Internacional
Líderes árabes apertam cerco a protestos contra guerra em Gaza por temer efeito bumerangue
Por décadas, bandeiras palestinas foram empunhadas em ruas de cidades do Marrocos à Jordânia, mas governos temem que palavras de ordem se voltem contra eles
Como outros governos ao redor do Oriente Médio e Norte da África, o Egito não tem guardado para si a própria posição sobre a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Suas denúncias sobre os israelenses sobre o conflito na Faixa de Gaza são ácidas e constantes. A imprensa estatal divulga imagens da s longas filas de caminhões de ajuda esperando para entrar no território palestino, ressaltando o papel do Egito como a principal linha de suprimentos para Gaza. Mas este mês, quando centenas de pessoas se reuniram no Cairo para um ato em solidariedade a Gaza, as forças de segurança avançaram, prendendo 14 participantes, segundo um advogado.
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É um padrão que se repete pela região desde que Israel, ao responder ao ataque do Hamas, iniciou um cerco de mais de seis meses a Gaza: a fúria e revolta dos cidadãos árabes sobre a guerra em Gaza se tornaram alvo de repressão quando as críticas também passaram a ser direcionadas aos seus próprios líderes. Em alguns países, demonstrar publicamente sentimentos pró- Palestina é o suficiente para levar alguém à prisão. As autocracias árabes raramente toleram dissidências. Mas o ativismo em torno da causa palestina é especialmente espinhoso.
Em outubro, o governo egípcio organizou manifestações por conta própria, e mesmo assim dezenas de pessoas foram detidas depois de gritarem palavras críticas às autoridades. Mais de 50 ainda estão presas, segundo seus advogados.
O Marrocos está processando dezenas de pessoas detidas em atos pró-Palestina ou por fazerem publicações em redes sociais criticando a aproximação do reino com Israel. Na Arábia Saudita, que busca uma normalização, e nos Emirados Árabes Unidos, que já conseguiram um acordo, as autoridades adotam uma pressão tão intensa sobre qualquer tipo de oposição que as pessoas têm medo de falar do assunto Hamas x Israel.
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O governo da Jordânia, dividido entre a população majoritariamente palestina e sua cooperação próxima com Israel e os EUA, prendeu cerca de 1,5 mil pessoas desde outubro, de acordo com a Anistia Internacional. Isso inclui os 500 presos em março, em meio a uma série de protestos diante da embaixada israelense em Amã.
Depois dos atos e detenções, o presidente do Senado jordaniano, Faisal al-Fayez, disse que seu país “não aceitará atos e protestos que se tornem plataformas para a discórdia”.
Por décadas, os ativistas ligaram a luta pela justiça aos palestinos — uma causa que une árabes de diferentes linhas políticas, de Marrakech a Bagdá — à luta por mais direitos e liberdades em seus países. Para eles, Israel era como um símbolo das forças autoritárias e colonialistas que impediram o desenvolvimento de suas sociedades.
— O que acontece com o povo palestino torna clara a base dos problemas para os árabes em todos os lugares: o problema é a tirania — disse Abdurrahman Sultan, um cidadão do Kuwait que participou de protestos a favor da Palestina desde o início da guerra.
O Kuwait permitiu alguns atos, mas, para outros governos, essa ligação entre a causa palestina e questões internas é motivo de alerta. Bandeiras palestinas eram vistas em grande quantidade durante os protestos da Primavera Árabe, em 2011. No Egito, desde que chegou ao poder em 2013, o presidente Abdel Fattah al-Sisi reprimiu manifestações e abafou a maior parte das críticas, e as autoridades veem o ativismo como algo que pode se voltar contra eles.
— Hoje eles estão nas ruas para protestar contra a Palestina. Amanhã, podem protestar contra ele, o presidente — disse Nabeh Ganady, advogado especializado em direitos humanos e que representa os 14 ativistas detidos no protesto de 3 de abril, no Cairo.
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A mensagem, diz Mahienor el-Massry, advogada que se juntou ao protesto, é que “as pessoas não podem sequer sonhar que exista alguma margem para liberdades ou democracia, e que não se deve jamais ganhar confiança e avançar para demandas maiores”.
El-Massry foi presa com outros 10 manifestantes em um protesto diante do escritório da ONU no Cairo, há uma semana, de acordo com Ahmed Douma, um ativista egípcio. Todos foram liberados posteriormente.
Em entrevistas realizadas no Egito, Marrocos e países do Golfo Pérsico — incluindo Arábia Saudita, Emirados Árabes, Omã e Kuwait —, muitos descreveram o conflito entre israelenses e palestinos de forma dura, apontando a questão palestina como uma luta pela Justiça, Israel como um símbolo de opressão e, em certos casos, considerando os negócios de seus líderes com Israel como uma falência moral.
Depois dos acordos de Bahrein, Marrocos e Emirados para normalizar laços com Israel, ao lado dos passos sauditas nesse mesmo sentido, a guerra galvanizou não apenas o ódio nesses países contra os israelenses, mas também contra os líderes árabes que trabalham ou querem trabalhar com Israel.
— Se você está disposto a se vender e vender as pessoas, o que virá depois? — disse Salem, um emiradense que pediu para ser identificado pelo seu nome do meio, com medo do histórico de punições aplicadas a dissidentes pelas autoridades locais.
Governos que assinaram acordos com Israel por vezes descreveram a decisão como um passo rumo a um maior diálogo regional e à tolerância religiosa. Em fevereiro, o governo dos Emirados disse em uma declaração ao New York Times que manter abertos os laços diplomáticos com Israel era “importante em tempos difíceis”.
Mas por causa da hostilidade ou, no melhor dos casos, indiferença sobre Israel entre o público árabe, há uma “conexão direta e necessária” entre o autoritarismo e a assinatura desses acordos, afirma Marc Lynch, professor de Ciência Política especializado no Oriente Médio na Universidade George Washington. O fato de alguns Estados árabes usarem ferramentas israelenses para monitorar seus críticos dá força a essa impressão.
— Se as pessoas tivessem qualquer espaço para eleger democraticamente [lideranças] ou se expressar, elas não escolheriam a normalização com Israel — disse Maryam al-Hajri, socióloga catariana e ativista contra a normalização.
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