Política

Denunciado por fraude, ex-diretor da PRF comprou caveirões que não sobem ladeira e com blindagem inadequada, aponta MPF

Silvinei Vasques e mais sete pessoas são acusadas de assinatura de contratos irregulares

Agência O Globo - 21/03/2024
Denunciado por fraude, ex-diretor da PRF comprou caveirões que não sobem ladeira e com blindagem inadequada, aponta MPF
Silvinei Vasques - Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Considerados “inservíveis”, os caveirões que são objeto de denúncia de fraude em licitação não conseguem subir ladeiras e a empresa vencedora não oferece blindagem necessária para o tipo de operação realizada, afirma o Ministério Público Federal (MPF). O prejuízo aos cofres públicos passa dos R$13 milhões. A denúncia atinge oito pessoas acusadas de fraudar contratos de licitação referentes à compra de 15 viaturas operacionais blindadas consideradas inservíveis. Um dos alvos é o ex-superintendente da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques.

Os veículos foram enviados para a PRF do Rio de Janeiro durante a gestão de Silvinei. O Tribunal de Contas da União (TCU) já havia identificado indícios de superfaturamento e possível favorecimento pelo então superintendente da empresa Combat Armor Defense, que forneceu os veículos. O relatório aponta que Silvinei considerou os certames "convenientes e oportunos" no auge da pandemia da Covid-19, entre 2020 e 2021, e indica também uma correlação entre a atuação de Vasques e os pagamentos efetuados à Combat Armor.

Silvinei está preso desde agosto de 2023 por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele é acusado de ter atuado para tentar interferir nas eleições de 2022 durante o segundo turno, quando a PRF realizou uma série de bloqueios em estradas de locais nos quais o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia sido mais votado do que Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno.

No começo do ano passado, Silvinei pediu ao ex-presidente Bolsonaro que recebesse um empresário suspeito de fraudar licitações da corporação. O pedido de encontro foi registrado em uma captura da tela do celular de Vasques. Em uma mensagem de WhatsApp, Vasques conta que Maurício Junot de Maria, representante da Combat Armor Defense do Brasil, gostaria de "dar um abraço" no ex-mandatário, que, naquela época, passava uma temporada nos Estados Unidos. A empresa americana foi contratada no governo Bolsonaro para fornecer veículos blindados à PRF.

Denúncia mira sócios da Combat Armor Defense

A denúncia, assinada pelo procurador da República Eduardo Benones e oferecida no bojo da Operação Megatherium, também tem como alvos os empresários e sócios da Combat Armor Defense do Brasil – de quem o MPF também requer a prisão preventiva –, bem como dois policiais rodoviários responsáveis por iniciar e dar continuidade à licitação, elaborando os Estudos Técnicos Preliminares e o próprio Documento de Oficialização de Demanda. Os policiais elaboraram o termo de referência do pregão realizado em 2020, tendo estabelecido prazos exíguos para a apresentação de protótipo e a entrega dos veículos.

Também foram denunciados o pregoeiro que aprovou a proposta inicial da Combat Armor Defense e que deu continuidade ao procedimento licitatório, mesmo sabendo que não havia outros licitantes, e o fiscal técnico do contrato, que assinou relatórios de conformidade e termos de recebimento definitivo. Segundo as investigações, as licitações eram caracterizadas pelos mesmos concorrentes e propostas irreais acima do preço, nas quais a Combat ganhava, na maior parte dos casos, pela modalidade “maior desconto”, ainda que não existisse tabela pré-fixada de valores para o julgamento das propostas.

A empresa também foi investigada pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 08 de Janeiro. De acordo com as apurações, entre as transações suspeitas realizadas pela Combat, houve pagamentos realizados em favor de Antonio Ramirez Lorenzo, ex-chefe de gabinete do ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, e de empresa de consultoria administrada por ele. Lorenzo também foi denunciado pelo MPF.

Conforme destaca a denúncia, a materialidade dos crimes é comprovada, especialmente, considerando relatórios técnicos elaborados pelo Grupo de Trabalho dos Blindados Operacionais da PRF e 22 relatórios técnicos resultantes da colaboração prestada pelo Centro de Avaliações do Exército (CAEx). Os documentos confirmam que a Combat frequentemente descumpria prazos e entregava produtos e serviços abaixo dos padrões acordados, ferindo a integridade dos contratos e colocando em risco a vida dos policiais.

Blindados ineficazes

De acordo com o MPF, segundo listagem da autorização do Exército para serviços de blindagem nível III, existem 59 empresas habilitadas para comercializar esse serviço. Porém, a Combat Armor não está autorizada a fornecer esse tipo de blindagem, serviço contratado pela maioria dos procedimentos. Além disso, as mesmas quatro empresas sempre aparecem no Serviço de Registro de Preços, tendo pouca ou até nenhuma concorrência - pois a Combat, muita das vezes, é a única a concorrer.

O MPF reforça, ainda, que os blindados entregues pela Combat não possuem capacidade operacional plena, tanto de forma mecânica, ao não serem capazes de subir ladeiras, quanto pelo aspecto da segurança operacional, pois a blindagem não é condizente com a ofertada (nível III).