Esportes
Do Afeganistão a Guarulhos: projetos sociais de futebol ajudam na inclusão social de refugiados
Afegãos e bolivianos dividem espaços com brasileiros nos campos de São Paulo

Graças a uma pequena janela com vista para um campo de futebol de terra, surgiu um projeto que leva refugiados afegãos a disputarem campeonatos de várzea em Guarulhos, na Grande São Paulo. Pela abertura na parede, os atletas amadores do Havana Futebol Clube perceberam olhares curiosos e, a partir desse encontro, nasceu uma parceria entre Brasil e Afeganistão nos campos de “pelada”.
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O Havana é um time da região, fundado por professores das redes municipais de São Paulo e Guarulhos. Tornou-se também um projeto social e criou uma equipe feminina, em 2019. Há três anos os primeiros afegãos foram acolhidos no clube.
Hamayoon Kamali viu sua paixão pelo futebol reacender ao chegar ao Brasil, há oito meses. Kamali fugiu do Afeganistão em dezembro de 2021, assim que o Talibã retomou o poder. Dali foi para o Irã, onde ficou até novembro de 2023, quando conseguiu um visto humanitário para aterrissar legalmente no Brasil. Aos 26 anos, o economista que trabalhava na área administrativa do governo afegão disse que mesmo se pudesse voltar à sua terra natal, a cidade de Mazar-i-Sharif, escolheria continuar no Brasil.
Kamali não pode retornar ao país enquanto o Talibã estiver no comando. Tanto ele quanto o irmão — hoje refugiado nos Estados Unidos — são perseguidos políticos por terem vínculos com os antigos governantes. No momento, o economista aguarda a emissão dos documentos brasileiros e faz aulas de português para conseguir um trabalho e trazer seus pais e irmã para o país que aprendeu a amar.
— Ainda estou procurando emprego. É difícil quando não se fala bem a língua portuguesa, mas o time me ajudou a aprender bastante coisa e eu amo jogar com eles, me sinto vivo — explica.
Quando chegou ao Brasil, Kamali trazia apenas pouco dinheiro e algumas roupas, mas nunca esqueceu o amor pelo futebol. No Afeganistão, costumava jogar na faculdade, na posição de atacante. Em solo brasileiro, a paixão aflorou de tal forma que ele se diz incapaz de escolher apenas uma função em campo. Ele e outros afegãos formaram um time – ainda chamado apenas de “time dos refugiados” – que, quando necessário, é completado por amigos do Havana. E vice-versa: quando o Havana precisa, os afegãos entram na equipe.
— Eu gosto tanto de futebol que no time dos refugiados jogo de atacante e, no Havana, de zagueiro. Quando jogamos um contra o outro, não consigo escolher um lado só, também: jogo um tempo em cada time.
Segundo o presidente do Havana, o professor de geografia Lionel Fontanesi, desde o início do projeto 50 afegãos jogaram de maneira regular no time de refugiados, mesmo com uma grande rotatividade entre eles.
O campo fica ao lado de uma casa de acolhimento provisória (daí o encontro de olhares na janela), onde os refugiados permanecem cerca de três meses antes de serem transferidos para outros bairros ou cidades, ou escolherem um rumo de forma independente para suas vidas.
Rotatividade e distância
Fontanesi conta que existe uma dificuldade em reunir os afegãos que querem continuar treinando. A distância e os deslocamentos acabam pesando.
— Jogam aqueles que estão morando perto ou na própria casa de acolhimento. Quando participamos de torneios maiores, são necessários mais recursos — explica o presidente. — Temos outras coisas para manter, como os times femininos — ele conta.
Ainda não existe um time completo de refugiadas, mas algumas delas passaram a participar dos jogos da equipe masculina. A curiosidade delas surgiu a partir de uma partida do time feminino do Havana. O choque cultural fez com que as afegãs vissem a oportunidade de praticar um esporte e criar um vínculo com o novo país.
Entre os homens, existem incentivos às filhas para praticarem o esporte. Hamayoon Kamali é um exemplo disso. Ele sonha em ver a irmã estudando e jogando bola no Brasil.
— Depois de tantos traumas e dificuldades enfrentadas nos seus países, até mesmo no processo imigratório, o futebol veio a ser inclusivo. Contribui para a saúde física e mental e ajuda no aprendizado da língua — diz Lionel.
A várzea de São Paulo tem ajudado a ambientar imigrantes de outras origens, como bolivianos, venezuelanos e indianos. O Havana planeja criar um torneio no próximo semestre reunindo imigrantes e refugiados.
A cena do futebol de imigrantes se torna mais boliviana a 15 quilômetros dali, no centro de treinamento do Projeto Bolívia Brasil.
A escola de futebol, que dá aulas para crianças e adolescentes de 6 a 17 anos, reúne 260 alunos, sendo 175 bolivianos ou filhos de imigrantes. Um dos treinadores e ex-jogador de futebol, Arthur Costa afirma que o esporte ajuda na socialização:
— O esporte foi a porta de entrada para a inclusão no Brasil. Na maioria dos casos, os pais trabalham na feira da madrugada no Brás, não conseguem acompanhar os filhos na ambientação no novo país, e é no esporte que eles aprendem a língua, costumes, criam laços. Através do esporte eles têm superado barreiras.
*Estagiária sob a orientação de Pedro Carvalho.
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