Política

Kit de vacinação, 444 camisas de futebol e pistola personalizada: Bolsonaro recebeu 7 presentes por dia na Presidência

Lista consta de inquérito do caso das joias e reúne mais de dez mil itens

Agência O Globo - 10/07/2024
Kit de vacinação, 444 camisas de futebol e pistola personalizada: Bolsonaro recebeu 7 presentes por dia na Presidência
Kit de vacinação, 444 camisas de futebol e pistola personalizada: Bolsonaro recebeu 7 presentes por dia na Presidência - Foto: Valter Campanato/Agência Brasil Justiça

Parte do inquérito da Polícia Federal no caso das joias, a lista de presentes recebidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, período do mandato, tem 10.214 itens. O volume representa, em média, sete presentes por dia de gestão.

Na relação, há joias e relógios, que estão na mira da investigação, mas também peças curiosas, como ursos de pelúcia, véu e até um kit de vacinação. O inventário foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do inquérito em que Bolsonaro e outras 11 pessoas foram indiciadas por crimes como peculato (apropriação de bens públicos), associação criminosa e lavagem de dinheiro por conta de um suposto esquema de venda dos regalos recebidos pelo ex-presidente ao longo do governo.

O presente que o ex-mandatário mais ganhou foram camisetas: 2.600 no total, 444 delas de times de futebol. Torcedor do Palmeiras, Bolsonaro ganhou, além de camisas do time paulista, diversos itens com o símbolo do clube — um deles foi uma caneta prateada com as cores e o escudo. O presidente também ganhou tábua de carne com o emblema do atual campeão brasileiro, além de copos e bandeiras com as cores verde e branco.

Bonés aparecem em segundo lugar, 618 vezes, seguidos por canecas, 372, e esculturas, 290. Amante de motocicletas, com presença em diversas motociatas ao longo do mandato, Bolsonaro também ganhou de presente 41 capacetes. Um deles verde brilhante, com detalhes em branco, também personalizado com o nome ‘Palmeiras' nas laterais.

Em 28 de agosto de 2021, por exemplo, Bolsonaro foi presenteado com um violão acústico durante um evento em Goiânia (GO). De cima de um palco, o mandatário fez sinal de arma com o instrumento. O violão foi confeccionado em madeira, com cordas mistas em nylon e metal. No inventário, o assessor Marcelo Costa Câmara informou que a peça estava autografada pelos cantores Amado Batista, Gusttavo Lima e Marrone (da dupla Bruno e Marrone).

Há também uma série de armas. Bolsonaro ganhou pistolas personalizadas, além de espadas, 156 facas e munição. Um dos armamentos foi confeccionado em metal e grafeno, na cor preta, e entregue com os dizeres: “Ao senhor presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro, a Taurus oferece a primeira pistola G3 100% nacional, utilizando grafeno na composição de algumas peças”. O bilhete vinha com a assinatura do presidente da companhia no Brasil.

Metais preciosos e kit de vacinação

Dentre os itens mais luxuosos estão 54 colares, 47 relógios e 41 pulseiras. Por sua defesa ao garimpo, Bolsonaro ganhou de presente, em pelo menos 14 ocasiões, amostras de pedras e metais como ouro, grafeno e quartzo.

Na relação de itens curiosos, ainda constam duas bonecas, instrumentos musicais e até um kit de vacinação. O item foi produzido com metal prateado e pintura na cor verde e amarela, com a inscrição ‘Bolsonaro’ em uma das faces. O objeto, acondicionado em uma caixa, era composto de uma pistola de vacinação com manual de instruções, tubo de vidro, agulhas em metal e borrachas de vedação. Ao longo do mandato, Bolsonaro foi duramente criticado por críticas à vacinação, sem embasamento científico. Em outro inquérito, a PF investiga a suspeita de fraude nos cartões de vacina do ex-presidente e familiares.

No relatório final da investigação sobre a venda das joias recebidas pela Presidência, a PF lista uma série de provas para ligar diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro ao "desvio" dos objetos. O relatório foi tornado público nesta segunda-feira pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Despesas nos EUA

A investigação sobre presentes supostamente recebidos por Jair Bolsonaro em viagens oficiais apontou que alguns dos itens foram vendidos e recomprados por seus principais aliados. A PF aponta que o dinheiro da venda das joias entrou para o patrimônio do ex-presidente e pode ter servido para custear as despesas dele e da família nos Estados Unidos, no início de 2023.

"Identificou-se, ainda, que os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-Presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem localização e propriedade dos valores", diz a PF.

Por lei, no entanto, esses objetos deveriam ter sido incorporados ao acervo da Presidência da República como bens públicos.

Ao longo da apuração, a defesa de Bolsonaro chegou a afirmar que ele agiu dentro da lei" e "declarou oficialmente os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens”. Esses itens, portanto, deveriam compor seu acervo privado, sendo levados por ele ao fim de seu mandato.

Por meio de nota, a defesa do ex-presidente afirmou, após o indiciamento, que os presentes ofertados à Presidência da República “obedecem a um rígido protocolo de tratamento e catalogação e sobre o qual o chefe do executivo não tem qualquer ingerência, direta ou indireta”. “Importa, ainda, lembrar que o ex-Presidente Bolsonaro, desde que foi noticiado, em março do ano passado, que o Tribunal de Contas da União havia aberto procedimento voltado a avaliar a destinação dos bens aqui tratados para o acervo privado de Presidência da República, antes mesmo de qualquer intimação ou ciência oficial, compareceu de forma espontânea aos autos e requereu que os referidos bens fossem, desde logo, depositados naquela Corte de Contas”, acrescenta a defesa.