Internacional
Análise: opções de retaliação para o Irã são poucas e trazem altos riscos de uma guerra de grande porte
Aiatolá Ali Khamenei ainda não teria se decidido sobre qual será a resposta ao ataque contra o consulado em Damasco, que poderia acontecer a qualquer momento
Governos ao redor do Oriente Médio (e fora dele) estão em alerta máximo para o risco de um ataque iraniano “de grande porte” contra Israel, no que seria uma resposta ao bombardeio do complexo diplomático do Irã em Damasco, no começo do mês, que matou altos comandantes da Guarda Revolucionária. O governo israelense afirmou que irá responder a qualquer tipo de ação em seu território, elevando os riscos de uma guerra de grande porte entre dois antigos rivais.
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Citados pela rede americana CBS, dois funcionários da inteligência dos EUA afirmaram que, no pior cenário, o Irã poderia lançar “centenas” de mísseis e drones contra Israel, em uma escala que nem o sofisticado sistema de defesa aérea local poderia enfrentar. Alguns deles lembraram de uma ação de grande porte, em 2019, contra instalações petrolíferas da Arábia Saudita, que seguiram esse modus operandi — o incidente provocou grandes danos, levou à suspensão temporária de quase metade da capacidade de produção saudita e teve impacto sobre os mercados internacionais de petróleo.
— Acho que eles (Irã) atacarão os militares ou algum alvo ligado aos militares — disse à CBS Sima Shine, especialista em segurança e ex-integrante do Mossad, um dos serviços de inteligência de Israel. — Mas a questão aqui é a escala dos danos. Se houver muitos feridos ou mortos, creio que haja potencial para uma escalada.
De acordo com o Wall Street journal, citando uma fonte do governo israelense, a Guarda Revolucionária está em contato direto com o líder supremo, Aiatolá Khamenei, e ofereceu diversos cenários, incluindo o ataque de grande porte e ações pontuais, como contra alvos como rede de geração de energia e de dessalinização de água. Contas relacionadas à Guarda publicaram vídeos em redes sociais, desde o começo da semana, simulando ações contra o aeroporto de Haifa, no Norte de Israel, e contra a usina nuclear de Dimona.
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Outra opção, apontam especialistas, seria apelar para o velho “olho por olho, dente por dente”: desde o bombardeio ao consulado iraniano em Damasco, embaixadas e representações consulares israelenses fecharam as portas e aumentaram a segurança ao redor das instalações, por causa do risco de serem considerados alvos legítimos por Teerã.
Em janeiro, a Guarda Revolucionária atacou o que chamou de “base de operações” do Mossad no Curdistão iraquiano, uma resposta aos recorrentes bombardeios israelenses contra posições aliadas do Irã na Síria e no próprio Iraque. Embora traga menos riscos, esse cenário — que inclui desde ações com drones até atentados com carros-bomba — poderia abalar as relações de Teerã com o país onde o hipotético ataque ocorrer, e não afastaria uma resposta de Israel.
'Terceirizando' o ataque
Uma questão importante é de onde e por quem será realizada uma eventual ação. Por mais que os mísseis iranianos caiam em uma área despovoada do Deserto de Neguev ou das Colinas de Golã, a reação israelense seria igualmente feroz, elevando o potencial de escalada. Em 2020, em resposta ao assassinato do general Qassem Soleimani, o Irã lançou mísseis contra uma base usada pelos EUA no Iraque, mas os tempos e o "alvo" são diferentes, e as autoridades iranianas sabem disso.
Diante desse quadro, “Terceirizar” a retaliação parece, ao menos em teoria, mais seguro, mas não necessariamente evitaria uma desestabilização regional.
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No caso do Hezbollah, uma milícia financiada por Teerã e que tem um vasto arsenal balístico, lançamentos em série muito provavelmente levariam a uma nova guerra em solo libanês, como a de 2006. Desde o início do conflito em Gaza, o Irã e o Hezbollah tentam evitar a criação deste novo cenário de guerra, justamente pelos riscos estratégicos que traz consigo. Outros grupos aliados no Iraque, Síria e mesmo os houthis no Iêmen, apesar de terem demonstrado força militar em nível regional, não teriam a capacidade, na visão de analistas, para qualquer tipo de ação mais contundente contra os israelenses.
