Internacional

UE lança plano para usar rendimentos de bens congelados da Rússia; Moscou chama proposta de 'banditismo total'

Ideia é usar os cerca de € 3 bilhões em dividendos para ajudar Kiev a comprar armas, mas russos prometem longas batalhas legais

Agência O Globo - 20/03/2024
UE lança plano para usar rendimentos de bens congelados da Rússia; Moscou chama proposta de 'banditismo total'
UE lança plano para usar rendimentos de bens congelados da Rússia; Moscou chama proposta de 'banditismo total' - Foto: Reprodução/internet

Após semanas de sugestões, pressões e ameaças, a Comissão Europeia confirmou um plano para usar propriedades e bens da Rússia que foram congelados em bancos europeus após o início da invasão à Ucrânia, há dois anos. A ideia atual não é vender esses ativos, mas sim destinar os rendimentos obtidos com eles a Kiev, uma manobra que ainda precisa do aval dos países do bloco e que foi recebida com duras críticas em Moscou.

Inclusive no Ocidente: Putin ordena caçada de propriedades soviéticas e do Império Russo no exterior

Reações: No G20, ministro russo promete resposta 'simétrica' caso EUA decidam usar ativos do país para financiar a Ucrânia

Estima-se que €200 bilhões (R$ 1,08 trilhão) em ativos russos, incluindo propriedades, contas bancárias e ações, estejam dentro da União Europeia, sendo que a maior parte sob responsabilidade de uma empresa belga, a Euroclear, especializada na gestão desse tipo de bem. Apesar de congelados, eles seguem rendendo dividendos, e esse dinheiro está parado em contas da Euroclear e outras instituições, uma vez que os russos não podem acessá-lo devido às sanções.

Segundo a Comissão Europeia, o valor anual desses dividendos pode chegar a € 3 bilhões (R$ 16,28 bilhões) , e a ideia é mandar essa verba quase que integralmente para os ucranianos — pelo plano, 97% do total, sendo que os 3% restantes permaneceriam com a Euroclear, especialmente para financiar futuras batalhas legais movidas por Moscou contra a União Europeia (UE).

No X, o antigo Twitter, Valdis Dombrovskis, comissário de Comércio da UE, praticamente toda a verba prevista para esse ano oriunda dos dividendos — 90% — será destinada a investimentos militares. A proposta será discutida em uma reunião de líderes a partir desta quinta-feira, em Bruxelas.

“A aprovação dos Estados-membros da UE é agora necessária antes que a transferência de recursos possa começar”, disse Dombrovskis no X.

Com sérios problemas para manter os níveis de financiamento aos ucranianos, os aliados ocidentais de Kiev têm se debruçado sobre formas de levantar dinheiro usando os ativos russos congelados no exterior. A maior parte deles está na União Europeia, e coube ao bloco tomar a liderança nesse processo mais do que espinhoso.

Ainda no ano passado, o Banco Central Europeu alertou que o confisco poderia ter impactos graves à reputação das instituições europeias — em artigo recente, Alexandr Kolyandr, do Fundo Carnegie pela Paz Internacional, disse que uma decisão do tipo poderia levar a uma corrida de investidores para levarem seus ativos a outras regiões mais “seguras” do globo.

Divergência: No G20, ministro francês pede 'respeito ao Estado de Direito' e diz que não há base jurídica para confisco de ativos russos

No mês passado, o tema foi discutido durante a reunião de presidentes de Bancos Centrais e ministros das Finanças do G20, e São Paulo, e a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, defendeu uma abordagem conjunta para “desbloquear” os ativos russos. Além do confisco puro e simples, ela sugeriu usá-los como uma garantia para contrair empréstimos e destiná-los à Ucrânia, uma hipótese igualmente arriscada, na opinião de especialistas, mas aguardada com afinco pelos ucranianos.

— Nós insistimos no confisco total ou em usos alternativos dos bens congelados. A Europa e o mundo precisam criar um precedente eficaz para que o agressor pague um preço alto pela destruição que causou à Ucrânia — disse em entrevista coletiva o premier ucraniano, Denys Shmyhal, após reuniões com integrantes da UE em Bruxelas.

Durante os encontros, ele ainda apresentou um plano para a reconstrução do país, e ouviu da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que a liberação da primeira parcela do mecanismo de financiamento aprovado pelo bloco em fevereiro, que tem valor total de € 50 bilhões, será liberada esta semana. O dinheiro servirá para garantir a liquidez do Estado ucraniano até 2027.

'Décadas' de processos

Na véspera do anúncio do plano sobre os ativos da Rússia, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, fez uma previsão que se confirmaria nesta quarta-feira: ele disse que “os russos não ficarão muito felizes” com a ideia, e que o dinheiro “não é extraordinário, mas também não é negligenciável”.

Repressão interna: Câmara da Rússia aprova lei para confiscar bens de críticos da guerra na Ucrânia

Dito e feito. Em declarações à imprensa, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, sinalizou que as ações europeias podem levar a “décadas” de processos em tribunais ao redor do mundo. Para Moscou, o simples uso dos rendimentos sem seu aval é uma apropriação indevida e ilegal.

— Os europeus devem ser conscientes do dano que essas decisões podem causar à sua economia, à sua imagem e à sua reputação como garantidores confiáveis da inviolabilidade da propriedade — disse Peskov. — As pessoas, os Estados, quem estiver envolvido na tomada de tais decisões naturalmente será alvo de ações judiciais por muitas décadas.

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, classificou a proposta de “roubo”.

— Isso é banditismo total, roubo. Estas ações constituem, em termos jurídicos, uma violação grosseira e sem precedentes das normas internacionais básicas.