Internacional
Primeira política transgênero da Rússia diz que foi ameaçada para realizar destransição de gênero
Yulia Alyoshina, que comandou o diretório de um partido de oposição na Sibéria, revelou temer ser submetida à internação compulsória em uma clínica psiquiátrica
Um mês depois de anunciar que passava por um processo de destransição de gênero, a primeira política transgênero da Rússia afirmou que tomou a decisão — agora abandonada — após ameaças de internação em um clinica psiquiátrica, feitas por autoridades russas. O caso é mais um exemplo da crescente repressão do governo de Vladimir Putin contra a população LGBT+ no país.
— De acordo com informações privilegiadas, as autoridades russas querem me trancar num hospital psiquiátrico, embora eu esteja ciente de todas as minhas ações — disse Yulia Alyoshina, em entrevista ao jornal Novaya Gazeta Báltico, sem dar detalhes sobre quem fez as ameaças.
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Em meados de maio, Alyoshina surpreendeu ao anunciar em seu canal no Telegram que passava por um processo de destransição de gênero, que retomaria seu nome de nascimento, Roman, e se identificaria como homem. Em uma publicação, disse que “percebeu ser um homem durante a Páscoa” e que “olhou álbuns antigos de seus antepassados, orou para eles, e isso ajudou a confirmar a ideia de ser um homem”.
Ao Novaya Gazeta, Alyoshina disse que o anúncio, assim como publicações nas quais ameaçava apagar sua conta no aplicativo, foi feito por causa do estresse e das ameaças, e que agora não considera mais a destransição. Na conversa, disse ter buscado apoio na Igreja Ortodoxa, mas foi prontamente rejeitada.
— Achei que eles iriam me aceitar ali, me abraçar e geralmente me ajudar. Mas, infelizmente, fui rejeitada. Passei uma semana na Igreja Ortodoxa Russa, aqui em Barnaul — afirmou. — Tendo visitado o templo, quero dizer que a atitude em relação a mim foi, para dizer o mínimo, ruim, para ser franca, nojenta.
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Os temores de Yulia não são infundados. Nos últimos meses, aumentou o número de denúncias sobre pessoas forçadas a passar por “terapias de conversão”, conhecidas também como “cura gay” — em alguns casos, como revelou o Washington Post no começo do ano, pais de jovens LGBT+ contratam pessoas para que os sequestrem e os levem para instalações supostamente psiquiátricas. Em 2023, o ministro da Saúde, Mikhail Murashko, disse que o governo estudava a criação de um instituto para “estudar a população LGBT+”.
— Acontece que, se você pensar logicamente, para viver na Rússia, você tem que ser do gênero com o qual nasceu. Nasci menino, meu nome era Roman. Então eu teria que voltar [a “ser Roman”]. Isso não é lógico? Lógico. Eu comecei a fazer isso — disse ao Novaya Gazeta, explicando o anúncio sobre a destransição.
Na entrevista, ela afirmou que seu nome, Yulia, segue presente nos documentos oficiais, modificados quando a legislação russa ainda permitia, e que não pretende mudá-los, mesmo diante das ameaças ainda presentes de internação compulsória e outros tipos de violência.
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Alyoshina ganhou notoriedade em 2021, quando assumiu o escritório do partido Iniciativa Cívica, de oposição, na região de Altai, na Sibéria, mas sua carreira política rapidamente sofreria o primeiro baque em 2022, quando o Parlamento russo aprovou uma lei vetando qualquer tipo de mensagem que “promova relações sexuais não tradicionais”. Ela deixou o comando do diretório do partido no mesmo ano e, em 2023, cogitou concorrer ao comando do governo regional, mas não obteve o número de assinaturas para confirmar sua presença nas cédulas.
Neste mesmo período, o governo de Vladimir Putin apertou o cerco à população LGBT+ como parte de um discurso conservador adotado nos meses que antecederam sua quinta eleição para a Presidência. Em julho de 2023, o Parlamento aprovou uma medida que proibiu cirurgias de redesignação de gênero no país — uma decisão tomada pouco depois de Alyoshina desistir de concorrer ao governo de Altai. Em novembro, a Suprema Corte proibiu o “Movimento LGBT Internacional” por considerá-lo "extremista", e a Justiça russa já emitiu condenações.
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Para ela, foi mais um sinal de alerta: em janeiro, diante de ameaças recorrentes, inclusive de internação compulsória, Yulia Alyoshina apresentou à Suprema Corte um pedido de esclarecimento se poderia continuar a viver na Rússia sendo uma pessoa transgênero, ainda mais sendo uma figura pública e conhecida no país. O tribunal respondeu que não presta esclarecimentos com base nos apelos dos cidadãos.
— Estou numa situação em que não tenho muito a perder — afirmou ao Novaya Gazeta. — Eu sou humana. Não tenho dupla personalidade. Eu nasci, ao nascer recebi o nome de Roman. Aí quis ser mulher e escolhi o nome Yulia. Esse é, na verdade, direito de qualquer pessoa civilizada. Claro, posso me forçar a ser Roman? Sim, posso, com toda a minha força de vontade, posso forçar-me a ser Roman e a viver como Roman. Mas, neste caso, estou indo contra o meu coração.
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