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'Anjo do inferno?': livro e estudo reúnem informações controversas sobre Madre Teresa de Calcutá

De acordo com especialistas, religiosa teria negado tratamentos aos doentes, apoiou ditaduras e se recusou a devolver dinheiro proveniente de doações de fraudes financeiras

Agência O Globo - 23/07/2024
'Anjo do inferno?': livro e estudo reúnem informações controversas sobre Madre Teresa de Calcutá

Nascida em 26 de agosto de 1910, na Macedônia do Norte, Anjezë Gonxhe Bojaxhiu ficou conhecida como Madre Teresa de Calcutá ou Santa Teresa de Calcutá, e se tornou santa em 2016 graças a um milagre brasileiro. Apesar das realizações da mulher com o trabalho junto de pobres, enfermos e órfãos, as controvérsias a respeito da religiosa também adquiriram um espaço de destaque sobre a idoneidade de sua trajetória.

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Ao longo dos anos, diversos pesquisadores se dedicaram a estudar o passado da idosa, que faleceu em 1997, aos 87 anos. É o caso do médico e autor Aruop Chatterjee, com o livro "Mother Teresa The Final Veredict" (Madre Teresa, O Veredito Final), que cedeu informações para o documentário "Hell's Angel" (Anjo do Inferno), de Christopher Hitchens, um jornalista americano que decidiu expor as controvérsias da religiosa.

1. Não destinava dinheiro de doações para tratamentos

Conforme parte das acusações, Chaterjee alega que Madre Teresa apesar de receber grandes quantias financeiras para sua organização de caridade, não as repassava para cuidados profissionais de pessoas doentes. De acordo com o homem, ela pedia que as pessoas aceitassem a morte, sem que os tratamentos necessários fossem empregados nos doentes.

"Ela não dava nenhum analgésico forte aos moribundos, mesmo nos casos mais extremos, e os cuidados não eram profissionais. Careciam da mais básica higiene, sofriam condições de tortura", explicou Chaterjee.

2. Teria apoiado ditaduras

Apesar de falar que era contrária ao fazer político, Madre Teresa também teria reconhecido regimes ditatoriais como o do haitiano Jean-Claude Duvalier, e o de Enver Hoxha, na Albânia.

3. Condenação do aborto

Em 1979, Madre Teresa discursou contra o aborto ao receber um Prêmio Nobel. Ela disse que o uso de anticoncepcionais e o interrompimento de uma gravidez eram contra as determinações de Deus. "O maior destruidor da paz, hoje, é o choro da criança inocente não nascida", disse a religiosa na ocasião.

4. Remédios vencidos e reaproveitamento de agulhas

Em 2008, Hemley González, um cubano-norte-americano, decidiu ser voluntário na congregação de Madre Teresa durante uma viagem à Índia, devido à forte reputação da religiosa.

No entanto, o homem disse que percebeu uma "violação sistemática dos direitos humanos e um escândalo financeiro". Segundo González, as agulhas usadas nos tratamentos eram apenas lavadas com água e reutilizadas, enquanto os doentes recebiam medicamentos vencidos.

5. Felicidade na morte

Em uma entrevista, a Madre Teresa chegou a dizer que "achava bonito ver as pessoas morrerem com alegria" após explicar que converteu mais de 29 mil pessoas em sua instituição para que "São Pedro as deixasse entrar nos céus".

6. Recebeu valores de fraudes financeiras e se recusou a devolver

Os pesquisadores também a acusam pelo recebimento de US$ 1 milhão em doações de Charles Keating, um homem que foi preso pela maior fraude financeira dos Estados Unidos, nos anos 1980. Além disso, a religiosa teria se recusado a devolver a quantia, e compareceu ao tribunal para pedir misericórdia pelo condenado.

7. Despreparo de seus voluntários resultou em mais mortes

Outra denúncia realizada por González foi a respeito da falta de preparado dos voluntários para realizar o atendimento às pessoas doentes. Ele relatou um incidente em que um dos voluntários alimentou um homem com necessidades especiais de maneira inadequada, o que provocou sua morte por engasgamento.

Além disso, segundo o relato, González presenciou a cremação de 12 pessoas que poderiam ter sobrevivido se tivessem recebido os cuidados médicos corretos. Ao utilizar o exemplo de outras organizações não-governamentais, o homem advoga que também deveria ser exigida transparência nas ações das "Missionárias da Caridade".

