Internacional
Alvo de investigação do MP, urna eletrônica venezuelana é considerada à prova de invasões
Especialistas afirmam que sistema é confiável, mas que falta de acesso às atas de votação, como tem denunciado a oposição, joga dúvidas sobre processo eleitoral

Um dia depois da eleição presidencial que, de acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), foi vencida por Nicolás Maduro, o procurador-geral do país anunciou a abertura de um inquérito sobre um suposto ataque hacker ao sistema eleitoral, atribuído a elementos da oposição. Desde o início do século, a Venezuela usa a votação eletrônica, propagandeada até pelo próprio governo, mas que não impede outras formas não digitais de manipulação.
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A urna eletrônica na Venezuela é similar a um computador pessoal: após entregar a identificação a um mesário, o eleitor tem acesso a uma tela com os nomes dos candidatos ao cargo em disputa. Após escolher e confirmar o voto, a máquina emite um comprovante que será depositado em uma urna para eventual auditoria.
Em entrevista à BBC, Eugenio Martínez, jornalista venezuelano e especialista no sistema eleitoral, disse que essas contagens são feitas em pelo menos 50% das seções eleitorais, para garantir que não houve disparidades entre o registrado pelas máquinas e o que foi impresso.
— Até agora, não foi encontrada uma ata sequer que seja diferente do que foi publicado pelo CNE — afirmou.
No final da votação, cada máquina vai emitir um relatório de voto, similar ao existente no Brasil, que deve — ao menos em teoria — ser impresso na frente de testemunhas, incluindo representantes de partidos que não o do governo.
— Quando o presidente [da seção] fecha as urnas, uma folha de contagem com um código QR é impressa. As pessoas [além das testemunhas] podem entrar e registrar esse código para garantir maior controle sobre os resultados — afirmou, em entrevista ao El País, Griselda Colina, ex-diretora suplente do CNE e atual diretora do Observatório Global de Comunicação e Democracia.
Depois, os dados são enviados para totalização por parte do CNE por telefone ou via satélite. As máquinas, que não estão conectadas à internet, têm baterias que permitem o uso mesmo sem energia elétrica.
— O regime queria fazer um sistema eleitoral forte para que ninguém pudesse burlá-lo. É tão robusto que permitiu que vários partidos ganhassem eleições. Se pudesse alterar votos, por que o chavismo perdeu nas eleições legislativas de 2015? — disse Colina ao El País.
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Na denúncia apresentada na segunda-feira pelo procurador-geral da República, Tarek William Saab, a tentativa de ataque cibernético teria ocorrido na fase de transmissão de dados para Caracas, e a ação teria partido da Macedônia do Norte. Em entrevista coletiva, Saab culpou oposicionistas como María Corina Machado e Leopoldo López, e reiterou que a ação não teve êxito, como havia declarado na véspera o presidente do CNE, Elvis Amoroso.
— As máquinas não transmitem informações pela internet, o fazem por linhas telefônicas criptografadas. Então, para que seja feita uma invasão dessa natureza, seria necessário invadir linha por linha, máquina por máquina — disse Martínez à BBC.
O voto eletrônico foi implementado na Venezuela em 2004, inicialmente com a empresa Smartmatic. Em 2017, a companhia afirmou que o sistema apontou uma manipulação dos dados de comparecimento às urnas nas eleições para a Assembleia Nacional, e que a diferença entre os que votaram de fato e entre os que as autoridades disseram ter votado era de quase um milhão. Na época, a empresa não quis comentar se a diferença influenciou nos resultados da votação — pouco depois, o contrato foi suspenso, e a transnacional ExClé assumiu o trabalho desde então.
A mudança, afirmam especialistas, não significou um sistema menos seguro.
— Embora se diga frequentemente nas redes sociais que as máquinas alteram os votos, ou que podem cometer fraudes de identidade eleitoral, as auditorias demonstraram que isso não acontece e que seria fácil denunciar caso acontecesse — apontou Martínez ao El País.
O ponto frágil não está nas máquinas, mas sim em quem anuncia os números finais, afirmam analistas. Em publicação no X, o jornalista Jose María Del Pino, do canal chileno NTN24, várias seções eleitorais foram fechadas antes que as atas eleitorais fossem divulgadas publicamente, como exige a legislação.
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Mesmo tendo representantes em 95% dos locais de votação, a oposição disse ter tido acesso a apenas 40% das atas impressas, e que elas mostravam uma vantagem considerável de Edmundo González. Houve denúncias de que militares levaram urnas com comprovantes de votos, e impediram o acesso a elas. Alguns oposicionistas dizem ainda ter sido impedidos de acompanhar a totalização dos votos no CNE, em Caracas.
— Os resultados que Elvis Amoroso deu são inconsistentes. E provar que não é real é muito simples. À medida que as minutas sejam recuperadas e possam ser totalizadas de forma independente, vocês verão isso. Já com 40% das minutas totalizadas, a diferença entre Edmundo González e Nicolás Maduro é de quase 30 pontos — explica Eugenio Martínez, sugerindo que a tendência é quase impossível de ser revertida. — Para que isso acontecesse, nesses outros minutas, Edmundo González teria que obter zero votos e Nicolás Maduro teria que ter votos.
Apesar de questionadas, as eleições são consideradas um elemento crucial para garantir a legitimidade do regime, especialmente no exterior. Mas diante de tantas dúvidas, e do não reconhecimento internacional da vitória de Maduro, Caracas pode se ver obrigada a abrir seus registros, mesmo que eles revelem uma realidade distinta da que quer o governo.
— Se o governo não respaldar os resultados com dados, Maduro enfrentará o maior teste de legitimidade que enfrentou em anos — disse Geoff Ramsey, membro sênior do Atlantic Council e principal pesquisador da Venezuela, à BBC.
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