votos e, se isso não acontecer, deveria cobrar uma nova eleição, uma vez que não pode haver uma disputa presidencial sem os dados relativos a ela — disse ao GLOBO David Smilde, professor da Universidade Tulane e que estuda a Venezuela há mais de 30 anos.
Embora tenha o apoio de países como China, Rússia e Irã, que o congratularam pela alegada vitória no domingo, Maduro entende que sua legitimidade depende dos laços com alguns dos atores principais da região, como Brasil, México e Colômbia, que mantêm canais de diálogo abertos. Mas a recusa em divulgar os números completos pode minar esse apoio, como já sinalizou o assessor especial do Palácio do Planalto, Celso Amorim, que cobrou a divulgação das atas eleitorais, afirmando que, sem elas, “fica difícil” reconhecer os resultados das urnas.
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— Brasil e Colômbia têm um papel enorme, talvez o México também, porque são muito importantes para Maduro. Isso é algo em que Caracas tem investido muito, eles não querem ser um Estado pária — afirmou Segura.
A opinião é compartilhada por Tamara Taraciuk, diretora do Programa sobre Estado de Direito no centro de estudos Diálogo Interamericano:
— O governo [venezuelano] precisa de legitimidade internacional para voltar ao mercado, para voltar a funcionar, para que a economia venezuelana melhore, para resolver os problemas do país, e as eleições eram uma porta de entrada para essa legitimidade — afirmou Taraciuk. — Mas essas eleições fraudulentas não têm nenhuma credibilidade internacional.
Até o momento, porém, o governo Maduro não parece disposto a ceder. Além da declaração de vitória do CNE sem a divulgação plena das atas das mesas, o regime nesta segunda-feira aumentou a pressão sobre a oposição com o anúncio do procurador-geral, Tarek William Saab, de abertura de um inquérito sobre um suposto ciberataque contra o sistema eleitoral, embora analistas afirmem que uma ação do tipo seja quase impossível. Protestos contra o resultado começam a surgir em diversos cantos do país, mesmo sem uma convocação de lideranças oposicionistas, aumentado os riscos de enfrentamentos, violência e mortes.
Cálculo nos EUA
Nesse contexto, para Maduro, parece pesar o que também está em jogo nos cálculos políticos dos EUA.
Na semana passada, o jornal Washington Post revelou que o governo de Donald Trump (2017-2021) foi alertado sobre os graves efeitos econômicos que as seguidas sanções provocariam na economia e na sociedade da Venezuela. Desde 2014, mais de 7 milhões de venezuelanos deixaram o país. Desde 2021, quase um milhão deles foram detidos por autoridades de fronteira nos EUA.
Em um ano eleitoral, no qual a imigração é um tema central do debate e um calcanhar de Aquiles do governo Joe Biden, analistas veem como quase nulas as chances de serem adotadas medidas que levem a uma deterioração ainda maior da economia, e que causem um novo êxodo populacional.
— Os democratas sabem bem que, se continuarem a usar sanções, haverá mais um impacto econômico na Venezuela, e que ele não será sentido pelas elites em Caracas — disse Segura. — Não será algo que reduzirá o poder de Maduro, mas fará com que as pessoas saiam do país se não conseguirem mais comer.
Para Taraciuk, o impasse em torno das eleições também pode ser usado pela comunidade internacional como um caminho para discutir o futuro da Venezuela e do chavismo. Ela lembra que o regime não é um monólito, e aponta que há setores abertos a conversas sobre uma eventual transição, incluindo a oposição: para isso, poderiam ser feitas ofertas de imunidade para pessoas que cometeram crimes de menor poder ofensivo, em troca de caminhos para a abertura futura.
— Existe uma oportunidade importante para enviar uma mensagem clara, pedindo que a vontade do povo venezuelano seja respeitada, que defenda a necessidade de uma negociação para a transição de poder, do chavismo com a oposição — opinou Taraciuk. — A ideia não é apagar o madurismo do mapa, mas encontrar uma forma de ter uma participação política mais ampla.
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