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Pela 1ª vez, implante cerebral bilíngue permite paciente paralisado falar em espanhol e inglês

Com auxílio de inteligência artificial, cientistas criaram aparelho que decodifica atividade cerebral em fala e distingue entre os dois idiomas

Agência O Globo - 22/05/2024
Pela 1ª vez, implante cerebral bilíngue permite paciente paralisado falar em espanhol e inglês
Pela 1ª vez, implante cerebral bilíngue permite paciente paralisado falar em espanhol e inglês - Foto: Reprodução / internet

Pela primeira vez, um implante cerebral não apenas conseguiu decodificar a fala de um paciente paralisado por meio da atividade cerebral, como também soube diferenciar frases em inglês e espanhol. O feito foi possível graças ao desenvolvimento de um sistema de inteligência artificial (IA) que identificava o idioma no qual o indivíduo tentava se comunicar em tempo real.

O dispositivo foi desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Neurociência Weill, da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), nos Estados Unidos. O trabalho em que detalham os testes com o paciente bilíngue foi publicado nesta semana na revista científica Nature Biomedical Engineering.

A tecnologia é uma interface cérebro–computador (BCIs, da sigla em inglês), ramo que tem avançado nos últimos anos. O objetivo de aparelhos do tipo é permitir que um indivíduo com uma forma de paralisia grave consiga se mover ou se comunicar. Para isso, um aparelho registra a atividade cerebral, nesse caso o implante, e a decodifica para gerar a fala, controlar um computador, um braço robótico, um celular ou outros dispositivos.

No entanto, no recente estudo os cientistas escrevem que “os avanços na decodificação da fala a partir da atividade cerebral concentraram-se na decodificação de um único idioma”, o inglês, o que é um entrave para um futuro uso por indivíduos que não falam a língua. Por isso, eles desenvolveram uma IA para identificar, a partir da atividade do cérebro, qual o idioma que o paciente estava tentando se comunicar.

O sistema foi treinado em inglês e espanhol, já que o paciente que fez parte dos testes é falante nativo do espanhol. Apelidado de Pancho, ele sofreu um derrame aos 20 anos que paralisou parte do seu corpo e comprometeu sua capacidade de falar. Porém, aos 30 anos, fez uma parceria com o time da UCSF e tem testado o implante cerebral desde então.

— Os idiomas que uma pessoa fala estão, na verdade, muito ligados à sua identidade. Portanto, nosso objetivo de longo prazo nunca foi apenas substituir palavras, mas restaurar a conexão das pessoas — disse Edward Chang, principal autor do estudo e neurocirurgião na universidade, à revista Nature.

A IA decifra a probabilidade, palavra por palavra, de aquele vocábulo ser em espanhol ou inglês, e seleciona o mais provável. Conforme o paciente se esforça para proferir a frase, o sistema vai reconhecendo os outros termos e formando a sentença no idioma cujo resultado tiver uma maior acurácia, que surge numa tela.

Nos testes, o implante conseguiu distinguir adequadamente entre as duas línguas com uma precisão de 88%, e decodificou a frase correta com uma exatidão de 75%. Com isso, o paciente conseguiu ter conversas mais longas com os pesquisadores por meio do dispositivo.

— Esse novo estudo é uma contribuição importante para o campo emergente das neuropróteses de restauração da fala. Há todos os motivos para pensar que essa estratégia funcionará com maior precisão no futuro quando combinada com outros avanços recentes — disse Sergey Stavisky, neurocientista da Universidade da Califórnia de Davis que não participou do estudo, à Nature.

Implantes cerebrais avançam

As tecnologias de BCIs, embora ainda em estágios muito preliminares de testes, avançam rapidamente. Um dos exemplos que mais repercute é o Telepathy, chip da empresa Neuralink, do bilionário Elon Musk. A primeira unidade foi implantada neste ano num participante, que passou a mover um mouse e acessar o computador pelo cérebro.

Mas o dispositivo não é o primeiro a alcançar o efeito – um chamado Stentrode, da empresa Synchron, permitiu que pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA) enviassem mensagens de texto, de e-mail, administrassem finanças pessoais, realizassem compras on-line e comunicassem a necessidade de cuidados, com os resultados publicados na revista científica JAMA Neurology em janeiro do ano passado.

Em relação à fala, como o implante bilíngue relatado agora, os mesmos cientistas da UCSF compartilharam alguns dos primeiros resultados de testes com um aparelho que permitiu um paciente com paralisia a se comunicar, também o mesmo que agora participou do novo estudo, em 2021. Na época, o ritmo era lento, de até 18 palavras por minuto.

Dois anos depois, pesquisadores das universidades de Stanford e Brown publicaram o caso de um modelo mais avançado, que chegou a 62 palavras por minuto. No mesmo mês, a equipe da UCSF também divulgou uma nova versão de seu implante, que foi ainda mais longe: 80 palavras por minuto. Para comparação, a fala comum costuma chegar de 150 a 160.