Internacional

Análise: Noruega arrisca posição de negociador no Oriente Médio ao reconhecer Estado da Palestina

Israel retirou embaixador do país após anúncio desta quarta, rebaixando o nível do diálogo entre os países; oposição acusa governo norueguês de tomar medida simbólica, mas sem efeito prático

Agência O Globo - 22/05/2024
Análise: Noruega arrisca posição de negociador no Oriente Médio ao reconhecer Estado da Palestina
Noruega arrisca posição de negociador no Oriente Médio ao reconhecer Estado da Palestina - Foto: Reprodução / internet

Ao reconhecer a soberania do Estado da Palestina, a Noruega pode ter fechado a porta ao seu papel histórico de mediador no Oriente Médio. A ênfase do país na capacidade de falar com ambos os lados do conflito de longa data é simbolizada pelos acordos de paz de 1993, assinados em Oslo. O acordo "provisório" (agora com mais de 30 anos) serve como um lembrete das tentativas norueguesas de forjar uma resolução permanente para o conflito Israel- Palestina — mas, após o anúncio desta quarta-feira, a primeira reação israelense foi chamar de volta o seu embaixador no país.

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— Com esta ação simbólica que não tem nenhum significado real, o governo tirou completamente a Noruega do seu papel como potencial mediador da paz neste conflito — disse Sylvi Listhaug, líder do Partido do Progresso, de oposição ao governo do primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Store, em uma entrevista ao jornal VG.

O argumento se assemelha à fala do chanceler da França, Stéphane Séjourné, que declarou que embora o reconhecimento da Palestina não seja nenhum tabu para Paris, o momento seria impróprio por não haver espaço para uma progressão em direção à estabilização do conflito.

"Neste sentido, deve chegar em um momento oportuno para que haja um antes e um depois [já que] não se trata só de uma questão simbólica ou de posicionamento político", escreveu o diplomata. "A França não considera que existam as condições para que esta decisão tenha um impacto real neste processo".

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Em uma coletiva de imprensa nesta quarta-feira, Store afirmou que um Estado palestino é um "pré-requisito" para alcançar a paz no Oriente Médio. O anúncio foi coordenado com líderes da Espanha e Irlanda, que fizeram pronunciamentos semelhantes.

— Não podemos mais esperar que o conflito seja resolvido antes de reconhecermos o Estado da Palestina — disse Store.

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O ministro das Relações Exteriores do país, Espen Barth Eide, disse que o governo ainda deseja “contato próximo” com Israel e continua “amigo” da nação do Oriente Médio, segundo a emissora pública NRK.

A primeira reação israelense, contudo, foi o oposto do objetivo conciliador indicado pelas autoridades norueguesas. A cúpula política de Israel, incluindo setores da oposição que pedem a queda do premier Benjamin Netanyahu, afirmam que o momento não é adequado para abrir conversas sobre a criação de um Estado Palestino — o que poderia ser entendido como um "prêmio" ao Hamas pelo atentado terrorista do ano passado.

"A decisão de hoje envia uma mensagem aos palestinos e ao mundo: o terrorismo compensa. Depois de a organização terrorista Hamas ter levado a cabo o maior massacre de judeus desde o Holocausto, depois de cometer crimes sexuais hediondos testemunhados pelo mundo, estes países optaram por recompensar o Hamas e o Irã reconhecendo um Estado Palestino", escreveu Katz em uma mensagem no X (antigo Twitter), pouco antes do reconhecimento pela Espanha.

"A loucura irlandesa-norueguesa não nos detém; estamos determinados a alcançar os nossos objetivos: restaurar a segurança dos nossos cidadãos, desmantelar o Hamas e trazer os reféns para casa. Não existem causas mais justas do que estas", disse o diplomata em outro trecho da mensagem.

Embora tenha sido fundamental nas negociações secretas que levaram à criação da Autoridade Nacional Palestina – o órgão governamental que foi expulso de Gaza pelo Hamas em 2006 – a Noruega, tal como outros países, não foi capaz de estimular qualquer progresso real em direção à paz em décadas.

Ainda assim, a nação “assumiu um papel de liderança na mobilização do apoio europeu” para um plano de paz apresentado pelos vizinhos árabes de Israel na sequência dos ataques de 7 de outubro, disse o governo em uma declaração enviada por e-mail à Bloomberg, na quarta-feira. O país também espera “fazer grandes progressos” em uma reunião que terá lugar em Bruxelas no final deste mês.