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Papillon

Carlito Lima 28/04/2024
Papillon
Carlito Peixoto

Edvaldo frequenta a academia duas a três noites por semana na piscina da Academia. Viciado em natação, gosta das contínuas braçadas, relaxar antes de dormir. Certa noite depois da natação, dormiu feito um menino, roncou feito um bode, teve um sonho, surreal, quase pesadelo. Ele se aproxima por trás de uma mulher, costas nuas, na nuca tatuada uma borboleta colorida, asas abertas, num impulso ele estende a mão tentando alcançar a mulher, de repente a borboleta tatuada levanta voo batendo as asas por cima de seu nariz, nesse momento a mulher vira-se, não tem rosto definido, falta-lhe nariz e boca, apenas dois olhos cinzas olham nos seus olhos, ele se assusta. Acordou-se ofegante, excitado. Sonhou algumas noites seguidas, a mesma mulher, a borboleta. O sonho ficou nítido em sua mente, coisa rara, durante o dia tentava interpretar a história, tinha certeza, conhecia aquela tatuagem, tinha visto a borboleta colorida em algum pescoço.

À noite custava a adormecer pensando no sonho. Tentou relaxar, apelou para cinema, andar na praia, escrever, saiu com casais amigo, bebeu além da conta, dormiu feito um príncipe, entretanto, o mesmo sonho veio-lhe na madrugada. Consultou a um psicólogo amigo, a conversa de uma hora não deu resultado prático. A nuca tatuada não lhe saía da cabeça.

Foi à natação relaxar, a academia repleta de jovens, velhos, mulheres, exercitando ou nadando. Edvaldo nadou ininterruptamente oito piscinas, ao terminar 200 metros, boa marca para um sessentão, segurou-se na borda, pequeno descanso. Ele notou na raia vizinha uma mulher fazia exercício de respiração, mergulhava, soltava o ar, emergia, respirava novamente. Seu coração disparou, entre surpreso e emocionado quando avistou por trás do pescoço da mulher uma tatuagem, a borboleta colorida. Assustado, extasiado ao ver a nuca tatuada, tentou conter a emoção, não pode conter o olhar insistente à nadadora, mulher madura, bem conservada, nem bonita, nem feia, ele olhava fixamente a borboleta. Certo momento ela tirou os óculos, olhos cinzas, segurou a escada da piscina, subiu. Edvaldo imediatamente também subiu e acompanhou-a discretamente. Aproximou-se, num impulso puxou conversa.

- Essa borboleta tatuada me lembrou um livro, Papillon, a história de um preso fugitivo na Guiana Francesa, ele tinha uma borboleta tatuada, era conhecido como Papillon, borboleta em francês.

- Interessante, eu gostaria de ler, qual livraria tem esse livro?

- Posso lhe emprestar, a senhora vem quando por aqui na academia?

- Toda noite eu nado a partir das sete horas.

- Amanhã trago o livro, a senhora vai gostar, tenho certeza. Fizeram um filme com o Dustin Hoffman.

- Até amanhã, despediu-se a nadadora entrando no carro.

Edvaldo ao chegar em casa tomou um bom café, conversou com Natália, a esposa, estava tranquilo, satisfeito. Procurou "Papillon", não encontrou. Ficou especulando, lembrou que havia emprestado o livro a um amigo. Telefonou e foi buscar o livro.

Dia seguinte à noite, antes das sete ele nadava, ao avistar a mulher, alegrou-se, cumprimentaram-se. “-Trouxe o livro”. Disse-lhe arrancando um sorriso. Saíram juntos da piscina, conversaram bastante na lanchonete. Na noite seguinte mais conversa. Ela, professora de música, divorciada, dois filhos, não queria compromissos, gostava de ler, estava adorando o livro.

De conversa em conversa à beira da piscina, tornaram-se amigos, dois adultos, ele não teve dúvida em contar a história do sonho, confessou, só deixaria de sonhar quando beijasse a borboleta, ela gargalhou. Marcaram encontro na outra tarde. Amizade colorida, sem compromisso, assim acertaram. Edvaldo não sonha mais com a mulher, entretanto, em algumas tardes deliciosas, ao vivo e a cores beija a borboleta tatuada. Com carinho sussurra ao ouvido da nadadora, "Minha Papillon".