Keanu Reeves não sabe ao certo de onde veio a ideia, mas um dia — por volta do lançamento de "John Wick: um novo dia para matar" (2017), segunda continuação da franquia em que ele interpreta o protagonista, e antes de começar a filmar "Matrix Resurrections" (2021), também estrelado pelo canadense —, o ator, de 59 anos, imaginou um homem que não podia morrer.

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— Isso se tornou uma série de "e se" na minha mente — ele diz. — E se eles tivessem 80 mil anos de idade? De onde veio esse personagem? E se eles viessem de uma tribo atacada por outras tribos e quisessem pedir aos deuses por uma arma? E se um Deus respondesse? E e se isso desse origem a uma criança meio humana, meio deus?

A partir daí, uma premissa simples ganhou complexidade "e continuou a crescer", como enfatiza o artista. Por um tempo, o personagem existia apenas na cabeça de Reeves. Então, ele se perguntou: e se esse guerreiro imortal se tornasse a base para uma história em quadrinhos? Um filme de ação? Uma série animada?

— E aí surge outro "e se" — ele graceja. — E se isso se tornasse um romance?

Pois bem, o antigo guerreiro de Reeves se tornou, assim, o âncora de uma crescente franquia multimídia. A história em quadrinhos que ele imaginou e co-escreveu, sob o título de BRZRKR (pronuncia-se "berserker"), se transformou numa série de 12 edições que vendeu mais de dois milhões de cópias. Um filme em live-action, estrelado e produzido por Reeves, e um spin-off animado estão agora em desenvolvimento na Netflix.

E mais. Reeves está lançando agora seu primeiro romance, "O livro do outro lugar", que co-escreveu com o autor britânico de ficção científica China Miéville. Ambientado no mesmíssimo universo dos quadrinhos BRZRKR, a trama é uma mistura de ficção científica, fantasia, ficção histórica e mitologia, com uma grande dose de existencialismo.

Chamá-lo de um "livro estranho" não é suficiente para definir esta obra versátil que desafia gêneros. A narrativa se concentra no guerreiro de 80 mil anos criado por Reeves — chamado Unute ou às vezes B —, um homem assustadoramente forte, capaz de arrancar os braços das pessoas e perfurar seus peitos, mas que está cansado de seu estado imortal. É um thriller pulsante e cheio de adrenalina, mas também um romance experimental e melancólico sobre a mortalidade, a natureza escorregadia do tempo e, sobretudo, o que significa ser humano.

Inicialmente, a parceria entre Keanu Reeves e China Miéville pode parecer esquisita. Reeves é uma estrela de cinema que protagonizou franquias de ação bilionárias como "Matrix" e "John Wick", além de clássicos cult como a comédia de viagem no tempo "Bill & Ted — Uma aventura fantástica" (1989) e o suspense de crime "Caçadores de emoção" (1991). Miéville é um marxista com doutorado em relações internacionais pela London School of Economics. Ele é conhecido no círculo literário por seus densos e politicamente carregados romances de ficção científica e fantasia, incluindo "Kraken", que apresenta um culto que adora lulas, e "Railsea", ambientado num mundo distópico coberto por linhas férreas e habitado por ratos gigantes, em história que faz homenagem a "Moby-Dick" e critica o capitalismo moderno.

Por outro ângulo, porém, a combinação faz sentido estético, cultural e até filosófico. Ambos levantam questões alucinantes sobre os mistérios da existência em seus trabalhos e frequentemente introduzem essas ideias por meio de tramas cheias de ação. Reeves cresceu devorando a ficção científica de autores como William Gibson e Philip K. Dick, e mais tarde se encantou com os contos de Miéville, que ele descreveu como "uma maravilha". Miéville, por sua vez, admira como Reeves conseguiu "combinar espetáculos visuais surpreendentes com provocações filosóficas" em filmes como "Matrix" (1999) e "Johnny Mnemonic, o cyborg do futuro" (1995).

Numa entrevista por videochamada conjunta, Reeves, de sua casa em Los Angeles, e Miéville, em Berlim, usaram a palavra "absurdo" para descrever o quão surreal foi trabalhar em dupla. Eles falaram sobre o primeiro encontro deles — em Berlim, durante o verão de 2021 — de maneira animada, do mesmo jeito que um casal fala sobre como a vez em que se conheceu.