8. Usou fortuna acumulada para realizar tratamentos modernos para sua própria saúde

Apesar de pregar que os doentes precisaram aceitar seus fins trágicos para receber o "amor de Deus", Madre Teresa de Calcutá teria usado parte de sua fortuna arrecadada com as doações de todo o mundo para investir em tratamentos de saúde modernos e caros, quando ficou doente. A informação foi compartilhada pelo diretor da "Science and Rationalists' Association of India", Debasis Bhattacharya.

9. Falsos milagres

O especialista ainda detalhou que o que foi considerado um milagre de Madre Teresa através da cura de um câncer, na verdade, se tratava de uma pessoa com tuberculose que passou por avaliação e tratamento hospitalar, e nunca teve, de fato, câncer. A pessoa ficou curada pelos remédios que tomou na unidade de tratamento.

Outro caso de "milagre", o da mulher indiana Monica Besra, também foi contestado até por agentes políticos. Em 2002, Partho De, ex-ministro da Saúde do estado de Bengala Ocidental, onde a paciente foi tratada, refutou a intervenção divina:

— A senhora Besra se livrou do tumor graças aos medicamentos e aos tratamentos — declarou. — Não quero faltar com respeito à Madre Teresa, mas é uma deformação da verdade dizer que foi um milagre dela dedicou a vida aos pobres — disse o homem.

Veja uma linha do tempo da vida da religiosa

1910: Agnes Gonxe Bojaxhiu nasceu em 26 de agosto, na Escópia, hoje capital da Macedônia. Ela era a mais nova dos três filhos de um construtor albanesa.

1928: Tornou-se noviça na Irlanda pela ordem de Loreto e recebeu o nome de Irmã Teresa.

1929: Chegou em Calcutá para dar aulas na Escola de Ensino Médio de Santa Maria.

1937: Faz os votos perpétuos e recebeu o nome de Madre Teresa.

1946: Durante uma viagem de trem no dia 10 de setembro para a cidade montanhosa de Darjeeling, na Índia, ela recebeu um "chamado dentro do chamado" de Jesus "para servi-lo entre os mais pobres dos pobres".

1948: Foi autorizada a deixar sua ordem e se mudar para favelas de Calcutá para construir sua primeira escola.

1950: A congregação religiosa Missionárias da Caridade foi fundada oficialmente em 7 de outubro.

1952: Abriu a Casa do Coração Puro, uma casa para os moribundos, seguida no ano seguinte pelo seu primeiro orfanato.

1962: Recebeu seu primeiro prêmio por seu trabalho humanitário: o Padma Shri pelo "atendimento distinto". Ao longo dos anos, ela usou o dinheiro de tais prêmios para fundar dezenas de novas casas.

1979: Ganhou o Prêmio Nobel da Paz.

1982: Convenceu israelenses e palestinos a interromperem uma sequência de tiroteios para resgatar 37 crianças de um hospital em Beirute, num momento em que a cidade estava sitiada.

1983: Teve um ataque cardíaco enquanto visitava o Papa João Paulo II em Roma.

1985: Foi premiada com a Medalha da Liberdade, a mais alta condecoração civil dos Estados Unidos.

1989: Teve um segundo e quase fatal ataque. Médicos implantaram um marcapasso em Madre Teresa.

1990: Anunciou a sua intenção de renunciar e um conclave de irmãs foi chamado para escolher uma sucessora. Em uma votação secreta, Madre Teresa foi reeleita com apenas um voto contra - o seu próprio - e retirou o pedido para renunciar.

1991: Sofreu uma pneumonia em Tijuana, no México, levando-a a uma insuficiência cardíaca congestiva. Ela foi hospitalizada em La Jolla, na Califórnia.

1996: Em 16 de novembro, recebeu a cidadania honorário americana.

1997: Morreu em 5 de setembro em Calcutá, recebendo um funeral de estado.

2003: Foi beatificada perante uma multidão de 300 mil pessoas pelo Papa João Paulo II na Praça de São Pedro.

2015: Papa Francisco declarou que a cura de um brasileiro que sofria de abscessos cerebrais foi milagrosa, abrindo caminho para a canonização de Madre Teresa.

2016: Foi declarada santa no dia 4 de setembro.