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Mito ou verdade: o estresse causa úlcera?

O tabagismo e o consumo excessivo de álcool também podem gerar ferimentos no estômago, pois inflamam e causam danos ao trato gastrointestinal

Agência O Globo - 24/06/2024
Mito ou verdade: o estresse causa úlcera?
Mito ou verdade: o estresse causa úlcera? - Foto: Reprodução/internet

O jornal americano The New York Times recebeu uma dúvida interessante de um leitor: “minha família sempre diz que vou acabar tendo uma úlcera se eu não controlar o meu estresse. Mas isso é realmente verdade?”. Será?

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De acordo com especialistas, embora as pessoas acreditem há muito tempo — e os médicos costumavam reforçar essa ideia —que o estresse pode causar úlceras no estômago, a relação entre os dois não é direta.

Portanto, é verdade que alguns pacientes gravemente enfermos, como os internados em unidades de terapia intensiva, podem desenvolver úlceras de estresse, que são feridas no revestimento do trato gastrointestinal após uma exaustão física extrema. No entanto, segundo a gastroenterologista Tonya Adams, “não há dados” que confirmem que o estresse psicológico diário pode causar úlceras diretamente.

Além disso, de acordo com a médica Neha Mathur, o estresse pode ser um fator decisivo entre as pessoas que têm alto risco de desenvolver úlceras por outros motivos, como uso excessivo de medicamentos específicos ou infecção por alguma bactéria.

O papel complexo do stress

Os pesquisadores estimam que de 5% a 10% das pessoas em todo o mundo desenvolverão uma úlcera.

Um tipo comum de úlcera, conhecida como “péptica”, se forma quando o ácido estomacal corrói o revestimento protetor do estômago ou do intestino delgado, causando o desenvolvimento de feridas. Já a úlcera gástrica, explica a gastroenterologista Carolyn Newberry, se forma quando as feridas se desenvolvem especificamente no revestimento do estômago.

A maioria das pessoas com úlceras pépticas, por exemplo, não apresenta sintomas. Por outro lado, algumas podem ter dor abdominal superior, desconforto estomacal, azia, inchaço ou náusea. Outras úlceras também sangram, causando fezes escuras, parecidas com alcatrão, ou tingidas com sangue vermelho.

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Segundo Mathur, não é absurdo pensar que o estresse pode causar úlceras, considerando que “ele pode definitivamente gerar muitas doenças gastrointestinais”, como síndrome do intestino irritável, refluxo ácido severo e doença inflamatória intestinal.

O papel do estresse na causa das úlceras fica ainda menos claro, com alguns estudos sugerindo uma conexão e outros não. Em 2015, por exemplo, um estudo com cerca de 3.400 adultos e pesquisadores da Dinamarca descobriu que aqueles que relataram os níveis mais altos de stress, em comparação com os mais baixos, tinham 2,2 vezes mais chances de desenvolver úlceras nos 11 ou 12 anos seguintes.

Os pesquisadores notaram, entretanto, que cerca de um terço desse risco excessivo não se deve aos efeitos diretos do estresse, mas à forma como as pessoas reagem – através do tabagismo ou do consumo de álcool.

Contudo, quando os investigadores analisaram os resultados da endoscopia feita em quase 24 mil adultos na Coréia do Sul, descobriram que o estresse estava associado a um risco aumentado para várias condições gastrointestinais, mas não para úlceras.

O estresse, de acordo com Newberry, pode contribuir para o desenvolvimento de úlceras, mas uma pessoa estressada não pode desenvolver o ferimento estomacal sem ter outros fatores de risco.

O que causa úlceras?

Existem várias causas conhecidas. Em um estudo publicado em 2020, pesquisadores analisaram os registros médicos de cerca de 1,3 milhão de pacientes que visitaram centros de endoscopia nos Estados unidos, entre 2009 e 2018. Com isso, descobriram que 17% das úlceras pépticas foram causadas pela bactéria Helicobacter Pylori. Mathur explicou que, quando as pessoas ingerem a bactéria, seus sistemas imunológicos liberam células inflamatórias que podem danificar o revestimento do trato gastrointestinal.

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Pessoas que usam regularmente esteroides ou anti-inflamatórios, como ibuprofeno ou aspirina, também podem desenvolver úlceras, segundo a médica. Esses medicamentos em altas doses, tomados continuamente por um longo período, podem danificar o revestimento gastrointestinal.

Em um estudo pioneiro de 1987, pesquisadores avaliaram os tratos gastrointestinais de 63 homens e duas mulheres que tomaram continuamente anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) por pelo menos 6 semanas para tratar artrite. Eles, então, descobriram que 68% dos pacientes apresentavam evidências de lesão gastrointestinal e 15% desenvolveram úlceras.

O tabagismo e o consumo excessivo de álcool também podem causar úlceras, pois inflamam e causam danos ao trato gastrointestinal. Pessoas com síndrome de Zollinger-Ellison, um distúrbio raro que faz com que células no trato liberem muito ácido, também desenvolvem úlceras, segundo a gastroenterologista Adams.

O tratamento, portanto, depende de sua causa. Se houver envolvimento de bactérias – o que os médicos podem determinar por testes de fezes e respiração ou com uma endoscopia – os pacientes recebem antibióticos e antiácidos. Caso contrário, explica Mathur, as pessoas geralmente são tratadas com antiácidos e aconselhadas sobre possíveis mudanças no estilo de vida, como reduzir o tabagismo, o consumo de álcool ou o uso de AINEs.

Frequentemente, para garantir, os médicos vão realizar uma endoscopia entre 6 e 8 semanas para verificar se o tratamento funcionou.

— Queremos ter certeza de que as coisas sararam — concluiu Mathur.