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Os oito cadetes

Carlito Lima 16/06/2024
Os oito cadetes
Carlito Peixoto

O nosso país está passando por uma crise política, moral, ética, de honradez e nobreza em sua História. Desde a Guerra do Paraguai o Exército Brasileiro envolveu-se na política. Não vou discutir sobre esses aspectos. Quero apenas esclarecer que me orgulho em ter sido Oficial do Exército Brasileiro durante 17 anos, inclusive servi em Roraima entre os índios durante dois anos e meio e em outros Estados do Brasil. Pelo exposto, conto uma história para mostrar que o aprendizado na Escola Militar não ficou apenas na matemática, física, direito ou ciências militares, entre outras matérias.

Há alguns anos fui à Resende, Rio de Janeiro, comemorar aniversário de formatura de minha turma na AMAN. Ao ultrapassar depois de tanto tempo o Portão Monumental da Academia Militar das Agulhas Negras veio-me forte emoção e recordação. Caminhei pelos quatro cantos da grande escola de minha vida, boas lembranças, revi os bancos escolares, o bosque com o Rio Lambari, onde eu costumava ler meus livros. Enfim revi a escola que muito me ensinou na vida. A Academia Militar das Agulhas Negras é considerada a mais bem equipada e mais bonita do mundo.

Depois de três dias em Resende seguimos, oito casais; sete generais e um capitão, para o Rio de Janeiro. Uma semana de muitas histórias relembradas. Companheiros de turma, irmãos por adoção, durante anos ralamos juntos naquela magnífica Escola Militar ao pé das Agulhas Negras, um dos picos mais altos do Brasil. Nas noitadas dessa gostosa semana reuníamos os casais para longas conversas relembrando fatos e lendas que se incorporaram às nossas vidas, como a história dos oito cadetes de pelerine.

No início de 1943, tempo de II Guerra Mundial, a construção da AMAN havia paralisada por falta de verba; funcionava no Rio a velha Escola Militar do Realengo, instituição que formou muitos militares.

Naquela época uma das diversões do cadete era montar nos dias de folga. Oito amigos nos fins de semana costumavam cavalgar. Oito companheiros inseparáveis saíam sempre juntos, um ajudava ao outro nos estudos, nas dificuldades. Irmãos por escolha, por opção. Em algumas noites costumavam sorrateiramente cavalgar até uma boate de mulheres que havia no subúrbio do Rio de Janeiro. Naquela época prostituta namorava. Os oitos cadetes vestiam-se apenas com pelerine (capa militar longa, azul marinho, sem mangas), botas e o quepe a Príncipe Danilo, o mulherio se assanhava quando eles apareciam. Havia um detalhe, por baixo das pelerines eles nada vestiam, todos nus, faziam farras tremendas no cabaré. Os cadetes cavalgavam nus, dançavam nus, apenas cobertos pela pelerine. Certamente iam nus para os quartos das prostitutas apaixonadas. Diversão de alto risco, se fossem apanhados pela Patrulha Militar pegariam cadeia ou até expulsão.

Certa noite depois de dançar e deitar com as “namoradas”, os oito amigos montaram nos cavalos escondidos no mato, com um grito de comando dispararam pela estrada de barro retornando à Realengo. Ao passar por uma rua deserta, por volta da meia noite, perceberam numa esquina escura quatro homens assaltando, batendo num senhor, ele pedia clemência, que não lhe matassem. Os cadetes, os oitos cavaleiros, não precisaram combinar, puxaram as rédeas, os cavalos, dirigiram-se para o local do assalto, com destemor e perícia, desmontaram dos cavalos à galope, agarraram os bandidos. Dois socorreram o cidadão, devia ter mais de 60 anos, os outros prenderam os marginais. Entregaram os facínoras numa delegacia próxima, e o velho ferido foi deixado num hospital.

Na segunda-feira durante a formatura matinal, o comandante da Escola Militar do Realengo pediu à tropa para que os cadetes que tinham salvado a vida de um cidadão se apresentassem, o filho desse senhor encontrava-se na Escola, queria agradecer. Receosos de pegar uma cadeia, os oito amigos não se revelaram. Depois do comandante muito insistir e promessa de não haver punição, os cadetes se apresentaram. Foram levados à presença do velho no hospital. Era nada mais nada menos que Henrique Lage, um dos homens mais ricos do Brasil, donos de empresas, inclusive a Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, navios que faziam a costa brasileira. O rico senhor agradeceu aos cadetes e perguntou qual a precisão de cada um, eles dissessem o que queriam, casa ou carro, ou o que fosse. Os oito amigos pediram para pensar. Reuniram-se, discutiram muito. No dia seguinte foram ao ricaço, nada queriam para eles, pediam que ele ajudasse a terminar a construção da Academia Militar das Agulhas Negras que estava paralisada. O velho deu a ordem, mandou buscar o mais fino mármore de Carrara na Itália para o revestimento, mandou comprar todo o piso em granito, recomeçaram as obras da Academia por sua conta. Até hoje perdura o luxo e a suntuosidade daquele belíssimo conjunto arquitetônico. A AMAN é considerada a mais bonita Academia Militar do mundo. Esta história dos oito cadetes, hoje anônimos militares reformados de nomes esquecidos, o belo gesto, a coragem, o destemor e o amor à sua Escola tornaram-se lenda, sempre lembrada nas reuniões de militares brasileiros.