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Machado, Ziraldo, Jeferson Tenório: lista de livros já censurados no Brasil inclui clássicos da literatura

Mesmo aclamados pelo público e crítica especializada, os títulos são retirados de escolas da rede municipal, estadual e federal

Agência O Globo - 20/06/2024
Machado, Ziraldo, Jeferson Tenório: lista de livros já censurados no Brasil inclui clássicos da literatura

Uma passagem do livro “O menino marrom”, de Ziraldo, incomodou um grupo de pais da cidade de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais, e fez com que a Secretaria de Educação retirasse o título da rede municipal de ensino. Assim, o autor entrou para uma lista de censuras recentes que estão ocorrendo no Brasil e que possui nomes como Jeferson Tenório, Machado de Assis, entre outros.

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Veja abaixo uma lista com alguns dos livros que foram censurados em território nacional recentemente. Além de textos atuais, estão títulos e nomes clássicos e renomados da literatura brasileira;

O Menino Marrom - Ziraldo

Este livro é um dos mais importantes da carreira de Ziraldo, lançado em 1986, ele apresenta a amizade entre duas crianças, uma preta e outra branca. É um clássico dentro das escolas brasileiras, no entanto, um grupo de pais de Conselheiro Lafaiete se incomodou com o trecho da história em que os dois protagonistas decidem fazer um pacto de sangue para selar a amizade entre eles e pegam uma faca. Na sequência, eles desistem da ideia e buscam um alfinete, mas voltam a mudar de ideia e decidem usar apenas tinta vermelha. Como não acham o item, fazem a parceria com tinta azul.

Segundo os pais incomodados com o livro, ao invés de abordar o tema do racismo, na verdade, o texto induz as crianças a praticarem o pacto de sangue cortando o próprio punho. Além disso, um segundo ponto chama atenção dos adultos. É a passagem em que um dos protagonistas deseja que uma idosa que o trata mal seja atropelada a caminho da missa.

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“O menino marrom” foi distribuído para crianças do 3º e 4º ano (com idades entre 8 e 10 anos), antes de ser recolhido pela prefeitura nesta quarta-feira. Em nota, a secretaria afirmou que a obra “é um recurso valioso na educação, pois promove discussões importantes sobre respeito às diferenças e igualdade”, mas, diante das “diversas manifestações e divergência de opiniões”, pediu a suspensão temporária dos trabalhos sobre o livro, para “melhor readequação da abordagem pedagógica, evitando assim interpretações equivocadas”.

O avesso da pele - Jeferson Tenório

Título vencedor do Prêmio Jabuti na categoria “Romance Literário” em 2021, o livro ‘O avesso da pele’, de Jeferson Tenório, também já passou por censura. O caso aconteceu em março deste ano, na cidade de Santa Cruz do Sul, no estado do Rio Grande do Sul.

Na ocasião, a diretora da Escola Ernesto Alves, Janaina Venzon, gravou um vídeo acusando o livro de utilizar “palavras de baixo calão” e apresentar situações envolvendo práticas sexuais. Vale destacar, que a educadora selecionou a obra pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), que é um programa nacional, que avalia, seleciona e disponibiliza obras didáticas e literárias para as escolas públicas das redes federal, estadual e municipal.

Esta não foi a primeira vez em que o livro foi objeto de censura, já havia ocorrido uma iniciativa em escola privada em Salvador, na Bahia. Na obra, o autor realiza forte crítica ao racismo existente no Brasil.

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Além de ser bem recebido pela crítica especializada, o livro também teve os seus direitos vendidos para diversos países como Portugal, Itália, Inglaterra, Canadá, França, México, Eslováquia, Suécia, China, Bélgica, Estados Unidos. Mesmo sendo um sucesso, a obra acabou sendo retirada das bibliotecas de Santa Cruz do Sul.

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios - Marçal Aquino

Em maio de 2023, a Universidade de Rio Verde (UnivRV), de Goiás, retirou o livro “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” de seu vestibular com a justificativa de que seria impróprio para os alunos. A obra de Marçal Aquino saiu da lista depois de uma campanha iniciada pelo deputado Gustavo Gayer (PL-GO), que classificou a obra como “pornográfica”.

