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Drinque e vinho sem álcool para crianças e adolescentes pode? Veja o que dizem psicólogos e pais e entenda a polêmica

As diversas bebidas não alcoólicas disponíveis no mercado atraíram um novo tipo de cliente: o público menor de 18 anos

Agência O Globo - 10/05/2024
Drinque e vinho sem álcool para crianças e adolescentes pode? Veja o que dizem psicólogos e pais e entenda a polêmica
Drinque e vinho sem álcool para crianças e adolescentes pode? Veja o que dizem psicólogos e pais e entenda a polêmica - Foto: Reprodução / internet

A primeira vez que Tom Mathe, barman-chefe do L'Avenue, em Manhattan, viu uma criança pedir um coquetel sem álcool, ele não sabia o que pensar.

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Primeiramente, ele pensou: “Calma, isso está certo?”, disse o barman. — Eu não escolheria exatamente as crianças como um grupo demográfico quando faço qualquer tipo de drinque.

No entanto, ele tem notado cada vez mais que as crianças pedem bebidas não alcoólicas. — Não é exatamente todo dia, mas é mais do que semanal.

O restaurante, que fica dentro da Saks Fifth Avenue, tem duas batidas sem álcool no cardápio. A maioria das crianças pede o “Mr. Tastee”, afirmou Mathe, que vem com coco, baunilha, laranja bergamota e refrigerante. Faz sentido, acrescentou, considerando que ele a criou pensando em sua própria infância: “Isso me lembra a espera por um caminhão de sorvete”.

Por fim, ele decidiu que, embora ainda pareça um pouco estranho servir bebidas sofisticadas para crianças, é gratificante contribuir para as experiências gastronômicas familiares “de uma forma interessante”.

À medida que os coquetéis, vinhos e cervejas sem álcool se tornaram parte integrante dos cardápios de bares nos Estados Unidos, algumas crianças — pessoas bem abaixo da idade legal para beber — começaram a participar.

No Brasil, a tendência também vem tomando espaço. Em festas infantis ou de adolescentes, por exemplo, está cada vez mais comum ver — junto com a pipoca, o cachorro-quente e os salgadinhos — carrinhos que ofereçam drinques sem álcool.

Tecnicamente, não há razão para que não possam beber. Embora algumas contenham traços muito pequenos de álcool — ou pelo menos imitem o sabor do álcool —, muitas bebidas não alcoólicas são feitas apenas de sucos e outros ingredientes apropriados para crianças.

No entanto, tanto os pais quanto os profissionais de hotelaria e hospitalidade estão se perguntando se essa tendência é problemática de qualquer forma, seja por motivos financeiros, éticos ou de saúde.

Em uma conversa recente no Reddit, alguns pais compararam servir bebidas sem álcool aos seus filhos com dar a eles cigarros doces — o que não é aceitável, de acordo com alguns dos participantes —, enquanto outros disseram que era mais como servir frango falso a um vegano — totalmente aceitável, concluíram outros —.

Para Amy Wildenstein, 43 anos, fisioterapeuta pediátrica em Mechanicsburg, Pensilvânia, sair para tomar um drinque com seus filhos de 8 e 9 anos tornou-se um passeio divertido em família.

— Aqui há muitas cervejarias, então vamos todos a uma delas e as crianças pedem um refrigerante artesanal — declarou, ressaltando que também há vinícolas locais que fazem rodadas de vinho sem álcool — uva branca, uva vermelha, tinto espumante e branco espumante. Ela acrescentou que um restaurante local serve drinques sem álcool com doces e peixes de brinquedo.

— As crianças se sentam com os adultos e fazem o que querem. Elas adoram.

Ela gosta do fato de seus filhos poderem participar das atividades dos adultos.

— Não temos nossa família ao nosso redor e não temos muitas babás. Isso permite que meu marido e eu façamos as coisas que queremos fazer e ainda tenhamos nossos filhos conosco — completou.

Como resultado, seus filhos estão desenvolvendo paladares sofisticados. — Meus filhos gostam de bife, sushi, coquetéis sem álcool — contou.

Wildenstein também usa esses passeios como uma oportunidade para conversar com seus filhos sobre o álcool. — À medida que as crianças crescem, conversamos sobre os efeitos colaterais, os prós e os contras e sobre como ser responsável — afirmou. — Espero que beber esses coquetéis sem álcool faça com que eles não sejam tão rebeldes quando tiverem 14 e 15 anos.