E há, por fim, um elemento que, assim como o sistema clerical, é central na figura da República Islâmica desde a revolução de 1979: a retórica. Khamenei ainda não teria tomado uma decisão final sobre um ataque, seja de qual tipo, e nos últimos seis meses tem evitado a todo custo entrar em um conflito regional. Mas a simples ameaça de uma ofensiva “iminente”, presente desde o bombardeio do consulado em Damasco, pode servir, pelo menos a curto prazo, para saciar o desejo de vingança entre seus militares e dar algum tipo de satisfação aos seus aliados regionais.
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Assim, Khamenei evitaria riscos à segurança do Irã a médio e longo prazo, no momento em que já enfrenta problemas locais, como a ressurgência de milícias no Baluchistão e a ameaça do Estado Islâmico, que em janeiro matou quase 100 pessoas em uma procissão em Kerman. A grande pergunta seria até quando o líder supremo, que foi presidente durante a guerra contra o Iraque — ou “Defesa Sagrada”, como o conflito é conhecido no Irã — seria capaz de conter os pedidos de vingança apenas com discursos e ameaças.
'Linha de salvação'
Desde o ataque em Damasco e do início das ameaças de uma retaliação iraniana, o governo de Israel vem prometendo — como teme Khamenei — responder “à altura”, com o aval e o apoio americano.
— Estamos no meio da guerra em Gaza, a qual estamos lutando com todas nosas forças, mesmo em meio aos nossos esforços para libertar nossos reféns. Contudo, também estamos preparados para cenários envolvendo desafios em outros setores — afirmou Netanyahu, durante visita a uma base aérea na quinta-feira. — Determinamos uma regra simples: quem quer que nos cause ferimentos, sofrerá ferimentos. Estamos preparados para cumprir todas as necessidades de segurança do Estado de Israel, defensivamente e ofensivamente.
Um possível alvo são as instalações nucleares iranianas, há décadas apontadas por governantes, como Netanyahu, como centros de desenvolvimento de armas atômicas. Israel já atacou uma central nuclear iraquiana, a de Osirak, em 1981, e atuou em parceria com os EUA em um ataque cibernético contra a central nuclear de Natanz, em 2010, que provocou atrasos no desenvolvimento do programa atômico local. O Irã afirma que seu programa nuclear tem fins pacíficos.
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Para Netanyahu, impedir o avanço do programa nuclear iraniano, ainda mais depois do virtual fim do acordo que limitava atividades de enriquecimento é uma questão existencial para Israel, e um eventual ataque iraniano contra seu país poderia ser a desculpa perfeita para uma ação contundente contra instalações de desenvolvimento atômico.
Ao mesmo tempo, um ataque iraniano daria ao premier, hoje uma das figuras mais detestadas do país, uma nova “linha de salvação” política. Uma guerra que é considerada “inevitável” desde a revolução de 1979 lhe daria o argumento para a população se unir em torno de sua liderança, e também para revigorar o apoio americano, que hoje balança por causa da escala da destruição na Faixa de Gaza — Washington também se queixou de não ter sido informada com antecedência sobre a ação contra o consulado em Damasco, e tem usado contatos com vários países, incluindo a China, para tentar dissuadir o Irã. Por isso, alguns analistas se mostram céticos sobre uma ação contundente do Irã.
“A retaliação contra Israel poderia ter como objetivo alertar Israel sobre as suas capacidades e não ser focada na escala [do ataque]”, escreveu no X o professor da Universidade Johns Hopkins Vali Nasr. “O verdadeiro objetivo do Irã neste momento é impedir novos ataques israelenses, e não um conflito maior que ajude Bibi (Netanyahu) a mudar o foco de Gaza ou a consertar as barreiras com Biden.”
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