Internacional

Cidadã da Eritreia reconhece irmã em um vídeo de refugiados capturados na guerra do Sudão

Disputa de poder pelo Sudão, que já acontece desde 2023, trata refugiados como prisioneiros de guerra

Agência O Globo - 01/07/2024
Cidadã da Eritreia reconhece irmã em um vídeo de refugiados capturados na guerra do Sudão

Mihret Gebru assistia vídeos virais em seu telefone que mostravam pessoas do Chifre da África, nordeste do continente africano, sendo espancadas e agredidas por homens armados no Sudão, quando ficou horrorizada ao reconhecer sua irmã entre os prisioneiros. O Sudão mergulhou no caos em abril de 2023, quando antigos aliados — o Exército e as Forças de Apoio Rápido (RSF, em inglês) paramilitares - começaram a lutar entre si pelo controle do país. Estima-se que mais de 15 mil pessoas foram mortas no conflito em que as partes não conseguem chegar a um acordo sobre um cessar-fogo. Alguns refugiados que já estavam no país e migrantes recém-chegados, como a irmã de Mihret, foram tratados como prisioneiros de guerra.

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— Instantaneamente, consegui identificar Luwam, que estava usando um lenço laranja que conheço muito bem e seus sapatos, que podem ser parcialmente vistos — disse Mihret à BBC.

As irmãs são da Eritreia, país que faz fronteira com o Sudão, e, como muitos jovens, Luwam Gebru fugiu do recrutamento militar indefinido do país, que, segundo elas, lhes nega um futuro. Ela foi parar na vizinha Etiópia em 2019, onde era considerada refugiada. Porém, ser um refugiado pode ser como viver uma vida no limbo e muitos optam por fazer viagens perigosas em busca de novas vidas e oportunidades.

Mihret disse à BBC que Luwam, de 24 anos, decidiu se arriscar atravessando a zona de guerra do Sudão para chegar à Líbia no ano passado, vários meses após o início do conflito.

— Não ouvimos sua voz por quase um mês. Ela ligou uma vez do Sudão e nos disse: 'Não se preocupem, cheguei ao Sudão em segurança e talvez cheguemos à Líbia esta semana' — disse Mihret à BBC.

Sua irmã mais nova parecia confiante de que os traficantes de pessoas, a quem ela havia confiado sua vida, não a deixariam na mão. Mas não se ouviu falar dela por mais cinco meses, até que os vídeos apareceram nas mídias sociais em abril.

A análise das imagens feita pela BBC Verify sugere que elas foram levadas nos dias 7 e 8 de abril. Um general do exército sudanês se refere aos cerca de 50 detidos a bordo de um caminhão como "mercenários da Somália, Eritreia e Etiópia". Eles parecem ter sido capturados fugindo de combates ferozes em torno da refinaria de petróleo al-Jaily, ao norte da capital, Cartum, que está nas mãos da RSF e é usada como base na área.

Em um dos vídeos, um oficial do exército diz que os prisioneiros estão sendo transferidos para a base militar do exército em Wadi Seidna, que também fica ao norte da capital.

Fotos do grupo, incluindo várias com a Sra. Luwam com seu lenço laranja, mostram-nos amontoados em uma sala em um armazém. A Sra. Mihret, que também conseguiu identificar um de seus vizinhos da Eritreia entre o grupo, disse que não conseguiu obter mais informações.

— Não sabemos muito, nos disseram que eles estão sob custódia das autoridades sudanesas — disse Mihret à BBC.

A agência de refugiados da ONU afirma à BBC ter recebido relatos semelhantes sobre a detenção de solicitantes de asilo e refugiados pelo exército. De acordo com a ONU, há mais de 147 mil eritreus e cerca de 70 mil etíopes no país.

A ONU disse à BBC que estava planejando uma missão de verificação para o estado de Sennar, que inclui as cidades de Sinjah e Rabek, pedindo aos parentes dos refugiados que acreditam que eles estejam detidos que relatem as informações por meio da página de ajuda do ACNUR Sudão. Da mesma forma, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) disse que aqueles que têm um membro da família desaparecido no Sudão devem abrir um caso por meio de sua linha direta ou escritórios no país.

— Ajudar as famílias que perderam contato com seus entes queridos a localizá-los é uma de nossas principais prioridades. Mas nossa capacidade de fazer isso depende do acesso que temos e da situação de segurança volátil — disse o CICV à BBC.

A embaixada do Sudão em Londres não respondeu a um pedido da BBC para comentar as detenções de estrangeiros.