Meredith Grossman, psicóloga com consultório particular na cidade de Nova York que trabalha com adolescentes, é cética.

— A maioria das crianças vai beber — declarou. — Não acho que dar drinques sem álcool para as crianças é o que vai fazer com que elas se decidam ou não a consumir álcool antes da idade legal.

Ela, no entanto, diz que gosta da ideia de famílias inteiras bebendo coquetéis sem álcool juntas.

— Acho que se os pais saem e pedem esses drinques sem álcool e seus filhos também consomem, isso é ótimo — opinou. — Isso mostra às crianças que é possível sair e se divertir sem bebidas alcoólicas.

Entretanto, essa lição não funciona necessariamente se os pais estiverem pedindo bebidas alcoólicas enquanto os filhos ficam sem álcool.

— Se os pais estiverem bebendo álcool e se divertindo muito, isso é um exemplo para as crianças de que você está se divertindo porque está bebendo álcool e essa é a lição que elas aprenderão — prosseguiu.

Do ponto de vista de um restaurante, a criação de programas de coquetéis voltados para a família faz sentido, pelo menos do ponto de vista financeiro.

— É dinheiro fácil na mesa quando você pode promover o lado não alcoólico tanto quanto o faz com os coquetéis — disse Brian Evans, diretor de bares do Sunday Hospitality Group, que inclui o restaurante Sunday in Brooklyn e o Hotel Chelsea.

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A ambiguidade em torno da prática levou alguns pais e profissionais do setor a elaborarem suas próprias regras sobre o que é aceitável.

Julie Mountain, proprietária do Granola Bar, um restaurante com sete estabelecimentos em Connecticut e Nova York, disse que, na hora do almoço, os alunos do ensino médio vão ao estabelecimento do Upper West Side e pedem drinques sem álcool.

— Nós nos tornamos uma extensão da cantina da escola por volta das 11 horas da manhã — brincou.

— Esta é uma geração que gosta de ser ‘adulta’ mais rapidamente — acrescentou. — A criança que está almoçando uma torrada de abacate está pedindo um coquetel de limonada de morango e gengibre.

— Eles também estão tirando fotos de tudo o que está sobre a mesa.

Ela disse que estava feliz em ver os adolescentes pedindo os drinques sem álcool de seu restaurante porque eles não contêm bebidas alcoólicas, nem tentam imitar coquetéis para adultos, eles são feitos de refrigerantes e sucos artesanais. Se isso acontecesse, ela afirma que se sentiria desconfortável.

— Há lugares que usam bitters e coisas diferentes para fazer um drinque com gosto de coquetel antigo, e não é isso que estamos fazendo.

— Eu não gostaria de promover bebidas com gosto de álcool para os jovens e dizer a eles que isso é bonito, sexy e atraente — declarou.

Josh Friesen, 33 anos, que trabalha com marketing e comunicação e mora em Portland, Oregon, disse que se sente à vontade para oferecer drinques sem álcool aos seus filhos, de 8 e 4 anos, em casa.

— De vez em quando, preparo algo que tenha Lacroix ou kombucha, coloco uma cereja de coquetel e deixo tudo mais sofisticado com um palito de dente e uma fatia de limão — disse ele.

Mas ele não os deixa pedir em restaurantes.

— Sinto que esses lugares que produzem essas coquetéis sem álcool não fazem isso para crianças — afirmou. — Não quero que meu filho coopte essa coisa que é feita para um adulto que não está bebendo álcool.

Jed Bennett, 50 anos, comerciante de livros infantis que mora em South Orange, Nova Jersey, disse que seus filhos adolescentes, de 17 e 15 anos, estão sempre pedindo coquetéis sem álcool.

— Há um cardápio destes drinques em praticamente todos os lugares que vamos, seja para jantar na cidade, nos arredores ou para passar o verão em Montauk.

Bennett disse que se sentiu um pouco em conflito. — Parte de mim pensa: ‘Não sei se queremos apresentar esse mundo às crianças nessa idade — confesou. — Será que é mais rápido passar para os coquetéis de verdade quando elas forem mais velhas? Isso me incomoda um pouco.

Uma de suas outras ressalvas é o preço desses drinques, que pode ficar na faixa de US$ 20 na cidade de Nova York.

— As crianças dizem: ‘Queremos um mojito virgem ou uma piña colada virgem’, e quando me dou conta, estou pagando US$ 18 por cada um — alertou. — O que aconteceu com o Shirley Temple por US$ 3,50?