Economia

Governo anuncia Plano Safra com recorde de R$ 76 bilhões para agricultura familiar

Programa teve redução em dez linhas de financiamento; para analistas, escolha está ligada a promessas de Lula e cenário de limitação fiscal

Agência O Globo - 04/07/2024
Governo anuncia Plano Safra com recorde de R$ 76 bilhões para agricultura familiar

O governo federal, por meio do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), lançou ontem o Plano Safra para os anos de 2024 e 2025, com R$ 400,59 bilhões em financiamento para agricultura empresarial, um aumento de 10% em relação ao ano passado. No caso da produção familiar, o crescimento foi menor, de 6,2%, mas ainda assim atingiu patamar recorde de R$ 76 bilhões.

Os juros para financiamentos empresariais se mantiveram no mesmo patamar do último lançamento do programa, entre 7% e 12% ao ano. O setor esperava que houvesse alguma queda, considerando que, no momento do anúncio do último plano bianual, a taxa básica de juros (a Selic) excedia o patamar de 13%. Atualmente, a taxa está em 10,5% ao ano.

Apenas os financiamentos familiares conseguiram algum alívio, e dez linhas tiveram redução. As taxas de custeio para safras de alimentos considerados essenciais, por exemplo, como arroz, feijão, mandioca, frutas e verduras, passaram de 4% para 3%. Os produtores familiares de commodities devem pagar juros mais elevados, de 6% ao ano.

O governo anunciou outros R$ 108 bilhões em Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), para emissões de Cédulas do Produto Rural (CPR), voltado a produtores empresariais.

Emerson Cervi, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), lembra que o agronegócio é uma das principais forças políticas da atualidade. Sendo assim, qualquer governo deve produzir um plano de financiamento robusto para essa atividade.

Ele avalia que aumentar as linhas de crédito para produtores familiares é uma medida alinhada à agenda política do presidente Lula, no sentido de usar recursos do estado para descentralizar a produção agrícola do país.

— Isso, além de garantir a coerência com as propostas do governo, tem a vantagem de equilibrar o acesso aos alimentos no Brasil. Então, é possível acenar para o agronegócio e manter coerência com políticas públicas propostas em campanha. Se o valor (de financiamento) global cresce e se desloca da agricultura familiar, o governo descumpre promessas — diz o cientista político.

Limitação fiscal

Felippe Serigati, professor do FGV Agro, acredita que o plano anunciado para 2024 e 2025 é condizente com o cenário de limitação fiscal, no qual o Ministério da Fazenda busca maior controle dos gastos e alavancagem nas receitas para cumprir as metas de resultado estabelecidas.

— Houve uma expansão de volume (de financiamento empresarial) acima da inflação, mas as taxas de juros se mantiveram as mesmas, com exceção do Moderfrota, para máquinas e equipamentos. É um plano desenhado num ambiente de restrição fiscal — avalia o especialista.

Serigati considera que a manutenção na taxa de juros dos financiamentos empresariais pode causar “desconforto”, devido à redução do custo de captação de recursos pelos bancos, consequência da queda da Selic, desde o lançamento do plano anterior.

José Carlos Hausknecht, sócio diretor do MB Agro, acrescenta que, embora a Selic tenha entrado em declínio nesse intervalo, os riscos associados ao crédito aumentaram. Além disso, o analista lembra que houve aumento significativo no volume de financiamentos através do Plano Safra no ano passado, então é natural que o crescimento seja mais modesto. Para Hausknecht, a prioridade do governo foi manter os valores no mesmo patamar.

Já Serigati diz que o custo para o produtor pode ser ainda maior na ponta da linha, já que o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), uma espécie de seguro associado ao crédito, deve encarecer neste ano.

— Tivemos queda de safra no ano passado, então a taxa do Proagro também aumentou. Esse crédito pode sair ainda mais caro.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) disse que seriam necessários R$ 570 bilhões em financiamento empresarial e familiar para fazer frente à queda nas margens dos produtores e restrições no crédito. O montante é 20% superior ao anunciado pelo governo federal.

— Os custos (de produção) caíram 10%, enquanto as margens de algumas atividades chegaram a ter 35% de queda. O mercado privado está tendo mais restrição na oferta de crédito por causa da queda do preço das commodities e dos problemas climáticos. Precisávamos de um plano mais robusto — afirma Bruno Lucchi, diretor técnico da CNA.

A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) destacou a redução nas linhas de financiamento empresarial em programas importantes, sobretudo o de armazenagem, que perdeu R$ 2 bilhões neste novo ciclo. O Brasil enfrenta um gargalo relevante nessa área, de 124 milhões de toneladas. Embora o plano não tenha atendido completamente às expectativas do setor, disse a entidade, veio dentro do possível.