“A Companhia das Letras repudia qualquer tipo de censura e, diante de uma situação como essa, declara seu apoio a @marcal_aquino, autor vencedor do prêmio Jabuti e com obras lançadas na Alemanha, Espanha, França, México, Portugal e Suíça”, postou a editora.

Publicado em 2005, o texto já foi adaptado para o teatro e para o cinema. A história apresentada é do envolvimento do fotógrafo Cauby com Lavínia, mulher de um pastor evangélico que a tirou das ruas e das drogas. A trama se passa no Pará e é marcada por personagens do sub-mundo, como garimpeiros, prostitutas, assassinos de aluguel, entre outros. E é nessa realidade que o personagem principal tenta sobreviver.

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Desde que foi lançado, o livro já teve mais de 20 edições e aparece no currículo de diferentes cursinhos de pré-vestibular ao redor do Brasil. Ele nunca havia sido alvo de polêmicas, até o deputado postar um vídeo em suas redes sociais. Pouco tempo depois, a universidade informou em nota a exclusão do livro e admitiu a influência externa.

“Em relação ao livro do autor Marçal Aquino, trata-se de uma obra da literatura brasileira contemporânea, trabalhada nos principais cursinhos pré-vestibulares e presente na lista obrigatória de diversos concursos do país, motivo pelo qual a banca o teria indicado para o vestibular da UniRV”, disse em nota. “Porém, a Coordenação do Vestibular, ao tomar ciência do conteúdo do livro e da polêmica gerada, decidiu pela exclusão imediata da referida obra da lista literária indicada para o vestibular”.

Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis

Um dos maiores clássicos da língua portuguesa e uma referência internacional, a obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, já foi “censurada” pela Secretaria de Educação de Rondônia, em fevereiro de 2020. Na época, foram recolhidos 43 títulos das escolas da rede pública de ensino estadual, por supostamente conterem “conteúdo inadequado às crianças e adolescentes”. Depois, a pasta retrocedeu.

Em nota a Secretaria de Educação se posicionou sobre o “cancelamento”. "A equipe técnica da secretaria analisou as informações e constatou que os livros citados eram clássicos da literatura. Sendo assim, o processo eletrônico que contém a análise técnica foi encerrado imediatamente sem ordem de tramitação para quaisquer órgãos externos, secretarias ou escolas públicas", dizia a nota oficial da secretaria.

Além de Machado de Assis, estavam presentes na lista nomes como Ferreira Gullar, Caio Fernando Abreu, Carlos Heitor Cony, Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues, entre outros.

Meninos sem Pátria - Luiz Puntel

Em 2018, o livro infanto-juvenil foi banido pelo tradicional Colégio Santo Agostinho, no Rio de Janeiro. Lançado em 1981, "Meninos sem pátria", de Luiz Puntel, apresenta a história de uma família que é obrigada a deixar o país durante a ditadura militar quando o pai, jornalista, passa a ser perseguido pelo regime por questões políticas.

A obra faz parte da série Vaga-lume, coleção de livros destinados ao público infantojuvenil e referência há décadas nas escolas brasileiras. Na época, pais e responsáveis acusaram o livro de propagar ideias comunistas, o que seria nocivo para formação dos alunos da instituição de ensino.

Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas - Flávia Martins

No início do mês, a prefeitura de São José dos Campos censurou e mandou recolher das escolas da rede pública o livro "Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas", de Flávia Martins. A ação ocorreu após o vereador Thomaz Henrique (PL-SP) acusar a obra de fazer "apologia ao aborto". O político utilizou suas redes sociais para anunciar a medida.

"Após a minha denúncia na última terça-feira, a Prefeitura informou oficialmente que retirou de todas as escolas municipais o livro que define a maior defensora do 4B0RT0 no Brasil, Débora Diniz, como mulher inspiradora. O livro defende os “direitos reprodutivos” da mulher e o direito da mulher “escolher ser mãe ou não”, além de chamar os contrários ao @b0rt0 de “gente chata”. O livro ainda trazia a ex-vereadora do PSOL, Marielle Franco, também como mulher inspiradora para alunas do 5º ano", publicou Henrique.

Em nota, a Editora Mostarda, responsável pela publicação do título, se manifestou sobre o caso. "Qualquer tipo de censura e defendemos que obras que promovem o pensamento crítico e o exercício da cidadania devem permanecer nas escolas, sem quaisquer impedimentos de ordem autoritária", informou a Editora.