Internacional
Inundações que provocaram deslocamento de mais de 110 mil pessoas na Rússia e no Cazaquistão deve ter pico nesta quarta
Segundo o Moscow Times, o ministério para Situações de Emergência russo sabia do potencial perigo no local há um mês, mas não tomou medidas preventivas
Mais de 110 mil pessoas foram forçadas a se retirar de cidades na Rússia e no Cazaquistão desde a última sexta-feira, após as piores inundações em décadas terem atingido áreas de risco nas regiões. Segundo a agência Reuters, bilhões de dólares em propriedades foram destruídos, e mais de 8 mil animais de fazenda foram mortos num cenário descrito pelo Kremlin como “muito tenso”. As autoridades locais estimam que o pico das inundações deva ocorrer nesta quarta-feira.
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Imagens das cidades russas de Orsk e Oremburgo mostram bairros inteiros submersos, e voluntários e trabalhadores de emergência usam botes infláveis para resgatar pessoas e animais presos em suas casas. Nesta quarta-feira, o porta-voz da presidência russa, Dmitri Peskov, reconheceu que as previsões são “desfavoráveis” e que “a água continua subindo”. Ele afirmou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ainda não planeja visitar as áreas afetadas.
A Rússia declarou estado de emergência na região de Oremburgo no domingo, o que permitiu que as forças federais se envolvessem nos esforços para combater as inundações. De acordo com documento obtido pelo Moscow Times, porém, o Ministério de Situações de Emergência sabia das iminentes inundações no local ao menos um mês antes, mas não tomou medidas preventivas para mitigar os danos. Moradores reclamam que as áreas inundadas não receberam ajuda.
— As pessoas foram até suas casas em qualquer coisa que pudessem encontrar: barcos, lanchas e até catamarãs — disse Anastasia, uma moradora, ao Moscow Times. — Havia tanta água que parecia um reservatório. Você não conseguia ver um fim ou uma margem. Não há serviços de emergência, ninguém de plantão em lugar nenhum.
O que causou as inundações?
Inundações de primavera são comuns na região. Isso porque, com o fim do inverno, o derretimento da neve e do gelo faz com que os rios que atravessam as regiões fronteiriças dos dois países subam. No entanto, acredita-se que as ocorrências deste mês tenham sido fruto da chuva e do clima anormalmente quente, o que fez o rio Ural subir e romper uma barragem de proteção em pelo menos três lugares. A primeira ocorrência foi registrada na noite de sexta-feira, e a última, nesta segunda.
Autoridades russas disseram que o solo estava encharcado de água antes do inverno, que foi congelada com a neve na sequência. Depois, ela derreteu muito rapidamente com o aumento das temperaturas da primavera e chuvas intensas. Segundo o oficial russo Vladimir Yakushev, o Cazaquistão tem responsabilidade pelo ocorrido porque não coordenou a descarga de água de maneira eficaz. Agora, meteorologistas preveem que as inundações não serão estabilizadas até o final do mês.
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Especialistas também preveem que o desastre registrado é apenas uma prévia do que está por vir à medida que as mudanças climáticas pioram. Ao Moscow Times, um especialista em clima russo que pediu anonimato afirmou que eventos climáticos extremos têm sido cada vez mais frequentes e destrutivos. Em relatório de 2022, o serviço de monitoramento ambiental da Rússia alertou que o Distrito Federal do Volga, que inclui a região de Oremburgo, estava em risco de inundações perigosas devido ao aumento do escoamento dos rios na primavera.
— O plano de fundo do que aconteceu é [a mudança climática], que atualmente é subestimada tanto na Rússia quanto globalmente — disse o especialista. — Os cientistas estão soando o alarme, mas estão fazendo isso dentro de sua própria bolha. E aqueles que deveriam tomar decisões na adaptação climática não os ouvem. Precisamos de uma nova política climática que incorpore abordagens inteiramente novas para questões de infraestrutura e proteção da população.
Evacuações, riscos e prejuízos
Autoridades russas afirmaram que 24 mil pessoas estavam envolvidas em operações de resgate e limpeza “24 horas por dia” nas regiões afetadas. A mídia estatal, contudo, alertou que “um enorme fluxo de água está se movendo em direção à [região russa de] Petropavlovsk-Kamchatskiy, onde se espera que uma onda de água chegue nas próximas 48 horas”. Autoridades recomendam que moradores de áreas potencialmente inundáveis recolham itens de valor e documentos e deixem suas casas.
Conforme publicado pela Reuters, rios como o Ural, que flui pelo Cazaquistão até o Mar Cáspio, são motivos de preocupação. Ele passa por um importante polo da indústria petrolífera de Atyrau, onde as autoridades fecharam escolas e mobilizaram milhares de pessoas para reforçar as margens do rio e construir barragens. Também há preocupações com o Tobol e Ishim, afluentes do Irtysh, que, juntamente com o Ob, formam o sétimo maior sistema fluvial do mundo.
Das 110 mil pessoas evacuadas, mais de 96 mil foram no Cazaquistão. Na Rússia, cerca de 10,5 mil casas foram registradas como inundadas até o momento. O país intensificou o fornecimento de água engarrafada, e vacinações contra hepatite A estavam sendo realizadas em áreas inundadas. Somado a isso, algumas das áreas afetadas pelas inundações são importantes para a produção de trigo na Rússia, o maior exportador de trigo do mundo. Uma refinaria de petróleo russa foi fechada.
— A escala de inundação é colossal. Muitas áreas e muitas casas estão submersas — disse Oleg, um morador de Orsk, ao Moscow Times. — É necessário reconstruir e continuar reconstruindo. Acredito que levará muito tempo, mas [será possível] se as autoridades ajudarem as pessoas.
Falhas e protestos
Moradores de zonas inundadas foram alojados em centros de acomodação temporária. O ministro para Situações de Emergência da Rússia, Alexander Kurenkov, visitou Orsk após o anúncio de emergência federal. Em declaração transmitida pela televisão nacional, ele afirmou que autoridades haviam anunciado a necessidade de evacuação local “vários dias” antes do rompimento da barragem —e acusou os moradores de ignorarem essa mensagem. A declaração enfureceu os residentes.
Dois dias antes da ruptura da barragem, o prefeito de Orsk, Vasily Kozupitsa, assegurou aos moradores que tinha inspecionado a barragem e que não havia motivo para preocupação. A publicação feita pelo político foi apagada posteriormente. Já no sábado, o governador da região de Oremburgo, Denis Pasler, anunciou um pagamento único de 20 mil rublos (R$ 1 mil) para cada indivíduo, e um pagamento de até 100 mil rublos (R$ 5,4 mil) para aqueles que perderam propriedades.
O valor da compensação e a maneira como as autoridades lidaram com a evacuação decepcionou os moradores. Na segunda-feira, mais de 100 pessoas se reuniram no prédio da administração de Orsk para exigir a renúncia do prefeito. Na Rússia, manifestações públicas contra o governo são ilegais e duramente reprimidas, e a polícia, segundo o jornal russo Meduza, chegou a pedir aos manifestantes que “parassem com a atividade ilegal”, mas sem sucesso.
Em resposta, o governador de Oremburgo prometeu levar todos os responsáveis pelo caso à Justiça e construir uma nova barragem. O prefeito, por sua vez, anunciou que todas as vítimas das inundações receberiam 100 mil rublos. O Comitê de Investigação da Rússia abriu uma investigação criminal sobre violações de segurança na construção, além de negligências que podem ter causado o colapso da barragem. (Com AFP)
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